Nem sempre há horas de sorte. Macrolepiota venenata/Chlorophyllum brunneum. Incógnito e dissimulado, o principal responsável pelas intoxicações de Outono
Autoria: José Luís Gravito Henriques, Engenheiro Agrónomo Moisés Alexandre dos Santos Henriques, Médico Fisiatra Cândido Alexandre dos Santos Henriques, Licenciado e Mestre em Engenharia Agronómica
1 – Introdução
Ao longo dos últimos anos recolheram-se vários relatos e testemunhos de casos de intoxicação, mais ou menos graves, ocorridos no Outono, na sequência da ingestão pressuposta de Macrolepiota procera. Muitas das vezes, na abordagem inicial, as pessoas que sofreram as perturbações chegaram a afiançar, sem margem para dúvidas, que teria sido esta a espécie apanhada.
Tal informação suscitou estranheza e a convicção de que haveria eventuais falhas ao nível da identificação, já que o Macrolepiota procera é um cogumelo delicioso, excelente comestível, consumido em quantidade por um imensurável número de pessoas no país e no mundo.
A possibilidade de haver um cogumelo semelhante ao Macrolepiota procera na origem destas intoxicações levou a que, em acções de divulgação na área da Micologia, se abordasse esta questão e se suscitasse às pessoas a indicação de situações anormais, conhecidas ou referenciadas, relacionadas com o consumo deste género de cogumelos.
Por ocasião de um passeio micológico, um dos participantes manifestou a ocorrência da morte de um pastor naquela localidade depois de ter comido uns “frades apanhados junto ao curral”. Mais, dava-lhe a impressão de que havia lá “à vista”, nesse dia, desses cogumelos. Confirmada a existência de alguns exemplares no local, esta coincidência permitiu a sua recolha e posterior identificação, confirmando-se serem da espécie Macrolepiota venenata e não Macrolepiota procera.
Os restos destes cogumelos foram depois espalhados num terreno com condições propícias para a propagação do fungo e, passados dois anos apareceram os primeiros esporóforos. Foi assim possível, não só acompanhar os vários estádios do cogumelo em diferentes situações climatéricas, mas também recolher fotos das características particulares evidenciadas ao longo do seu desenvolvimento.
Considerando que seria importante dar a conhecer a existência de um cogumelo tóxico algo semelhante ao Macrolepiota procera, produziu-se e divulgou-se o trabalho “O frade (Macrolepiota procera) comestível e o falso frade (Macrolepiota venenata) venenoso. Precauções e sinais de identificação obrigatória”, disponível no portal da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro.
Depois da apresentação do trabalho surgiram mais alguns relatos dispersos de intoxicações similares, corroborando a possibilidade de se tratar da ingestão de Macrolepiota venenata.
Em novembro de 2012 ocorreu um caso de ingestão de cogumelos tóxicos por um casal de uma aldeia do distrito da Guarda. Sabendo-se que a informação que corria localmente era de que teriam comido tortulhos (nome associado, na localidade, à espécie comestível Macrolepiota procera), bem diferente da veiculada pela comunicação social que apontava para o Amanita phalloides, fizeram-se algumas diligências no sentido de tentar saber qual seria a espécie que de facto levou a um desfecho tão trágico: a morte da esposa.
A informação recolhida e a despistagem das espécies feita com o cônjuge sobrevivente conduziram à confirmação de que o caso nada tinha a ver com o Amanita phalloides mas sim com a ingestão de Macrolepiota venenata.
Consequentemente e por razões de saúde pública, a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro procedeu à elaboração de um alerta para as autarquias da sua área de jurisdição, solicitando a maior atenção e colaboração na sua divulgação. Este dava conta da possibilidade do aparecimento de Macrolepiota venenata na Região e manifestava a preocupação do consumo por engano desta espécie, poder estar na origem de algumas intoxicações muito graves.
Posteriormente houve conhecimento de acontecimentos, ocorridos há mais de trinta anos, que envolveram duas famílias do concelho do Fundão e culminaram na morte de duas crianças, por terem comido “frades” apanhados pelas suas progenitoras.
Foi possível entrevistar as mães sobreviventes e recolher os seus dolorosos testemunhos que, pelas más memórias, como bem vincaram, foram apenas prestados com o intuito das pessoas não voltarem a cometer os mesmos erros no futuro, contribuindo desta forma para a salvaguarda de vidas humanas.
Houve também conhecimento de mais casos na Região, nos quais se teve acesso directo a exemplares frescos iguais (irmãos), recolhidos exactamente no local onde haviam sido apanhados os cogumelos responsáveis pelas intoxicações. Em todas estas intoxicações, a espécie observada foi o Macrolepiota venenata e nunca o Macrolepiota procera.
Entretanto, na sequência das apanhas de Macrolepiota procera que se sucedem por todo o país, alguns mal identificados, continuam a surgir todos os anos notícias de intoxicações atribuídas erradamente ao Amanita phalloides e ao Amanita pantherina, apesar de muitas vezes a própria informação prestada pelos doentes veicular, de forma concreta ou subjacente, as características específicas do Macrolepiota venenata.
Não se pode ignorar que o Macrolepiota procera, denominado neste trabalho por frade e referenciado por alguns dos inquiridos como tortulho ou carcomelo, é o cogumelo mais conhecido, apanhado e consumido em Portugal, enquanto o Macrolepiota venenata continua a ser desconhecido pela generalidade dos apanhadores. Mais, a maior parte das pessoas não está alertada para o facto de haver na natureza um cogumelo tóxico semelhante ao Macrolepiota procera pelo que, quando aparece, continua a tratá-lo como se fosse a espécie comestível.
Este trabalho, além de realçar as diferenças entre as duas espécies, inclui relatos de casos concretos de intoxicação e aborda aspectos da sintomatologia e da evolução do quadro clínico, pretendendo, mais uma vez, alertar para a existência da espécie venenosa Macrolepiota venenata e para os transtornos e perigos que podem advir da sua ingestão.
2 – Principais características do Macrolepiota procera e do Macrolepiota venenata
Estas duas espécies são sapróbias, ou seja, exploram e alimentam-se de substratos orgânicos mortos.
Embora possam ambas aparecer esporadicamente na Primavera são espécies de cogumelos típicas de Outono. O Macrolepiota procera surge poucos dias após as primeiras chuvas dos finais de Verão e é muito frequente em áreas incultas de espécies herbáceas, clareiras e bordaduras de vegetação arbórea e arbustiva. Já o Macrolepiota venenata é raro e mais serôdio, encontrando-se, de forma mais agrupada, em áreas particularmente ricas em matéria orgânica, junto a passagens do gado, estábulos, lixeiras e montureiras, sobretudo em anos de Outonos mais quentes.
À primeira vista, olhando apenas para o chapéu, podem confundir-se, mas, depois de uma análise mais pormenorizada, verifica-se facilmente que estas duas espécies têm várias características morfológicas distintas, apresentando-se de seguida as mais evidentes.
2.1 – Chapéu
- No Macrolepiota venenata o chapéu é inicialmente globoso (Fig. 1) e no final aplanado; a área central é plana (Fig. 2) ou apresenta uma ligeira depressão no final; a cutícula de cor castanha mais ou menos escura, por vezes um pouco avermelhada rompe-se radialmente, em grandes escamas de tamanho irregular, deixando intacto o centro estrelado e à vista uma superfície esbranquiçada (Fig. 2) que por vezes se esquarteja, escama e desfibra (Fig. 3); as lâminas avermelham ao toque (Fig. 4).
