“Um dos principais desafios na área da saúde animal é a gestão eficaz das doenças, sejam elas emergentes ou reemergentes, que continuam a representar riscos significativos para a saúde dos animais, a saúde pública e a sustentabilidade económica”

Susana Pombo é a diretora-geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), ocupando ao mesmo tempo a presidência do Conselho da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA). Nesta entrevista, fique a saber as preocupações, prioridades e os desafios na área da saúde animal que passam pela gestão eficaz das doenças.

Como Presidente do Conselho da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), quais são as grandes prioridades do seu mandato?

As prioridades do meu mandato estão centradas em vários eixos estratégicos. Em primeiro lugar, destaco o acompanhamento próximo do processo de revisão dos textos básicos da OMSA, que são fundamentais para garantir que a organização continue a responder de forma eficaz aos desafios globais da saúde animal, adaptando-se às dinâmicas atuais do comércio internacional e às emergências sanitárias. Este trabalho envolve não apenas uma análise técnica profunda, mas também um esforço de inclusão e equidade, respeitando as diferentes realidades regionais e promovendo o envolvimento ativo de todos os membros da organização.

Outro pilar essencial é a monitorização da evolução das doenças de saúde animal em contexto global. A OMSA desempenha um papel crucial na identificação precoce de ameaças, na coordenação de respostas rápidas e no fornecimento de orientações baseadas em ciência para mitigar riscos sanitários e económicos. Este trabalho é indissociável do conceito “Uma Só Saúde” (One Health), que reconhece a interligação entre saúde animal, saúde humana e saúde ambiental.

Adicionalmente, um foco importante é assegurar o cumprimento e a implementação das normas internacionais de saúde animal, promovendo a sua harmonização entre os países. Estas normas, reconhecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), colocam a OMSA como uma das “três irmãs” responsáveis pelo comércio seguro de produtos de origem animal, ao lado do Codex Alimentarius e da Convenção Internacional para a Proteção dos Vegetais. Este reconhecimento reforça a relevância da OMSA no contexto global, garantindo que as normas promovem a segurança sanitária sem comprometer a justiça e o equilíbrio nas relações comerciais.

Por fim, a preservação das diferenças regionais ao nível global é um aspeto prioritário. É essencial que a OMSA promova soluções que respeitem a diversidade económica, social e cultural dos seus membros, assegurando que as medidas propostas são exequíveis e sustentáveis para todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento. Este equilíbrio é vital para garantir a adesão às normas e reforçar o impacto positivo da organização na saúde animal e no comércio internacional.

Para a DGAV, quais são os maiores desafios nas áreas da saúde e do bem-estar animal na atualidade?

Os desafios atuais enfrentados pela DGAV na área da saúde e do bem-estar animal são amplos e multifacetados, refletindo a crescente complexidade das exigências sanitárias e sociais associadas aos sistemas de produção animal contemporâneos.

Um dos principais desafios na área da saúde animal é a gestão eficaz das doenças, sejam elas emergentes ou reemergentes, que continuam a representar riscos significativos para a saúde dos animais, a saúde pública e a sustentabilidade económica. Estas doenças requerem sistemas de vigilância robustos, estratégias preventivas e capacidade de resposta rápida, especialmente num contexto em que os efeitos das alterações climáticas estão a alterar a dinâmica epidemiológica e a amplificar os riscos sanitários.

Neste cenário, a implementação da nova Lei da Saúde Animal (Regulamento (UE) 2016/429 do Parlamento Europeu e do Conselho) surge como um marco transformador. Esta legislação trouxe mudanças significativas no enquadramento legal europeu, oferecendo novas oportunidades para melhorar a gestão destes riscos, mas também apresentando desafios que exigem adaptações. Entre os principais impactos, destaca-se a ênfase na definição clara de responsabilidades de todos os intervenientes ao longo da cadeia de produção animal, incluindo criadores, médicos veterinários e autoridades competentes. Esta mudança implica uma maior articulação e colaboração entre os diferentes atores e a necessidade de reforçar a sensibilização e formação, para garantir que as obrigações legais são compreendidas e cumpridas.

