História, gestão e sustentabilidade do montado
A gestão do montado, o sistema agrosilvopastoril mais antigo e relevante da Península Ibérica, tem sido alvo de um renovado interesse por parte dos diferentes decisores, não só os produtores e os industriais, mas também os legisladores e a comunidade científica. O montado, no seu estado atual, é o resultado de um longo historial de uso, gestão e intervenção antropogénica, caracterizando-se por uma elevada heterogeneidade e complexidade do ecossistema.
A produção do montado (cortiça, bolota, lenha, entre outros) conjuga-se com as diferentes utilizações do subcoberto (pastagens, culturas agrícolas, arbustos, caça, etc.), a grande diversidade de paisagens, e as diferentes realidades socioeconómicas e culturais. A mortalidade e a ausência de regeneração natural das árvores, a degradação dos solos e a susceptibilidade do sistema às alterações climáticas têm suscitado alargado debate sobre a rentabilidade e a sustentabilidade do montado. Neste contexto, diferentes soluções de gestão têm sido propostas e implementadas, entre as quais se destaca a instalação de pastagens melhoradas, associada à intensificação ou diversificação da produção animal.
A introdução de pastagens melhoradas no montado tem sido sugerida e incentivada com vista ao aumento da produtividade e qualidade da vegetação herbácea; mas também com o intuito de melhorar a qualidade do solo, nomeadamente através do aumento do teor de matéria orgânica, e da resistência aos processos de degradação (por exemplo, a erosão).
Efeitos das pastagens semeadas no sistema montado
São bem conhecidos os aumentos de produtividade das pastagens melhoradas, que podem atingir duas a três vezes a obtida nas pastagens naturais. Estudos recentes revelaram benefícios da introdução de pastagens melhoradas sobre a fertilidade do solo, nomeadamente na disponibilidade de azoto e de fósforo; o primeiro devido à fixação simbiótica de azoto atmosférico nas raízes das espécies leguminosas, o segundo como consequência de repetidas aplicações de adubo fosfatado. De um modo geral, a introdução de pastagens melhoradas conduz também à acumulação de matéria orgância no solo, quando comparada com pastagens naturais nas mesmas condições ecológicas.
No entanto, a extensão dessa acumulação pode ser limitada, por um lado pelas características dos solos (por exemplo, textura e fertilidade) e, por outro, pelo sistema de gestão (por exemplo, o historial de uso, o coberto arbóreo, o tipo de gado, a intensidade do pastoreio). As condições de porosidade, arejamento, circulação e disponibilidade de água no solo também refletem a acumulação de matéria orgânica no solo, mas também dependem das características dos locais e da gestão. Geralmente a porosidade do solo é favorecida pelo aumento do teor de matéria orgânica; no entanto, este efeito poderá ser parcial ou totalmente contrariado pelo pisoteio excessivo decorrente de um encabeçamento elevado, nomeadamente em solos de textura média a fina.
Não obstante os potenciais efeitos benéficos sobre a qualidade do solo, a instalação das pastagens melhoradas, por si só, não assegura a regeneração do coberto arbóreo, que é essencial para assegurar a sustentabilidade do montado a longo prazo. De facto, a instalação dessas pastagens envolve normalmente a remoção da vegetação arbustiva, cuja presença poderia proteger e facilitar o desenvolvimento inicial das jovens árvores. Além disso, acresce ainda o efeito da intensificação do pastoreio, que surge normalmente associado a estas pastagens, provocando danos físicos nas jovens árvores e impossibilitando o seu desenvolvimento.
Por último, para suporte de decisões de gestão, são indispensáveis estudos aprofundados sobre as consequências da instalação das pastagens melhoradas sobre a produtividade das árvores, a qualidade da cortiça, e a vitalidade do montado. Estudos recentes indicam que, em povoamentos adultos localizados em solos de textura média a fina, o impacto da disponibilidade hídrica no crescimento das árvores e da cortiça é mais importante do que o impacto do subcoberto, quer seja mantido com vegetação natural ou com sementeira de tremocilha. Em povoamentos jovens, não descortiçados, com elevada densidade de árvores por hectare, estão a decorrer ensaios para avaliação dos impactos da gestão do subcoberto nas árvores e na cortiça.
Recomendações e perspetivas futuras A gestão sustentável do montado deverá ser adaptada à especificidade das condições ecológicas de cada local, incluindo as condições climáticas, as características do coberto arbóreo e o tipo de solo. Com vista à sustentabilidade, considera-se de uma importância proceder à monitorização dos efeitos das alterações de gestão (incluindo as pastagens melhoradas) sobre a qualidade do solo e os serviços do ecossistema, sendo para o efeito indispensável estabelecer sistemas de referência. Em alternativa, será de grande alcance o desenvolvimento de sistemas de monitorização por via visual e aplicáveis localmente pelos próprios produtores.
De entre os inúmeros indicadores considerados para a qualidade do solo, recomenda-se o teor de matéria orgânica (ou, melhor, de carbono orgânico) e a densidade do solo (que expressa a porosidade, ou a compactação do solo), não só por refletirem eficazmente as modificações mais relevantes das funções do solo, mas também por serem de determinação corrente e relativamente simples. Preferencialmente, estas avaliações não deverão circunscrever-se apenas à camada superficial do solo. São igualmente necessárias medidas que promovam a conservação e a regeneração das árvores, como pilares da produção de bens e da prestação de serviços deste valioso agroecosistema. Resultados mais abrangentes só poderão ser obtidos com estudos de demonstração, a longo prazo, coincidentes com o desenvolvimento de sistemas de monitorização.
. Autoria:
→ Ana Raquel Rodrigues, Joana Amaral Paulo e Manuel Madeira
- Centro de Estudos Florestais, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa
- Artigo completo publicado na edição impressa: janeiro / 2020.
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