- No Macrolepiota procera o chapéu é inicialmente ovóide (Fig. 5) e no final mamelado; tem um mamilo central bem evidente (Fig. 6); a cutícula de cor castanha, à excepção de um pequeno disco central, estala de forma concêntrica, em escamas de forma regular, de maior tamanho na periferia (Fig. 6); as lâminas mantêm a cor clara ao toque (Fig. 7).
2.2 – Pé
- O Macrolepiota venenata tem o pé curto, proporcional ou inferior à dimensão do chapéu (Fig. 8); a sua superfície é lisa, de cor esbranquiçada (Fig. 9), acastanhando com o envelhecimento; o anel é pequeno, um pouco escamoso e mais simples (Fig. 10), sem mobilidade (rompe-se quando se tenta mover) e, em geral, situa-se numa posição mais central ou ínfera (Fig. 8); a base do pé apresenta um bolbo marginado (Fig. 11).
- No Macrolepiota procera a altura do pé é manifestamente superior ao diâmetro do chapéu (Fig. 12); a superfície é de cor castanha e vai gretando em anéis zebrados (Fig. 13); o anel é duplo (Fig. 14), grande, móvel e situa-se na parte superior do pé (Fig. 12); tem um bolbo contínuo (Fig. 15).
2.3 – Cor da carne
- No Macrolepiota venenata a carne quando jovem é branca e ao corte adquire tons avermelhados (Figs. 16 e 17).
- No Macrolepiota procera a cor da carne mantém-se após o corte (Figs. 18 e 19).
2.4 – Particularidades
Em períodos secos, o rompimento da cutícula do Macrolepiota venenata pode desenvolver-se de forma mais regular e concêntrica (Fig. 20), originando maior semelhança na disposição das escamas no chapéu, das duas espécies (Fig. 23). Por outro lado, com muita humidade, por regra, a carne do chapéu do Macrolepiota venenata não fissura nem se esquarteja (Fig. 21), acabando a superfície por se apresentar nestas alturas parecida com a do frade (Fig. 24), embora seja perceptível a ausência de mamilo e o disco central ligeiramente maior.
Na fase mais precoce, com o chapéu fechado (Figs. 22 e 25), muitas das características morfológicas das duas espécies ainda estão pouco ou nada evidenciadas. Também quando os cogumelos se apresentam envelhecidos ou muito desidratados a alteração da cor da carne ao corte não é evidente pois ela já por si se encontra escurecida e sem reacção.
Nestas condições a confusão é maior e mais difícil se torna a identificação e, para quem se limita a olhar apenas para o chapéu, pode vir a apanhar inadvertidamente a espécie problemática. Chapéus há muitos e, nestas circunstâncias, para não se fazer figura de palerma, é imperativo ir além do chapéu e observar detalhadamente todo o esporóforo.
3 – Descrição das duas espécies feita por uma criança de 10 anos
Dois dias depois de uma reunião de Outono dos Amicos Silvestris (agremiação que se dedica à promoção e divulgação dos cogumelos) onde foram debatidas as características que diferenciam o Macrolepiota venenata do Macrolepiota procera, eis que, de um dos associados então presentes, é recebida a seguinte mensagem: “vou enviar-lhe várias fotos de cogumelos, que gostaria de saber se, se trata de Macrolepiota procera (frade)”.
Observadas as fotografias, duas das quais aqui se incluem (Figs. 26 e 27), a resposta não tardou e, apesar dos exemplares não se apresentarem inteiros, foi: “com todas as contingências de não ser possível verificar algumas características, parece ser um cogumelo não comestível, embora se pareça com o nosso frade. Espera-se que os não tenham comido”.
Em campo, veio depois a confirmar-se que era Macrolepiota venenata (Fig. 28).
Não tendo os cogumelos sido apanhados pelo interessado tentou-se saber da possibilidade de falar com o apanhador, o que se concretizou.
Pois bem, os cogumelos tinham sido apanhados por um miúdo de 10 anos, sozinho e, porque eram os primeiros desse ano, teve a gentileza de os oferecer a uma pessoa que lhe era querida, o seu padrinho, sem que ninguém antes os visse ou verificasse.
Quando confrontado com a informação de que os cogumelos que tinha encontrado não eram bons, retorquiu: “mas tinham anel e pareciam iguais aos outros”.
A criança estava habituada a apanhar frades “dos outros”, que não aqueles. Tinha sido ensinada pelo pai e foi acompanhando-o que aprendeu “a conhecê-los”.
Questionado sobre como eram os cogumelos, o miúdo respondeu: “nasciam aos montes, eram baixos e tinham anel. O anel não era muito grande, era pequenino”.
Apercebendo-se então que de facto não era a mesma espécie, começou a justificar- -se:
– “Costumava apanhar num local mais abaixo e no campo de futebol. Este ano não nasceu nenhum. Os frades são maiores, mais redondos, com anel grande e bem feitos”.
– “Estes estavam muito enterrados, tive que desenterrar alguns. A raiz é muito grossa e são baixinhos e muito castanhos por dentro se os cortar. Os outros têm o pé castanho, o pé é mais fino e são grandes”.
Apesar da sua tenra idade, depois de alertada para o facto de não se tratar da mesma espécie, a criança rapidamente deu conta de algumas diferenças e, na sua ingenuidade, sublinhou esses pormenores que são parte das características que distinguem o Macrolepiota procera do Macrolepiota venenata e devem ser tomadas em muita conta na altura da apanha.
4 – Passos que conduziram à associação do Macrolepiota venenata a intoxicações mortais
A informação de que um pastor teria morrido por ter comido cogumelos associados a frades permitiu, vários anos depois do acontecimento, fazer a recolha de alguns exemplares (Figs. 29, 30 e 31), dados por “iguais” aos responsáveis pelo desfecho fatal. Desta forma foi possível chegar à identificação do Macrolepiota venenata e obtidos os primeiros indícios da intoxicação estar associada à apanha inadvertida e consumo esporádico desta espécie.
Em finais de novembro de 2012, surgiram notícias na comunicação social de que um casal de emigrantes em França, de férias numa localidade do distrito da Guarda, havia sido internado, na sequência da ingestão de cogumelos silvestres ao que tudo indicava da espécie Amanita phalloides.
Passados poucos dias, chegou ao nosso conhecimento a informação de que a mulher, de 64 anos, não resistindo a uma disfunção hepática aguda, tinha falecido.
Estas notícias despertaram alguma atenção pois, se por um lado davam conta de que eles tinham comido tortulhos, por outro também referiam que teriam feito confusão com o Amanita phalloides.
Em Portugal, por norma associa-se ao Amanita phalloides a maior parte dos casos de intoxicação mortal que decorrem do consumo de cogumelos silvestres, sem que se proceda a uma investigação aprofundada para identificar a espécie responsável por cada incidente. Naturalmente, o desconhecimento dos intervenientes ao nível da identificação e/ou a falta de amostras dos cogumelos consumidos, pode dificultar a concretização da tarefa.
Ainda assim, não é fácil confundir o Macrolepiota procera com o Amanita phalloides, pelo que aumentou em nós a curiosidade e o interesse em saber, se possível, qual ou quais as espécies que teriam ingerido.
