Falar sobre o setor do arroz em Portugal e não falar dos grandes desafios que o mesmo está a atravessar seria no mínimo irresponsável.
No ano 2024 cerca de 94% da área foi semeada com arroz do tipo carolino, 5% de arroz do tipo agulha e 1% de outros tipos de arroz (médio, redondo e risotto). Contudo, verificamos que o arroz agulha é o mais consumido (50,4%), seguindo-se o arroz carolino (18,1%), o arroz basmati (13,4% com elevada tendência de crescimento) e o arroz vaporizado (11,1%).
Numa era em que a palavra sustentabilidade está na ordem do dia, parece surreal que cerca de 80% da produção nacional tenha como destino países terceiros, desperdiçando diversos recursos.
Mas a verdade é que a procura interna pelo nosso arroz carolino tem vindo a cair nas últimas décadas “obrigando” o setor industrial a exportar grande parte do arroz produzido, potenciando o comércio externo e o equilíbrio da balança de transações correntes, e a importar cerca de 160.000 toneladas (80% do consumo) de arroz tipo agulha, basmati, thai e jasmim.
Esta necessidade de importação e exportação exerce uma extrema dependência do exterior, que através de uma forte concorrência, consegue que o valor dos seus produtos seja mais baixo, reduzindo o valor do arroz nacional e ameaçando a rentabilidade do agricultor. Exemplificando, os custos para produzir 1 hectare de arroz, em certos casos, podem atingir valores entre 3.500€ e 4.000€, e, com a produtividade média nacional de 6 ton/ha, supondo um preço de venda de 400€/ ton, facilmente se verifica que a margem obtida apresenta valores negativos (-1.100€/ha a -1.600€/ha).
De entre as possíveis soluções, duas ocorrem imediatamente:
1. Modificar hábitos de consumo para o arroz carolino;
2. Produzir o tipo de arroz que é mais consumido (agulha, basmati e/ou thai).
Incidindo sobre o primeiro ponto, deve referir-se que um excelente trabalho tem vindo a ser desenvolvido, como que uma luz ao fundo do túnel a querer dar brilho ao nosso arroz. Tendo por base uma variedade de arroz carolino nacional (CARAVELA), desenvolvida pelo INIAV e pelo COTARROZ-CC com a colaboração da CCDR Centro, deu-se início a um projeto de fileira onde o grande objetivo é a valorização do arroz carolino 100% português.
A trilogia Lusosem, Novarroz e SonaeMC arregaçou as mangas e encontra-se agora na linha frente na valorização de um produto da investigação nacional, que estará disponível no supermercado no início de 2025. Trata-se de um projeto de pura economia circular, onde cada tonelada de semente de arroz carolino Caravela semeado dará um retorno financeiro ao COTARROZ- -CC, para o contínuo investimento na investigação nacional.
Num futuro próximo, quem sabe, a quota de consumo de arroz carolino seja bem superior à atual e, com isto, os agricultores tenham o seu produto justamente valorizado.
Tenhamos a esperança de que o projeto “CARAVELA” consiga chegar a bom porto, dando o mote e servindo como bom exemplo de trabalho em fileira, honrando produtos de origem nacional.
Relativamente ao segundo ponto, deve excluir-se a ideia de produzir arroz basmati e thai, já que os mesmos têm sérias dificuldades de desenvolvimento no nosso tipo de clima.
Contudo, produzir arroz agulha e/ou aromático pode ser uma hipótese, sendo que a grande dificuldade está em produzi-los de forma competitiva, já que é importado a preços demasiado baixos.
Neste caso, o setor do arroz pode ter como aliado o COTARROZ-CC, o qual funciona como um braço tecnológico da fileira, que ouve o setor e está disponível para arranjar soluções para os problemas que se apresentam. Neste momento encontra-se também focado na criação de novas variedades de arroz agulha (mais produtivas e competitivas) e do tipo aromático, capazes de fazer frente às variedades estrangeiras. Desenvolve ainda campos de ensaios de variedades e tem previsto o início de testes de plantação de arroz e de controlo mecânico das infestantes.
Com um setor unido, apoiando uma investigação focada e direcionada, quem sabe se um dia poderemos consumir internamente todo o arroz que produzimos em Portugal, conseguindo uma justa valorização pela qualidade daquilo que é nacional.
→ Leia este e outros artigos completos na Revista Voz do Campo – edição de novembro 2024, disponível no formato digital e impresso.
Autoria: Lourenço Palha, secretário-geral do COTARROZ – CC
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