Usinas de energia solar fotovoltaica em solo requerem muito espaço e, na maioria das vezes, ocupam toda a área projetada pelos painéis fotovoltaicos, o que acaba inviabilizando o uso do solo sob eles para qualquer tipo de atividade produtiva.
Mas seria possível produzir alimentos e gerar eletricidade a partir de painéis fotovoltaicos na mesma área? A resposta é sim. E tem até um conceito para esta união: agrivoltaico.
O termo vem do inglês agrivoltaic, formado pela união de agriculture e photovoltaic. Na língua portuguesa, o conceito costuma ser traduzido como agrivoltaico – mas também pode ser encontrado como agrovoltaico, agrisolar, agrifotovoltaico ou agriFV.
De acordo com o relatório “Agrivoltaicos: oportunidades para a agricultura e a transição energética”, produzido pelo Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar (ISE), da Alemanha, esta combinação representa uma grande oportunidade neste período de disputa pela terra e de procura de soluções para a crise climática:
“A tecnologia agrivoltaica pode neutralizar um conflito atual em países altamente populosos: a terra arável já escassa deve ser usada para produzir alimentos ou energia solar? À medida que a população mundial continua crescendo, o mesmo acontece com a procura por alimentos. Ao mesmo tempo, a terra é necessária para a geração de eletricidade verde para superar a crise climática. A combinação de agricultura e energia solar fotovoltaica na forma de sistemas agrivoltaicos oferece benefícios tanto para o setor de energia quanto para o setor agrícola. Pode representar uma solução adequada e eficiente em termos de recursos para o problema da competição pelo uso da terra.”
História e números
Em 1981, os professores Adolf Goetzberger, fundador do Instituto Fraunhofer, e Armin Zastrow publicaram um artigo sobre o duplo uso da terra – eles descreveram uma plantação de batatas sob painéis solares. Em 2014, o grupo Agrivoltaicos: contribuição para o uso eficiente dos recursos da terra (APV-RESOLA, na sigla em inglês) recuperou o conceito e passou a pesquisá-lo, com financiamento de órgãos do governo alemão.
Em 2016, o grupo instalou um projeto piloto em Heggelbach. Os 720 módulos fotovoltaicos bifaciais, com capacidade instalada de 194 kWp, foram colocados em uma altura de cinco metros em um terço de um hectare de terra arável. Nos dois anos seguintes, os resultados mostraram um aumento na eficiência do uso do solo entre 60 e 84 por cento, além de melhor adaptabilidade durante os períodos secos. O sistema continua sendo usado para pesquisa.
De acordo com dados do Instituto, a tecnologia está presente em todo o mundo e cresce de forma exponencial. Saltou de 5 MWp de capacidade instalada em 2012 para ao menos 2,8 GWp em 2020. Isso foi possível por causa de programas de financiamento de governos como Japão, China, França, Estados Unidos e Coréia do Sul. Atualmente, o número subiu para 14 GWp.
A China tem a maior participação instalada de sistemas agrivoltaicos do mundo, com cerca de 1,9 GWp. É também onde está o maior sistema do mundo – os módulos fotovoltaicos com 700 MWp.
Primeiro projeto na América Latina está no Chile
Os primeiros projetos na América Latina estão no Chile, onde foram instalados três sistemas com capacidade de 13 kWp nos arredores de Santiago, nos municípios de El Monte, Curacaví e Lampa. A região possui alta radiação solar e baixa precipitação anual. Uma seca contínua no clima já seco e ensolarado fez com que a precipitação diminuísse de 20 a 40 por cento nos últimos dez anos.
Devido às condições climáticas, os agricultores procuram instalações de sombreamento para proteger as plantas das queimaduras solares e do ressecamento. O projeto tem apoio do governo local e do Instituto Fraunhofer Chile. “Os resultados da produção agrícola e da geração de energia solar são muito positivos”, diz o relatório.
Benefícios e desafios
O relatório aponta quatro vantagens principais para o uso dos sistemas agrivoltaicos: (1) combinação harmoniosa de sistemas fotovoltaicos montados no solo com a agricultura; (2) benefícios adicionais para a agricultura, como, por exemplo, proteção contra danos causados por granizo, geada e seca; (3) menor custo de eletricidade em comparação com pequenos sistemas fotovoltaicos para telhados; e (4) diversificação da fonte de renda nas explorações agrícolas.
De acordo com o relatório, a viabilidade técnica e económica desta tecnologia foi comprovada em muitos países. Provavelmente, o maior obstáculo para seu crescimento é a regulamentação atual. Até mesmo na Alemanha a dupla utilização da terra para energia fotovoltaica e agricultura não está definida em lei.
Outro desafio é a participação social. “A aceitação social certamente representa mais um desafio para o uso de sistemas agrivoltaicos em algumas regiões. O envolvimento precoce das partes interessadas e dos cidadãos é, portanto, um dos importantes campos de ação para o desenvolvimento de projetos agrivoltaicos”
Para os investigadores do Instituto, os sistemas agrivoltaicos podem ajudar a enfrentar os desafios da atualidade. “A humanidade enfrenta desafios de magnitude anteriormente desconhecida devido às alterações climáticas, à escassez de água e à crescente procura por energia e alimentos. Se e como a humanidade superará os desafios globais será decidido nos próximos anos. Para manter a qualidade de vida nos países desenvolvidos e melhorá-la nos países em desenvolvimento e nos mercados emergentes, precisamos encontrar maneiras de alcançar objetivos aparentemente conflitantes: manter a prosperidade, permitir o desenvolvimento e um futuro habitável e reduzir o consumo de recursos naturais e a emissão de substâncias nocivas ao clima. Os sistemas agrivoltaicos podem dar aqui uma contribuição relevante.”
Autor: Maurício Frighetto (Instituto Ideal)
Colaboração: Kathlen Schneider (Instituto Ideal)
Publicado em 29/07/2022