Feitas algumas diligências, prontamente se estabeleceram alguns contactos com conterrâneos da aldeia, chegando-se à fala primeiro com as pessoas que mais directamente lidaram com o casal antes do internamento e depois com o marido sobrevivente. Conseguiu-se inclusivamente ter acesso a uma amostra dos restos do cozinhado de cogumelos que, após a refeição, tinha sido guardada durante três dias no frigorífico e depois fora congelada.
Em todas as conversas com os residentes na aldeia estes afirmaram que eles tinham apanhado e ingerido apenas tortulhos, informação que contradizia as notícias veiculadas pela comunicação social.
Os relatos recolhidos serviram para aclarar o assunto, sendo que se conseguiu apurar o seguinte:
– Os cogumelos foram apanhados pela esposa, limpos, cortados e lavados em água com um pouco de vinagre, “para desinfectar” como nos foi dito. Durante este procedimento, “ela um pouco desconfiada com aqueles tortulhos, ainda os terá mostrado a uma vizinha”.
– Quinze dias antes tinha ido “com a irmã a apanhar tortulhos e eram bons. Desta vez foi sozinha e apanhou uns poucos atrás da sua casa”.
– Os cogumelos foram cozinhados com cebola e em parte consumidos ao jantar de quarta-feira, dia 21 de novembro, tendo o resto sido guardado no frigorífico.
– O marido ter-se-á apercebido de alguma diferença e, mostrando alguma prudência, “deixou parte no prato, tendo comido mais batatas que cogumelos. Já a esposa comeu tudo e ainda molhou o pão no tacho. A mulher era uma pessoa convencida, muito aventureira, o marido era mais cauteloso”, referiu uma pessoa conhecida do casal.
– Ao deitar, “depois de verem as ultimas novelas na televisão, sentiram-se mal com securas, dores de barriga, vómitos e diarreia, pelo que a mulher foi logo fazer chá para tomarem”.
– Na manhã seguinte a esposa “ainda se confessou, comungou e comentou com algumas pessoas da aldeia que tinham comido qualquer coisa que lhes provocou diarreia, mas dando a indicação de que já estariam bem. Na parte da tarde até quis ajudar uma amiga a apanhar beterrabas”.
– Nesse mesmo dia, à hora de almoço, uma pessoa amiga, sabendo do sucedido, telefonou ao casal e, na conversa, a mulher apenas lhe disse que “tinham comido cogumelos e que lhes tinha dado diarreia”. Aconselhada a ir ao médico, ela terá respondido confiante, que era “normal ter diarreia” e que isso passaria.
– À noite, a mesma pessoa, já com alguma preocupação, voltou a telefonar e novamente apelou para a necessidade de irem ao médico. À chamada de atenção de que estavam “a brincar com a vida” e de que “os cogumelos matavam lentamente”, a mulher terá respondido que “estavam vivos; já estavam melhor; que era gripe; era gripe, não tinha nada a ver com os cogumelos; eram bons, tinham anel e meteu-lhes a colher de prata; estava tudo bem, para não se preocupar”.
– Sexta-feira, a amiga só já os voltou a contactar por volta das 8 horas da noite. Então aí sentiu “logo que já não era a mesma mulher” que estava ao telefone. Nessa altura aceitou de imediato ir para o hospital, justificando-se que já não conseguia “comer nada”. O marido, esse ainda terá comido “uma canja”.
– Chamado de seguida o serviço do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), foram levados ao Centro de Saúde, deslocados depois para o Hospital Distrital e daí conduzidos para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
– No sábado disseram de Coimbra que a “mulher não sobrevivia; já o marido estava a evoluir lentamente”.
– A mulher faleceu na segunda-feira enquanto o homem regressou na sexta-feira seguinte.
Nessa mesma sexta-feira teve-se acesso às sobras dos cogumelos. Estes restos apresentavam uma cor lilás/violácea. No entanto as pessoas que mais acompanharam este casal diziam que eles afirmaram ter comido cogumelos brancos.
Face a esta situação contraditória procurou-se primeiramente, nas imediações da casa sob carvalhos (local onde habitualmente a mulher apanhava cogumelos), Lepista nuda e um Cortinarius sp. de cores violáceas, supondo o consumo inadvertido de alguma espécie de Cortinarius tóxico, semelhante na cor ao Lepista nuda.
Confrontado com estas duas espécies o marido sobrevivente, ainda um pouco debilitado após internamento hospitalar durante uma semana, afirmou taxativamente que o que tinham ingerido não tinha nada a ver com estes cogumelos de cor violácea. O que tinham comido foi “tortulhos”, manifestando, no entanto, a percepção de que seriam “mais claros e a carne mais tenra que o tortulho normal”, depois de cozinhada.
Para descartar ou confirmar a hipótese de ser realmente o Amanita phalloides recolheu-se, nas imediações, um exemplar desta espécie. Mostrado em seguida ao homem, a resposta foi dada de forma inequívoca: “não era nada disso, eram claros com o pé branco, grosso e curto”.
Seguindo o raciocínio dos cogumelos claros, houve ainda oportunidade de apanhar e trazer à sua presença dois exemplares de Agaricus arvensis de pé branco, robusto, pouco comprido e com anel. Novamente negou, precisando que “os outros que se comeram eram apenas quatro ou cinco, uns ainda pequenos, brancos, de anel. Estavam todos agarrados pelo pé e foram apanhados no prado junto à casa”. Prado esse que, conforme se pôde observar na altura, estava a ser pastoreado por um rebanho de cabras.
Na sequência da despistagem das espécies com que o sobrevivente foi confrontado, e de acordo com o seu testemunho pessoal concluiu-se com convicção que, contrariamente ao que tinha sido apontado pela comunicação social, o Amanita phalloides não tinha estado na origem desta intoxicação de desfecho fatal.
Mais, o ambiente onde os cogumelos foram apanhados, com muita matéria orgânica (prado sujeito a pastoreio de rebanho de caprinos) e as características reveladas de que os exemplares recolhidos, comparativamente ao tortulho (Macrolepiota procera) eram mais claros e todos unidos pela base do pé e tinham o pé branco, grosso, curto e com anel, congregam um conjunto de particularidades que encaixam integralmente e assentam à “medida do fato” no Macrolepiota venenata.
A manipulação das sobras descongeladas deu para confirmar a opinião assinalada pelo paciente: a carne, em relação Macrolepiota procera, apresentava uma textura mais branda. Para além disso transmitiam uma cor avermelhada (Fig. 32) que como se pode observar nas fotos tem semelhanças com a cor da carne em fresco do Macrolepiota venenata (Figs. 33 e 34).
Da articulação da informação recolhida tudo apontava para que se tratasse do consumo de Macrolepiota venenata e não de Macrolepiota procera, que era a espécie que a mulher dizia ter apanhado.
Assim, pela primeira vez se relacionou, na presença de uma pessoa afectada, a ingestão de Macrolepiota venenata a intoxicações muito graves, até aqui erroneamente atribuídas pelos próprios ao Macrolepiota procera e, muitas vezes, por estranhos ao Amanita phalloides.
Refere-se que, passados dois meses, de acordo com o transmitido por familiares, ninguém lhes tinha dado conta da espécie responsável pela intoxicação, nem a amostra dos restos conservados, mantida no congelador, havia sido solicitada por qualquer organismo ou entidade oficial para identificação dos cogumelos ingeridos.
A informação prestada na altura era também de que as análises do homem, então regressado a França, ainda não estavam bem.
