As oliveiras são mais do que árvores que dão frutos e folhas, dos quais se fazem produtos alimentares, farmacêuticos, cosméticos e biocombustíveis….
〈 04/03/2021 〉
Mexem com as emoções, trazendo memórias vivas dos antepassados, dos locais, dos aromas e sabores, das datas festivas, de hábitos de todos os dias, de uma carga cultural rica que torna esta árvore tão especial para os povos do mediterrâneo, e especialmente para o nosso Portugal. Inspirou canções, receitas, convívios; sustento e alimento de muitos, que em toda a cadeia de valores deixam ligações sentidas, sensoriais que não enriquecem só a economia, mas tornam-se fulcrais no encontro de referências culturais que constroem a identidade coletiva, como povo, na sua etnografia.
Atualmente, no mercado vemos uma gama alargada de produtos à base de oliveira, desde produtos de higiene, a cremes e óleos hidratantes; fitoterápicos com finalidades terapêuticas; produtos alimentares comuns, como azeitonas de conserva, azeites, misturas de óleos, pastas de azeitona, simples ou mais sofisticados, designados de gourmet.
Contudo, no ranking da comercialização mundial, o derivado mais nobre, do fruto da oliveira, é o azeite. De acordo com o Conselho Oleícola Internacional (COI), Portugal aparece muito bem colocado como produtor e como exportador (CEPAAL), afirmado com grande prestígio pela qualidade das produções evidenciadas em prémios internacionais (Mário Solinas, World’s Best Olive Oils, Olive Japan, World Edible Oils Paris; 2019, entre tantos outros). O Alentejo lidera a produção nacional, e das cerca de 30 variedades autóctones privilegia quatro: Galega, Cordovil de Serpa, Verdeal Alentejana e a Cobrançosa.
O azeite é reconhecido pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, por conter caraterísticas biológicas, químicas, nutricionais e organoléticas ricas. A sua valorização não passa exclusivamente pela indústria alimentar que setorizase em diferentes ramos, como o da nutrição, gastronomia e olivoturismo. No seu estado virgem, conserva todos os seus nutrientes (vitaminas A, B, E, K; selénio; ácidos gordos monoinsaturados) e propriedades terapêuticas (antioxidantes, cardiovasculares, digestivas, anti-inflamatórias, hidratantes) que o levam a ganhar significado nas indústrias farmacêutica e cosmética. Outras partes aéreas da Olea europaea L., para além do fruto e seus derivados, apresentam constituintes com propriedades de interesse farmacológico. É o caso das folhas e das gemas.
Mais recentemente, o mercado das energias renováveis, ainda não totalmente consensual no que respeita ao rácio entre as vantagens e desvantagens dos biocombustíveis, veem no caroço da azeitona (subproduto das campanhas oleícolas) uma fonte viável de combustão, principalmente para uso calorífico térmico doméstico.
Na nomenclatura científica é designada de Olea europaea L. (figura 1), e conhecida pelos nomes vulgares, não só como oliveira, mas também por zambujeiro. Pertence à família botânica das Oleáceas.
As folhas (figura 2) são pequenas, opostas, persistentes, lanceoladas, enroladas nos bordos, glabras verdes com pontos esbranquiçados. Os frutos aparecem em drupa, ovoides ou arredondados, verdes, passando a negro-púrpura depois da maturação.
Em Portugal é cultivada em praticamente todo o país, concentrando a sua maior mancha no Alentejo. Existem 1200 variedades catalogadas no mundo, das quais 30 são autóctones de Portugal.
A produção destina-se ao consumo alimentar, medicinal, terapêutico e cosmético, como o azeite, nas diferentes formas de comercialização (segue a classificação, segundo o regulamento (CE) nº 1234/2007 do conselho de 22 de outubro de 2007); azeitonas; pasta de azeitona; folhas; gemas.
Os subprodutos mais importantes no conceito de economia circular são o bagaço, as folhas e as sementes ou caroços
Na área da fitofarmacognosia os principais princípios ativos encontram-se nos frutos e folhas. Os frutos contêm maior concentração de óleo, rico em ésteres glicéridos de ácidos oleico, linoleico, palmítico e esteárico; fitosteróis; vitaminas A e E. As folhas são constituídas por glicósidos (oleoeuropeósidos); elenólidos; pentatriacontanos; derivados triterpénicos, como o ácido oleanólico; oleasterol; oleastronol; ácidos málico, tartárico, glicólico e lático; enzimas, como a lipase, peroxidase e emulsina; vitamina K; derivados da colina; flavonoides derivados do luteol e o do olivol; manitol; constituintes amargos, como olivamarina; taninos pirogálhicos; glicósidos de estrutura não definida, como oleósidos e esteroleósidos; saponósidos; sais minerais, principalmente cálcio.
A ação e propriedades terapêuticas das folhas são concedidas pela presença de oleoeuropeósido e derivados da colina, os quais têm atividade hipotensora, não deprimente do coração, melhorando o desempenho cardíaco e a vasodilatação, pelo efeito miolítico sobre as fibras musculares lisas da parede dos vasos, incluindo nas coronárias, não havendo influência neurovegetativa parassimpática, o que permite a sua utilização como profilático na arteriosclerose e reumatismo. Exercem também atividade sobre a fibra muscular lisa dos brônquios, circulação e secreção renal, aumentando a diurese, influenciada pela presença de flavonoides, triterpenos e sais de potássio, podendo servir de coadjuvante em crises de gota. O óleo dos frutos (azeite virgem) pela sua ação colagoga pode ser usado internamente na disquinesia hepatobiliar, na hipocolesterolemia, obstipação (ligeiramente laxativo, lubrificante e anti-inflamatório intestinal), como antioxidante; em uso externo tem atributos emolientes, facilitando o rejuvenescimento e proteção da pele (perturbações cutâneas, queimaduras de primeiro grau).
Podem surgir algumas contraindicações e efeitos secundários, nomeadamente no caso de existir obstrução das vias biliares, o azeite não deve ser utilizado como colagogo. A presença de taninos nas folhas pode criar irritações, essencialmente nas vias gástrica e intestinal.
Para comercialização, com fins medicinais e terapêuticos, as formas galénicas e posologia média para profilaxia mais usadas são as seguintes: obtidas das folhas, as infusões e decocções – 20 gramas de folhas para 1 litro de água, 3 chávenas por dia, antes das refeições; as tinturas (1:5) – 50 a 100 gotas, 1 a 2 vezes ao dia, antes das refeições; os extratos secos (5:1) – 0,3 a 1 grama por dia. O azeite virgem, no uso interno, 1 a 2 colheres de sopa, em jejum, como laxante, e 50 ml divididos em pequenas doses, entre as refeições, como colagogo. Em uso externo, nas queimaduras e para hidratação da pele, deve ser aplicado várias vezes ao dia, na forma pura ou em formulações farmacologicamente ativas.
Autoria:
Lorena, A. 1 & Cordeiro, A.I.2
- 1 Naturopata. Direção Clínica Espaço ANEROL.
- 2 Departamento de Ciências Agrárias e Veterinárias.
- Instituto Politécnico de Portalegre.
Artigo completo publicado na edição impressa de janeiro / 2021.