Outro aspeto central da lei é o foco em estratégias preventivas, como a vigilância epidemiológica, a gestão do risco sanitário e a utilização racional de medicamentos veterinários. No entanto, a aplicação prática destes princípios requer um esforço adicional para assegurar a integração de dados provenientes de múltiplas fontes, como sistemas de vigilância, análises laboratoriais, registos de movimentação animal e dados das explorações. A capacidade de transformar esta informação em ferramentas de apoio à decisão é essencial para antecipar riscos, otimizar recursos e responder de forma eficiente a eventuais crises sanitárias.

Para enfrentar estes desafios, a utilização e a integração eficaz dos dados disponíveis assumem um papel crucial. A DGAV tem acesso a uma vasta quantidade de informação proveniente de sistemas de vigilância epidemiológica, análises laboratoriais, registos de movimentação de animais e dados de gestão das explorações. No entanto, o grande desafio está em transformar esta informação em ferramentas de suporte à decisão, utilizando tecnologias avançadas de análise de dados para identificar tendências, antecipar riscos e otimizar a resposta às emergências sanitárias.

A interligação dos dados entre sistemas nacionais e internacionais é outro aspeto essencial. A interoperabilidade entre plataformas permite não só melhorar a gestão interna, mas também facilitar a partilha de informação com parceiros internacionais, contribuindo para uma abordagem coordenada à escala global. Esta colaboração é indispensável para enfrentar as ameaças sanitárias que não respeitam fronteiras e requerem respostas rápidas e integradas.

Finalmente, no domínio do bem-estar animal, o desafio passa por garantir a aplicação consistente das normas, enquanto se promove o diálogo com os produtores e a sociedade. Este equilíbrio entre exigências sanitárias, expectativas sociais e viabilidade económica é fundamental para assegurar sistemas de produção animal resilientes e sustentáveis.

Quais as ações que a DGAV está a implementar para promover práticas sustentáveis na produção animal?

A DGAV tem procurado promover a implementação de práticas sustentáveis na produção animal, alinhando as suas iniciativas com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e da estratégia “Do Prado ao Prato”, que visam uma transição para sistemas alimentares mais equilibrados e resilientes.

Uma das principais áreas de atuação da DGAV está ligada à sua participação ativa em dois eco-regimes no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC): Bem-estar animal e uso racional de antimicrobianos» e «melhorar a eficiência alimentar animal para redução das emissões de gases com efeitos de estufa». O primeiro incentiva práticas que asseguram condições superiores às exigidas pela legislação, promovendo melhorias no maneio, transporte e alojamento dos animais. Já o Eco-regime de Eficiência Alimentar foca-se na redução das emissões de gases com efeito de estufa e na otimização do uso de recursos, promovendo uma gestão mais sustentável nas explorações pecuárias. A DGAV desempenha um papel essencial na definição de normas, monitorização e verificação do cumprimento destas práticas.

Adicionalmente, a implementação da Plataforma para a Prescrição Eletrónica Médico-Veterinária (PEMV) e do projeto HubRAM, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), reforça o compromisso da DGAV com a sustentabilidade e a segurança dos alimentos. A PEMV digitalizou o processo de prescrição de medicamentos veterinários, promovendo o uso responsável de antimicrobianos e contribuindo para a redução das resistências antimicrobianas. O HubRAM, por sua vez, visa reduzir em 50% o consumo de antimicrobianos até 2030, com base na monitorização integrada e em estratégias de intervenção direcionadas.

Complementando estas iniciativas, a DGAV disponibiliza, através do seu portal, orientações técnicas, legislação e ferramentas práticas para capacitar os produtores na adoção de práticas sustentáveis. A promoção da rastreabilidade e da segurança dos alimentos ao longo da cadeia de valor é outro pilar essencial, assegurando que os produtos de origem animal são obtidos e comercializados de forma ética e responsável.

Por fim, a DGAV incentiva a inovação tecnológica no setor, promovendo a utilização de ferramentas digitais para monitorização e gestão das explorações. Estas ações são complementadas por ações de formação, fundamentais para garantir a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis e a melhoria contínua do bem-estar animal.

Enquanto diretora-geral da DGAV, quais são as suas grandes prioridades?