5 – Relatos e testemunhos de intoxicações
Todos os casos, referenciados apenas ao nível do concelho ou distrito para resguardo de alguma privacidade, têm em comum a ocorrência de intoxicações na sequência da procura de Macrolepiota procera, por pessoas no geral tidas por conhecedoras deste cogumelo, seguida de ingestão como se de tal espécie se tratasse.
Primeiramente apresentam-se casos dispersos contados de forma muito sumária na primeira pessoa ou por vizinhos e familiares que tiveram conhecimento ou certa proximidade ao sucedido; depois reúnem-se os depoimentos de duas mães alvo de intoxicações no seio familiar, na década de oitenta, com desfecho trágico pela perda de duas vidas humanas; por fim relatam-se ocorrências recentes, incorporando, sempre que possível, informação clinica disponibilizada pelos visados e os comentários dos apanhadores quando estes não participaram no repasto dos cogumelos.
5.1 – Casos dispersos
No decorrer dos eventos realizados na área da Micologia, amiúde surge gente a falar de intoxicações pressupostamente com Macrolepiota procera, algumas das quais ocorridas há bastante tempo, mas de que ainda têm presente alguma informação. São estas anotações, muitas vezes recolhidas de forma rápida num intervalo entre actividades e sem oportunidade de contactar novamente as pessoas, que se apresentam.
Claro que as contingências não permitiram, na maior parte das vezes, desenvolver ou aprofundar uma investigação sobre os casos. No entanto, quer os relatos quer os testemunhos revelam sempre pormenores importantes que podem contribuir para uma melhor compreensão da problemática da intoxicação, derivada da confusão com as duas espécies.
A informação aqui reunida refere-se a casos que ocorrerem em vários locais do país nomeadamente nos concelhos do Fundão, Castelo Branco, Sabugal, Lisboa e Oliveira do Hospital.
5.1.1 – Caso I
Uma pessoa amiga contou que o motorista do organismo, onde ambos trabalhavam há mais de vinte anos, “apanhou dois tortulhos já no fim da época e grelhou-os. O filho comeu a maior parte, tendo restado apenas um bocadinho. Passado pouco tempo começou a sentir-se maldisposto e foi para o hospital, onde esteve internado nos cuidados intensivos. Saiu com sequelas no fígado. O pai garantia que os cogumelos eram bons e que o problema possivelmente teria a ver com um bicho venenoso que lhes passou por cima”.
5.1.2 – Caso II
Uma pessoa relatou ter conhecimento de que há alguns anos “um casal idoso apanhou em novembro, numa localidade próxima de Lisboa, cogumelos que eles acharam ser iguais aos que apanhavam e comiam na sua terra natal. A esposa arranjou- os e comeram-nos. Primeiro começou ela a sentir-se mal e com diarreia. Como ela tinha colite e andava sempre com diarreia não associou as queixas ao consumo dos cogumelos. Quando o mesmo sucedeu ao marido entenderam que seria dos cogumelos. A senhora veio a falecer após complicações na sequência de transplante do fígado enquanto o marido, mais corpulento, se salvou, tendo-se-lhe agravado de forma permanente alguns dos seus problemas de saúde”.
5.1.3 – Caso III
Um homem recordou que há anos com a esposa, na estação de Aveiras, ao almoço comeram frades arranjados por um amigo, “apanhados debaixo de umas sobreiras”. Meteram-se no carro e passado algum tempo começaram ambos a sentir-se mal, com vontade de vomitar e vomitaram “que bastasse”. Quando chegaram a Abrantes foi à farmácia, pois tinham de “vomitar tudo”. Aí compraram e tomaram bicarbonato. “Ficou tudo à volta” e vomitaram o resto, ainda em Abrantes. “Depois as coisas melhoraram”.
5.1.4 – Caso IV
O próprio dizia: “o ano passado vi-me à rasca com os tortulhos. Em novembro, no campo, pelas quatro da tarde a esposa decidiu assar umas castanhas”. Ele apanhou “uma única moca já meio aberta, cortada pelo cimo do pé” e deixou “lá mais dois ou três”. A esposa, que “não comeu, deixou passar um pouco o tempo a assar, lá agarrou, pelo que ficou assim um pouco queimado”.
“Espremi-o, deitei sal e como não gosto das coisas queimadas, por estar queimado na prática só comi metade, se calhar foi a minha salvação”, sublinhou o homem, acrescentando que ainda tinha comido “mais três castanhas”.
Questionado sobre o que se passou a seguir, disse que jantaram “por volta das oito horas e daí a pouco” começou a sentir o “estômago revoltado” e logo foi para a casa de banho com uma diarreia nunca sentida.
“Tomei de seguida um comprimido liprene e bebi um chá. Estive mais ou menos duas horas em sucessivas idas à casa de banho, com dores de barriga agudas que nunca antes tinha sentido, mas nunca vomitei. No final fui para a cama, deixei-me dormir e acordei sem problemas”, concluiu.
5.1.5 – Caso V
Um conhecido comentou que, há anos foram aos frades aos Quinteiros e apanharam também “dois grandes que tinham tonalidades avermelhadas”.
Ao apanharem aqueles dois ficaram desconfiados mas comeram-nos todos misturados e no final não se sentiram bem.
“Não houve casos graves mas houve indisposições”, concluiu.
5.1.6 – Caso VI
Uma pessoa numa conversa relacionada com o Macrolepiota venenata contou o que lhe tida sucedido: “a sogra apanhou uns frades” e ele assou “um chapéu temperado apenas com sal e azeite. Não estava bem assado”.
“Fiquei maldisposto e com vontade de vomitar em pouco tempo, mais ou menos passadas duas horas, mas não vomitei. Sempre pensei que a aflição no estômago seria de estar mal assado”, comentou o homem.
Acrescentou que “a sogra apanha-os no quintal junto ao galinheiro, para onde tiram o estrume das galinhas e coelhos. Estes nascem no tarde, depois dos frades e voltam a nascer na Primavera, em março – abril; nascem aos montes, por isso até ficam tortos; é mais frágil e muito carnudo – o chapéu tem o dobro da carne do frade; o tronco é muito mais grosso que o frade e a carne é mais macia”.
5.1.7 – Caso VII
Uma pessoa recordou de um amigo já falecido, que “dizia que se viu uma vez à rasca depois de comer tortulhos. Mas afirmava que não foi dos tortulhos, porque tinham anel”.
5.1.8 – Caso VIII
Um homem contou que apanhou “frades em dois locais distintos numa área sujeita a pastoreio”.
Grelhados apenas os chapéus na brasa, comeu-os ao almoço. Após o almoço meteu-se no carro e logo em Alpedrinha começou a sentir-se maldisposto e já teve de parar o carro na auto-estrada para vomitar. Perto de Castelo Branco eram “vómitos, diarreia profusa e dores abdominais intensas”. Em Castelo Branco tomou chá, mas continuou com vómitos e diarreia durante toda a tarde. Encontrava-se muito debilitado, indisposto e desidratado, e só ao fim da tarde se começou a restabelecer. “Foi os vómitos que me safaram”, referiu o mesmo.
“Hoje tenho repulsa só de falar neles”, revelou, assegurando que “nunca mais” os comeu.
5.1.9 – Caso IX
Um homem já de uma certa idade comentava: “o meu avô é que os apanhou” e só ele, na altura com 4 ou 5 anos de idade, e o avô os comeram. “Foram comidos fritos”, assegurou.
Tinham sido encontrados numa horta com oliveiras, “bem estrumada com estrume de ovelhas e cabras”.
