O Caravela é a mais recente variedade portuguesa de arroz Carolino inscrita no Catálogo Nacional de Variedades, obtida pelo Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz, com previsão de chegada ao mercado e ao consumidor final em 2025. Perceber como se chegou ao carolino Caravela é perceber o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz.
O princípio ancestral do melhoramento de qualquer cultura é a utilização das melhores sementes da colheita do ano para estabelecer a sementeira do ano seguinte. Assim, esperava-se empiricamente que cada ano de cultivo fosse progressivamente melhor que o anterior. Um programa de melhoramento genético é uma atividade científica que utiliza todas as ferramentas disponíveis para criar novas combinações genéticas para acelerar e direcionar este processo de evolução da cultura. A seleção é conduzida de modo a concentrar na planta um conjunto de características de interesse que melhoram a quantidade e a qualidade da sua produção, desenvolvendo assim novas variedades, como o arroz Caravela.
O Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz do INIAV/COTArroz desenrola-se em estreita relação com toda a fileira nacional do arroz na definição das características de interesse a incorporar em novas variedades. Ao longo dos anos o INIAV tem implementado várias tecnologias de análise genética para acelerar o processo de melhoramento. No entanto, uma variedade melhorada, como o arroz Caravela, leva ainda entre 12 a 14 anos a ser desenvolvida.
Como se começa? No ano 0, começa-se por criar diversidade genética forçando o cruzamento entre progenitores com características desejáveis. Esta hibridação artificial aumenta a variabilidade genética ao nosso dispor e aumenta a probabilidade de obtermos descendência que acumula características de interesse, diferentes de cada um dos progenitores.
E depois? Nos 5 a 6 anos seguintes ocorre o processo natural, em que as novas combinações genéticas se vão diferenciando em função da segregação genética. Em simultâneo, ocorre o processo artificial de seleção em que são eliminadas pelo melhorador as combinações genéticas que não apresentam características de interesse. Esta seleção preliminar culmina num ano de avaliação preparatória em pequenos talhões que permitem extrapolar a qualidade e produção do arroz e, mais uma vez, a seleção.
Nesta fase, as linhas avançadas atingem a estabilidade e homogeneidade genética, passando 1 a 2 anos em ensaios de avaliação agronómica (EAA) e de qualidade sob delineamento experimental específico: talhões de maior dimensão, repetições e comparação direta com as principais variedades comerciais (testemunhas). A variedade Caravela, destacou-se entre os carolinos mais produzidos em Portugal por apresentar um ciclo ligeiramente mais curto, resistência moderada às principais doenças, grão com dimensão e composição química ideais para o tipo carolino, grau de vitreosidade do grão e boa qualidade gastronómica.
Nesta fase, as linhas avançadas integram a Rede de Ensaios de Adaptação de Arroz (REA), em que durante 2 anos são feitas as avaliações agronómicas e de qualidade tecnológica em ensaios multi-locais. O objetivo dos ensaios multi-locais é avaliar a interação genótipo × ambiente nas 3 regiões portuguesas produtoras de arroz, nomeadamente Tejo (Cotarroz), Mondego (CCDR Centro) e Sado (Aparroz). Estes ensaios, idênticos nas três regiões, permitem compreender o comportamento das novas variedades em cada uma das regiões e decidir quais a submeter a inscrição no Catálogo Nacional de Variedades. A linha avançada do arroz Caravela revelou boa adaptação em todos os locais testados mas ainda não era variedade!
Foi necessário que o INIAV solicitasse junto da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) a inscrição de uma variedade no Catálogo Nacional de Variedades. O processo com 2 anos de duração inicia-se com o preenchimento do Questionário Técnico do Valor Agronómico e Valor de Utilização (VAU) – onde se discrimina qual a origem e modo de obtenção da variedade e do Questionário Técnico de Distinção, Homogeneidade e Estabilidade (DHE) – onde se descreve de forma exaustiva as características da variedade, de acordo com os princípios diretores do Instituto Comunitário de Variedades Vegetais (CPVO) da União Europeia (38 características distintivas para o arroz). Prossegue-se com a entrega nos serviços da DGAV de 10 Kg de semente, 250 panículas e 3 Kg de semente base para que este organismo possa realizar ensaios comprovativos. Finda a campanha e comprovando-se que este genótipo cumpre os critérios de Distinção, Homogeneidade e Estabilidade, é definido um nome comercial, neste caso, Caravela, e a nova variedade fica inscrita no Catálogo Nacional de Variedades podendo ser comercializada.
A incorporação de novas tecnologias no Programa de Melhoramento Genético do Arroz permitirá encurtar o time to market, ou seja, o tempo entre o ano 0 de uma nova variedade com características específicas e a sua chegada ao consumidor. Por exemplo, o INIAV está a iniciar o processo caracterização molecular dos progenitores de cruzamentos, visando a correspondência entre os genes e as características fenotípicas que lhes correspondem.
A complexidade dos mercados internacionais, as alterações climáticas na zona Mediterrânica, as restrições ao uso de fitoquímicos e a exigência do consumidor por um produto cada vez mais específico e ambientalmente responsável influenciam as necessidades da fileira, e por consequência o objetivo do Programa Nacional de Melhoramento de Arroz. Tudo isto torna dinâmico, contínuo e participativo o processo de obtenção de variedades melhoradas de arroz.
O programa de melhoramento depende fortemente do consumidor que se quer cada vez mais informado, responsável e consciente das suas escolhas. É importante saber que o arroz tipo Carolino só pode ser cultivado em Portugal. Em adição, se se consumir arroz nacional melhorado em Portugal, parte do seu valor retorna ao Programa de Melhoramento para que o processo de obtenção de novas variedades não pare. É esta dinâmica que impulsiona o melhoramento de variedades e o enriquecimento do património genético nacional.
O Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz espera continuar a disponibilizar aos agricultores nacionais novas variedades ajustadas às condições agroeconómicas do sistema de produção de arroz em Portugal e contribuir para a valorização da fileira do arroz em Portugal.
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Autoria: Cátia Soares¹ , José Semedo¹ , Fernanda Simões¹ , Lourenço Palha², Ana Sofia Almeida², Benvindo Maçãs¹
¹ Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária
² Centro de Competências do Arroz – COTArroz
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