Enquanto Diretora-Geral da DGAV, as minhas grandes prioridades incluem o reforço da saúde e do bem-estar animal, a promoção da sustentabilidade no setor agropecuário e, particularmente, a modernização e digitalização dos sistemas de gestão e vigilância sanitária, bem como a capacitação contínua dos diferentes intervenientes.

A modernização e a digitalização assumem um papel central na transformação do setor, permitindo não só uma gestão mais eficiente, mas também uma maior transparência e capacidade de resposta aos desafios atuais. Como referido, a implementação da PEMV é um exemplo marcante desta evolução. Este sistema digital tem permitido monitorizar e regular o uso de medicamentos veterinários, assegurando uma utilização responsável e eficaz, especialmente no combate às resistências antimicrobianas. Outro exemplo é o desenvolvimento do projeto HubRAM, que integra dados de vigilância e monitorização da resistência antimicrobiana, facilitando a análise de tendências e a implementação de medidas preventivas baseadas em evidência. Estas ferramentas são fundamentais para aumentar a eficiência operacional e garantir que as políticas públicas de saúde animal são sustentáveis e adaptadas às exigências nacionais e europeias.

Outro exemplo de inovação tecnológica é o Sistema de Informação da Vigilância Veterinária (SIViZ), que pretende estabelecer um sistema nacional integrado de vigilância de zoonoses, que centraliza e moderniza a gestão da vigilância epidemiológica. Esta plataforma digital permite monitorizar em tempo real as ocorrências sanitárias, garantindo uma resposta coordenada e eficaz a surtos ou emergências. Mais do que uma ferramenta técnica, o SIViZ reflete o alinhamento da vigilância com o conceito “Uma Só Saúde” (One Health), integrando dados relevantes para a saúde animal, humana e ambiental, e assegurando uma abordagem holística na gestão dos riscos sanitários.

Esta integração é essencial para antecipar ameaças, otimizar recursos e promover a cooperação.

Paralelamente, a capacitação e a formação são pilares essenciais para garantir a eficácia de todas as medidas implementadas. Investir no conhecimento técnico e na sensibilização de produtores, médicos veterinários e outros agentes do setor é crucial para assegurar que as boas práticas são compreendidas e adotadas. A DGAV tem promovido ações formativas direcionadas à adoção de práticas sustentáveis, ao bem-estar animal e à segurança dos alimentos. Estas ações não só permitem a adaptação do setor às novas exigências legais e de mercado, mas também criam uma base sólida para um diálogo aberto e construtivo entre todos os intervenientes.

Ao combinar inovação tecnológica com formação contínua e bem direcionada, a DGAV reafirma o seu compromisso com um setor moderno, sustentável e resiliente, capaz de responder aos desafios presentes e futuros com eficiência e responsabilidade.

Existem novas regulamentações ou alterações legislativas em andamento que possam impactar o setor pecuário?

Sim, existem iniciativas legislativas em curso que terão impacto no setor pecuário, alinhadas com as prioridades europeias de sustentabilidade, saúde pública e bem-estar animal. Estas alterações resultam do cumprimento de normas estabelecidas pela União Europeia.

Uma das principais mudanças resulta da aplicação do Regulamento (UE) 2016/429, conhecido como a Lei da Saúde Animal, que redefine a abordagem à prevenção e controlo de doenças transmissíveis. Este regulamento reforça a necessidade de uma vigilância epidemiológica robusta, e promove uma definição clara de responsabilidades de todos os intervenientes ao longo da cadeia de produção animal, desde os criadores até às autoridades competentes. O foco está na prevenção e na gestão de riscos, assegurando que as explorações pecuárias adotam práticas que minimizem o impacto de doenças no setor.

No domínio do bem-estar animal, está em curso uma revisão abrangente dos regulamentos europeus, nomeadamente das regras relativas ao transporte de animais vivos.

A Comissão Europeia propôs novas regras para melhorar o bem-estar dos animais durante o transporte, visando harmonizar as normas da UE e assegurar condições mais adequadas (…).

→ Leia a entrevista completa na Revista Voz do Campo – edição de dezembro 2024, disponível no formato impresso e digital.

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