“O avô dizia que os conhecia bem. No entanto a minha mãe notou algumas diferenças neles, tendo dito muitas vezes ao avô que não eram bons”, referiu, acrescentando que “a minha mãe não os quis comer, quando comia sem problemas dos outros”.
Durante a noite sentiram-se “mal com muitas dores de barriga, vómitos e diarreia”; apesar disso não chegaram a ir para o hospital.
Por fim assegurou que andaram assim “2 ou 3 dias”, mas depois recuperaram.
5.1.10 – Caso X
Mulher deu conta de que fica “empanturrada com cogumelos em tudo idênticos aos frades”, situação que não lhe acontece quando come apenas frades.
Mais, disse que “eles não atingem o tamanho dos frades, são mais pequenos e o pé é liso e não zebrado”.
5.1.11 – Caso XI
Homem com uns sessenta anos comentou que, quando ainda era pequeno, na sua aldeia ocorreu a intoxicação de um casal, na sequência da apanha de frades com “o pé mais curto e mais claro”, referindo que “faleceu a esposa e, o marido nunca mais teve saúde”.
“O chapéu é mais ou menos do tamanho do pé e também têm uma argolazinha”, esclareceu ele.
5.1.12 – Caso XII
No final de uma acção de divulgação sobre as características do Macrolepiota procera e do Macrolepiota venenata, um dos presentes assinalou a intoxicação de um homem da sua terra, na sequência da ingestão de frades.
O sujeito em questão, depois de ser alvo de um transplante de fígado esteve internado quase um ano e, apesar da operação, não resistiu e veio a falecer.
Segundo o que foi dito por um irmão deste, “o cogumelo causador foi o tal que se falou na palestra, oque não tinha maminha”, referindo-se explicitamente ao Macrolepiota venenata.
5.2 – Casos em duas famílias, na década de oitenta, com perda de vidas humanas
Aqui reúnem-se os testemunhos pessoais de duas mães sobreviventes ao drama de intoxicações ocorridas na década de oitenta, numa altura que, em termos de diagnóstico e tratamento, havia mais dificuldades em salvaguardar estas ocorrências.
No conjunto das seis pacientes, pereceram as duas crianças mais novas.
5.2.1 – Caso de ingestão por mãe e filha de 13 anos, em que veio a falecer a criança
Domingo, dia 19 de outubro, “com o marido emigrante na Suíça”, foi à quinta e encontrou “dois frades bonitos com calça ao meio, um ao pé do outro”, sublinhando que “quando nascem aos pares são bons”.
Apanhou-os, já o seu “avô apanhava os frades lá. Quando os trazia, assavam-nos e comiam-nos”.
“Os frades foram apanhados, mais ou menos no mesmo sítio”, emendando: “o local dos frades era mais para cima, mais ou menos a 50 metros donde apanhei aqueles”.
Arranjou-os, meteu “dois dentes de alho”, reconhecendo que “estes ficaram brancos”. Esta seria pressupostamente a confirmação de que eram bons e comeu “mais a filha de 13 anos, parte deles ao jantar, deixando o resto para os outros dois filhos”.
“Os rapazes só não comeram porque tinham ido ao cinema e comido mais cedo outra coisa. Foi a salvação deles,” comentou ela.
Muito rapidamente ficaram maldispostas (hora provável antes da meia noite, pois, quando os filhos regressaram do cinema, já ela estava à espera deles para lhes contar a situação). Beberam chá, mas não passou. “Um mau estar permanente, não podia estar em parte nenhuma”, recordou.
De manhã, foram ao médico. Receitaram-lhes “qualquer coisa, o médico disse que passava, mas não passou” e mandaram-nas para casa.
Passados dois dias, veio-lhe “a menstruação, o sangue era verde”, até mostrou às vizinhas e, “penso que foi isso que me salvou”, referiu.
A mulher teve “dores de estômago, maldisposta, mas não passou disso”.
Sem problemas de maior, não teve nenhum tratamento em particular nem se lembra de mais sintomas. Durante este tempo “apesar do mau estar, sempre iam comendo qualquer coisa”.
Entretanto a situação complicou-se para a filha. O seu estado piorou, vindo a ser internada no hospital local na noite de quinta-feira e a falecer aqui na manhã seguinte, dia 24 de outubro.
A mãe esteve internada depois de falecer a filha, mas mais por uma questão de não acompanhar as cerimónias fúnebres em casa e o funeral da criança.
Quando se quis tentar saber mais sobre as características dos cogumelos, reavivaram-se-lhe outros pormenores até então não falados.
Ela ainda duvidou dos cogumelos: “desconfiei do pé, tinha a perna muito lisa e o pé não era tão rugoso. Mas como pus os alhos, até meti uma colher de prata, e como ficaram brancos”, argumentou, para comerem à confiança.
“Nunca tinha feito isso, foi a primeira vez, apesar de antes já ter apanhado muitos. Como as pessoas diziam que se o alho ficasse branco seriam bons”, experimentou o alho. Passou-lhes “uma agulha com linha, para depois melhor verificar”, explicou acrescentando, fez “tudo isso e ficou tudo branquinho”.
Mostradas algumas fotos de Macrolepiota venenata, sobre uma manifestou-se de forma pesarosa: “é tal e qual esse, até me sinto mal a olhar para ele”.
Assegurou também que os cogumelos foram apanhados numa área de “pastagem de muitas cabras, debaixo de uma sobreira”, garantindo que “alguns anos, ainda por lá nascem no mesmo sítio”.
“Podem nascer aos milhares que eu ponho-lhes o pé por cima ou dou-lhes um pontapé. Na aldeia muitas pessoas deixaram de comer frades desde que tal aconteceu. Nunca mais comeram nada disso, só os de lata”, sublinhou.
E terminou com uma derradeira declaração: “que esta conversa possa servir de lição para muita gente; que sirva para salvar vidas”.
5.2.2 – Caso de ingestão por mãe e três filhas, em que veio a falecer a mais nova
Quinta-feira, dia 21 de outubro, a mulher “com o marido emigrante em França”, disse que foi a um sítio apanhar cogumelos, “sabia que os havia lá e fui apanhá-los”.
“Eram poucos, menos de uma dezena entre uns e outros. Alguns destes eram frades e os outros, que se dão nos lameiros, já os tinha apanhado em França”.
Para ela “os frades eram iguais aos que até então apanhava”. Ainda assim deu-lhe a impressão de “serem cogumelos mais brancos do que os que costumava apanhar, mas via a argolinha por baixo” e pensou “que eram bons”.
“Já o meu pai, que no céu esteja, apanhava muitos frades e todos nos habituámos a comer. Os meus irmãos são doidos por eles e ainda os apanham. O marido, mais tarde, mesmo depois do acontecido ainda algumas vezes os apanhou. Eu não lhos arranjava, mas ele assava-os e comia-os”, referiu.
Os cogumelos foram preparados, “refogados” e consumidos “ao jantar de quinta- feira, com batata cozida à parte, por volta das 19 horas”.
Comeram ela e as três filhas de 11, 16 e 19 anos de idade. Apesar das renitências manifestadas por parte dalgumas delas, ela própria as obrigou a comer, porque era a refeição do jantar. “A mais pequena não queria comer e até teimou” com a mãe.
“Passadas cerca de duas horas” a mulher sentiu-se “maldisposta”, reconhecendo que “talvez tivesse comido mais”, mantendo-se as filhas bem.
Por volta das 10 horas da noite sentiu “vómitos e diarreia”, mas apenas ela. De seguida foi conduzida ao hospital, continuando as filhas sem quaisquer sintomas. “O doutor disse que passava”, deu-lhe “uns comprimidos para tomar”, que tomou, mas continuou “maldisposta e a ir para a casa de banho. Era uma agonia, mas não eram muitas as dores na barriga”.
Voltou a casa e as filhas deitaram-se tranquilas e sem problemas. “Talvez eu tivesse comido mais”, referiu ela novamente. Mas à 1 ou 2 horas da manhã disse que já deu “por elas, no andar de cima, a irem em contínuo para a casa de banho. A casa de banho já não dava vazão, com todas a vomitar e com diarreia.”
Na manhã de sexta-feira, foram todas para o hospital porque continuavam mal. “Muita diarreia, vómitos e uma aflição como se estivessem para morrer”. Mesmo assim admitiu que “sempre iam comendo alguma coisa”.
Vieram “do hospital com tratamentos para aliviar as dores e parar a diarreia, e todas a caldos de galinha”.
Nesse mesmo dia, a mãe e a filha de 16 anos pioraram e foram internadas por volta das 14 horas. Nessa altura a filha mais nova e a de 19 anos não manifestavam sinais de preocupação, dizendo até a mais pequena que já estava boa.
A filha internada já estava a ficar muito amarela mas só no domingo, dia 24, à tarde (passadas cerca de 72 horas depois da ingestão), quando as outras 2 filhas vieram fazer a visita ao hospital e a mais pequena deu sinais de muita preocupação, foram todas levadas de ambulância para o hospital de Coimbra.
Aqui, de imediato, foram tratadas, mas “com comentários em surdina de que a família se preparasse que iriam morrer todas até à manhã seguinte”.
Sujeitas a um tratamento específico que incluiu várias transfusões de sangue, foram colocadas em áreas separadas, sem que umas soubessem o que estava a acontecer às outras. “Várias vezes, durante a noite, ouvi a mais pequena a gritar que queria fazer xixi”, referiu ela.
O hospital necessitou de sangue. Reuniu-se um grupo de pessoas da terra que foi dar sangue.
A filha de 11 anos veio a falecer quinta-feira, dia 28 de outubro. As outras duas irmãs recuperaram e voltaram para casa depois de um período de internamento no hospital: de três semanas a mais velha, “oito dias antes da que estava amarelinha e que esteve mais uma semana. Canário é como a chamavam em Coimbra, tão amarela que estava a filha do meio”, referiu.
De acordo com a informação que lhe foi prestada pelo médico “as filhas vieram com o fígado limpinho”. Ela é que veio com algumas sequelas, “mas também já sofria do fígado antes”.
Chegada a altura de se porem questões sobre as características dos cogumelos, vieram-lhe à lembrança alguns pormenores:
– “Os frades eram mais encorpados”. Teve algum pressentimento por isso “meteu três alhos e a aliança” tendo saído “tudo branco”. Nunca tinha feito isto, mas como tinha apanhado os de lameiro apenas em França, o seu pensamento foi: “vou meter a aliança de ouro que ainda hoje trago no dedo e o alho e, se este sair negro não os como. Como ficou branco comeu-os à confiança. Toda a gente assim o dizia e ainda há pessoas que hoje o fazem. Eu a pensar que o mal seria desses e se calhar foi dos frades”, frisou.
Mostradas algumas fotos de Macrolepiota venenata, confirmou a parecença com os frades que foram apanhados em zona de passagem e pastoreio de gado ovino e caprino. “Tenho de avisar os meus irmãos da existência de parecidos”, afirmou preocupada, depois de observar as imagens.
Já com a conversa no fim, expressou o receio sentido pelos cogumelos silvestres e a sua grande preocupação com as pessoas que os comem.
Na praça quando vê frades e míscaros adverte “as vendedoras que não deviam estar a vender e que ninguém os devia comer. Só lhe dá para saltar com os pés para cima e desfazê-los todos”. E quando dizem que aqueles são bons, ela responde: “eu também comi os que eram bons e tive problemas”.
Afirmou que agora já come “os de lata, mas a primeira vez que trouxe uma lata de cogumelos para casa, as filhas deitaram-nos fora, dizendo-lhe se não tinha vergonha”.
“Devia servir para toda a gente meter isto na cabeça; que ninguém caia no que eu caí; para que não volte a acontecer a mais ninguém”, concluiu mostrando-se um pouco abalada por reviver e avivar tal episódio.
5.3 – Casos ocorridos nos últimos dez anos
São apresentados cinco casos de intoxicação que ocorreram na última década, em localidades distintas do distrito de Castelo Branco. Teve-se conhecimento destes casos, o ultimo em finais de 2015, mas muitos mais haverá por esse país fora, sem que cheguem à luz do dia ou seja determinada correctamente a espécie responsável, mostrando-se assim mais uma vez a pertinência e a actualidade da discussão deste assunto.
No conjunto das quinze pessoas envolvidas nestes acontecimentos, apenas veio a falecer no próprio dia, sem ter oportunidade de ir ao hospital, um homem de 80 anos, tendo todas as restantes vítimas sobrevivido, depois de sujeitas a intervenção médica.
5.3.1 – Caso de ingestão por um casal, relatado pelos intervenientes
– Testemunho da esposa
“O marido chegou muito satisfeito com os cogumelos” e ela, que gostava tanto deles pois já o pai apanhava muitos, ficou “também muito contente e disse: vamos fazê- los para o jantar”.
“Já vinham limpos”, lavou-os em “duas ou três águas”, migou-os e cozinhou-os. Foram fritos com miolo de pão, ovos, azeite e alho. Pôs “quatro dentes de alho inteiros, grandes e branquinhos para ver se os cogumelos eram verdadeiros. Se os alhos ficassem negros não prestavam, mas como não houve alteração de cor e ficaram todos branquinhos” comeram.
“Foi o nosso jantar. Eu só comi um prato, pois tinha lanchado antes; já o marido comeu dois pratos”, sublinhou.
“Souberam muito bem”. Após o jantar, enquanto o marido se foi deitar, ela ficou a ver a telenovela. No fim de um bocado (cerca de uma hora) começou “a sentir cólicas fortes na barriga e depois vontade de vomitar”.
Entretanto, vendo o marido a ir para a casa de banho perguntou-lhe se estava bem. Tendo este respondido negativamente, ela ripostou: “olha, eu também não me sinto bem. Estou com cólicas na barriga e vontade de vomitar”. Aí o marido terá confirmado que tinha vontade de vomitar e estava com diarreia.
Ambos vomitaram e tiveram diarreia. Então o marido disse-lhe “é melhor irmos ao hospital”, ao que ela respondeu “agora já vomitámos e fizemos diarreia, vamos deitar- nos que isto vai passar”.
Deitaram-se bem, mas ao fim de pouco tempo ela já tinha vontade de vomitar outra vez. O marido foi buscar uma bacia e ambos vomitaram para a bacia.
“É melhor irmos ao hospital, olha que a gente vai morrer”, terá aconselhado o homem.
Deslocaram-se então para o hospital “onde fomos muito bem-recebidos. Bebemos uma garrafa de carvão e puseram-nos a soro toda a noite”, referiu ela.
De madrugada as análises da mulher estavam piores que as do marido. A doutora ao dar-lhe conta de que não estava nada bem, ela interrogou-a preocupada: “então eu vou morrer?”.
Feitas novas análises, por volta das 10 horas da manhã, houve evolução nos resultados. As análises da mulher “já estavam boas enquanto as do marido se apresentavam piores”. Assim, ela teve alta por volta do meio-dia e o marido ainda ficou internado, referindo que, veio “bem e sozinha para casa”.
“Nunca mais como cogumelos nem que sejam de lata”, assegurou ela.
Chamada a relembrar-se das características dos cogumelos afirmou que não notou “nada nos cogumelos, eram gasalhos em condições, branquinhos, com a calcinha, arranjados com ovos fresquinhos”, segundo crê “até trazidos do galinheiro no dia”.
– Interpretação do relatório clínico – Doente A
Mulher caucasiana de 64 anos de idade, sem antecedentes pessoais conhecidos, recorre de madrugada (00h25) ao Serviço de Urgência por quadro de vómitos e epigastralgia decorrente da ingestão de cogumelos (Macrolepiota procera) no jantar do dia anterior. A doente referiu início das queixas (21h30) sensivelmente uma hora e meia após o jantar e recorre ao serviço de urgência por persistência das mesmas.
À observação apresentava-se vígil, consciente, orientada e colaborante; apirética (36,3 °C), normotensa (115/75 mmHg), normocárdica (62 batimentos por minuto (bpm)) e eupneica sem sinais de dificuldade respiratória (saturação periférica de oxigénio (SPO2) 94 %); a pele e mucosas estavam coradas e hidratadas; a auscultação cardiopulmonar não evidenciou alterações; referiu dor ligeira na palpação da região epigástrica, mas sem sinais de irritação peritoneal; não apresentava edemas nos membros inferiores.
Iniciou tratamento sintomático com soro fisiológico 1000 ml endovenoso (ev) e metoclopramida 10 mg/2 ml ev, e foram solicitadas análises sanguíneas.
Entretanto foi contactado o Centro de Intoxicações que indicou associar à terapêutica já instituída a ingestão de carvão ativado (50 g pó suspensão oral).
As análises revelaram leucocitose (17,71 x 103/μL) com neutrofilia (15,17 x 103/μL) e aumento da ureia sérica (44 mg/dl), sem outras alterações.
A doente permaneceu no Serviço de Urgência em vigilância durante a noite e repetiu a avaliação analítica pela manhã.
Por se encontrar assintomática e as últimas análises não apresentarem alterações significativas, a doente teve alta para o domicílio.
Os carcomelos apanhados num dia à tarde, por uma vizinha, foram consumidos pelo casal no jantar do dia seguinte. Comeram-nos “por volta das 9 horas da noite” e o homem foi para a cama “logo após o jantar”.
“Deitei-me bem, mas ainda antes das 22 horas senti-me maldisposto. Fui vomitar à casa de banho e ainda tive alguma diarreia”, admitiu.
Quando foi à casa de banho a esposa perguntou-lhe se estava a sentir-se “maldisposto” ao que ele respondeu afirmativamente. Aí ela terá dito que também estava mal e de seguida foi vomitar, não tendo já visto o resto da telenovela.
Deitaram-se e “ao fim de um quarto de hora” começaram “a vomitar novamente”.
O homem, face ao acontecido, disse para a mulher que tinham de ir para o hospital. Ela ainda falou que, como já tinham vomitado, talvez não fosse necessário, mas o homem já preocupado com a situação respondeu-lhe: “olha que isto mata, se quiseres ficar fica, mas eu vou para o hospital.”
Ela vestiu-se à pressa, “nunca mais vomitaram” e ele conduziu até ao hospital distrital, onde chegaram cerca da meia-noite. Aqui foram “prontamente e muito bem atendidos e postos a carvão e soro”.
As análises da esposa estavam inicialmente piores que as do homem, mas por volta das 10 horas da manhã as análises da mulher já estavam boas e as do marido tinham piorado. Em sua opinião, porque tinha comido “dois pratos enquanto a esposa tinha comido apenas um”.
Assim “a esposa teve alta nessa manhã” enquanto ele foi para os cuidados intensivos. Ficou a noite a soro e saiu “no outro dia às 3 horas da tarde com as análises já em condições”.
Fazendo uma reflexão retrospectiva, o homem afirmou não ter “hábito de os apanhar”, já que a sua “mãe não os apanhava nem os deixava trazer para casa, porque na aldeia já havia em tempos morrido um casal por consumo de cogumelos”.
Disse que os conhecia “mais ou menos” e entendia que “os que tinham a calcinha eram bons” e, além disso, a mulher tinha posto “um dente de alho para saber se eram bravos”.
Entretanto deu indicação de que “eram um bocado deficientes, relativamente aos do costume; eram mais tortos”.
Quanto a voltar a comer cogumelos, admitiu que já não sabe se iria “comer mais, mesmo os tortulhos de Primavera”.
– Interpretação do relatório clínico – Doente B
Homem caucasiano de 68 anos de idade, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial e medicado com losartan, sotalol e ácido acetilsalicílico, recorre, de madrugada (00h25) ao Serviço de Urgência por quadro de vómitos alimentares, dor abdominal e diarreia decorrente da ingestão de cogumelos (Macrolepiota procera) no jantar do dia anterior. O doente referiu início das queixas (21h30) sensivelmente uma hora e meia após o jantar e recorre ao Serviço de Urgência por persistência das mesmas.
À observação apresentava-se vígil, consciente, orientado e colaborante; apirético (36,7 °C), normotenso (142/75 mmHg), normocárdico (70 bpm) e eupneico sem sinais de dificuldade respiratória (SPO2 95%); a pele e mucosas estavam coradas e hidratadas; a auscultação cardiopulmonar não evidenciou alterações; referiu dor ligeira na palpação da região epigástrica, mas sem sinais de irritação peritoneal e com ruídos hidroaéreos presentes; não apresentava edemas nos membros inferiores.
Foi contactado o Centro de Intoxicações que indicou terapêutica com carvão ativado, tratamento sintomático e avaliação analítica.
Iniciou tratamento com soro fisiológico 1000 ml ev, metoclopramida 10 mg/2 ml ev, carvão ativado 50g pó suspensão oral e enoxaparina sódica 20 mg/0,2 ml subcutânea (sc).
As análises revelaram leucocitose (14,37 x 103/μL) com neutrofilia (10,56 x 103/μL), aumento da ureia sérica (47 mg/dL [19-43]) e gama glutamil-transferase (92 U/L [15-73]), e diminuição da colinesterase (5702 U/L [5900-12220]). Posto isto, decidiu-se internamento no Serviço de Observação para vigilância.
De manhã o doente negava náuseas, vómitos e queixas álgicas. Repetiu análises que registaram normalização das alterações registadas inicialmente, exceto a diminuição da colinesterase (4602 U/L). Alteração que se manteve na reavaliação analítica vespertina (4516 U/L).
Na tarde do dia seguinte, após controlo analítico aceitável (colinesterase 5150 U/L) e mediante evolução clínica favorável com tolerância à alimentação oral, o doente, assintomático, teve alta para o domicílio.
– Testemunho da apanhadora
A mulher disse que costumava apanhar muitos nos sobreiros e nas macieiras, mas este ano ainda não tinha apanhado lá nenhuns. Apanhou “só os que nasceram ao pé da nora”, onde regou com o motor.
Anteriormente já tinha dado mais cogumelos ao casal sem que lhes tivesse “feito mal”. Quanto ao caso precisou que apanhou “sete ou oito, uma cachapolada”, e que desta vez ela não comeu, “nem ninguém mais comeu deles senão o casal amigo”.
Questionada sobre as características dos cogumelos, fez a seguinte descrição: “tinham calcinha; aos dois e três juntos; pegavam e alguns eram muito tortos quando estavam pegados uns com os outros; chegavam a ser três e quatro juntos e depois entortavam; estavam bastos, nascem aos caramoços; pé grosso, com muita terra agarrada; o pé encaixava no terreno” (feito desenho de bolbo marginado confirmou ser assim a base do pé) “e quando se puxavam vinha a terra presa; tinham o chapéu maior que o pé; e a casca” (cutícula) “crespa por cima”.
A apanhadora pela observação das imagens mostradas apontou para o chapéu e para o exemplar completo do Macrolepiota venenata, confirmando ser esta a espécie de cogumelo encontrada na horta.
Quanto a voltar a comer cogumelos no futuro, a apanhadora demonstrou não ter sofrido grande abalo com o acontecido aos vizinhos ao afirmar: “tenho tortulhos (Amanita ponderosa) congelados para comer com os filhos no Natal”.
– Conversa com um acompanhante local
Macrolepiota venenata/Chlorophyllum brunneum
Na tarde do dia seguinte, após controlo analítico aceitável (colinesterase 5150 U/L) e mediante evolução clínica favorável com tolerância à alimentação oral, o doente, assintomático, teve alta para o domicílio.
– Testemunho da apanhadora
A mulher disse que costumava apanhar muitos nos sobreiros e nas macieiras, mas este ano ainda não tinha apanhado lá nenhuns. Apanhou “só os que nasceram ao pé da nora”, onde regou com o motor.
Anteriormente já tinha dado mais cogumelos ao casal sem que lhes tivesse “feito mal”. Quanto ao caso precisou que apanhou “sete ou oito, uma cachapolada”, e que desta vez ela não comeu, “nem ninguém mais comeu deles senão o casal amigo”.
Questionada sobre as características dos cogumelos, fez a seguinte descrição: “tinham calcinha; aos dois e três juntos; pegavam e alguns eram muito tortos quando estavam pegados uns com os outros; chegavam a ser três e quatro juntos e depois entortavam; estavam bastos, nascem aos caramoços; pé grosso, com muita terra agarrada; o pé encaixava no terreno” (feito desenho de bolbo marginado confirmou ser assim a base do pé) “e quando se puxavam vinha a terra presa; tinham o chapéu maior que o pé; e a casca” (cutícula) “crespa por cima”.
A apanhadora pela observação das imagens mostradas apontou para o chapéu e para o exemplar completo do Macrolepiota venenata, confirmando ser esta a espécie de cogumelo encontrada na horta.
Quanto a voltar a comer cogumelos no futuro, a apanhadora demonstrou não ter sofrido grande abalo com o acontecido aos vizinhos ao afirmar: “tenho tortulhos (Amanita ponderosa) congelados para comer com os filhos no Natal”.
No dia que se pretendeu estabelecer contacto com o casal, o homem não se encontrava em casa. Na altura andava a colher azeitona, por sinal com a apanhadora dos cogumelos, numa propriedade ainda distante da povoação.
Entretanto apareceu um rapaz que se disponibilizou para acompanhar e indicar o lugar, o que permitiu fazer uma abordagem ao caso ocorrido na aldeia.
A troca de impressões foi muito interessante, sobretudo por se ouvir pela primeira vez da boca de alguém, numa linguagem verdadeiramente terra a terra, as preocupações assumidas com a apanha do Macrolepiota procera, fruto com certeza da partilha de vivências pessoais transmitidas do passado por sucessivas gerações e de um conhecimento empírico bem assimilado a nível familiar.
Por demais interessantes e práticos se mostrarem os procedimentos seguidos na recolha de Macrolepiota procera, pelo nosso acompanhante, aqui se transcrevem as suas afirmações:
– “É hábito passar com a unha no pé e raspar um bocadinho. Se mudar de cor é sinal que não presta, se não houver alteração então é bom. A malta de cá todos os anos faz assim. Já o meu pai em casa assim fazia”;
– “Passar com a unha é a forma segura. Os em que se faz o pé roxo, esses não se comem”;
– “Os nascidos junto às hortas nós não os apanhamos porque naturalmente são bravios. No bom, o fundo do pé nunca é tão grande”, referindo-se ao bolbo.
Por fim, já na horta, apontando para um exemplar seco recolhido no local, revelou: “estes, até os destruo” acrescentando que “dos bons, este ano só não os comi porque não os apanhei”.
– Observação do local
Tendo a apanhadora indicado o sítio onde tinha recolhido os cogumelos, houve oportunidade de confirmar que se tratava de uma horta muito bem estrumada com estrume de ovelha e cabra, encostada a um ovil e regada frequentemente durante o Verão, com a água de um poço situado nas proximidades.
Foi ainda possível recolher dois exemplares muito desidratados e um pouco degradados, confirmando-se pelas características apresentadas pelo que estava em melhor estado (Fig. 35), não se tratar de Macrolepiota procera.
5.3.2 – Caso de ingestão por um casal, relatado pela mulher sobrevivente
– Testemunho da mulher
Sempre comeram cogumelos; estes foram apanhados no seu “quintal ao pé da lenha e no quintal da cunhada junto ao estrume do galinheiro”.
“Foram guisados, refogados com cebola e comidos ao almoço”, acrescentando que “o marido disse que não os comia ao jantar, mas sim ao almoço, pois assim era de dia e podia ir ao hospital se por acaso lhes desse alguma coisa ou se sentissem mal”.
Sentiu-se mal logo que os comeu. Dirigiu-se de imediato à casa de banho a querer chegar à sanita, mas logo deitou “uma golfada para o bidé” e tombou “com a cabeça para o poliban, com a cabeça mais baixa para o poliban e as pernas para cima do bidé”.
O caso deu-se tão repentinamente que “o tacho ainda ficou de cima da mesa”, dizendo que “não se lembra de mais nada”. Ficou ali “estatelada sem forças, com os pés de cima do bidé, desde a 1 hora da tarde, o resto da tarde e toda a noite”, continuando “a vomitar, de tal maneira que apareceu com as mãos todas escuras no hospital. Ali até disseram que era da apanha da azeitona, tão negras elas estavam, por continuar a vomitar para cima das mãos”.
“À noite, dei em mim a pensar que estava na cama, mas não tinha força para me levantar. Chamava, mas ninguém ouvia e o marido também não respondia”, salientou a mulher.
Na manhã seguinte, por volta das 9 horas, o sobrinho telefonou, mas não teve “forças para se levantar”. Mais tarde este abriu a porta encontrando o marido, de 80 anos de idade, morto na cama. Segundo ela, “este foi para a cama e terá morrido durante a noite, sem que tenha vomitado nada”.
Foi então conduzida para o hospital distrital onde esteve quinze dias em tratamento e “ficou bem”, admitiu.
Levantada a questão da diarreia, afirmou que teve “depois no hospital, após os tratamentos de lavagem ao estômago e da medicação”.
Quanto a alguns aspectos que tivesse notado nos cogumelos, disse que eram “cogumelos da calcinha, com o centro castanho, com escamas, o pé grosso e por vezes juntos pelo pé”.
Revelou ainda que juntou “um dente de alho e ficou branco”, assinalando, como se de um aviso se tratasse: “isso de não escurecer o alho e os cogumelos serem bons é falso”.
Por fim, recordou que durante o período que esteve internada “muitas pessoas morreram na altura”.