Violeta Rolim Lopes¹, Ana Maria Barata¹, Paulo Pereira²
¹ Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV), INIAV I.P., Braga, Portugal
² Living Seeds – Sementes Vivas, Idanha-a-Nova, Portugal


Enquadramento

Porque é que as sementes importam? As sementes transportam o potencial genético que determina a qualidade, a quantidade e a resiliência das nossas colheitas. Sementes de qualidade estabelecem de forma fiável uma cultura saudável que pode alcançar as melhores colheitas possíveis. Isto é crucial para o abastecimento alimentar, a saúde, a segurança e o bem-estar económico a nível mundial. Há uma procura crescente de alimentos devido ao aumento da população mundial. Ao mesmo tempo, as alterações climáticas e os desafios ambientais ameaçam o nosso abastecimento. Por conseguinte, é mais importante do que nunca investir no desenvolvimento de novas variedades de plantas e sementes de alta qualidade que possam resistir a diversos desafios e satisfazer as necessidades em evolução dos agricultores e dos consumidores.

As sementes são a base da nossa agricultura e dos alimentos. Por conseguinte, o setor europeu das sementes esforça-se por ser um parceiro fundamental para os intervenientes na cadeia de valor, dos agricultores aos transformadores e dos produtores de alimentos aos consumidores.

É importante promover a produção e a comercialização de sementes de alta qualidade, assegurando a inovação, uma agricultura mais sustentável e a garantia de um abastecimento alimentar saudável e suficiente para todos os europeus e a sustentabilidade para as gerações futuras.

Investigação de base e aplicada à produção de sementes, à reprodução de sementes, ao beneficiamento e acondicionamento das sementes, à distribuição de sementes e ao tratamento de sementes…, é recomendável. Nesta cadeia, o melhoramento vegetal desempenha um papel crucial na adaptação das variedades de plantas ao ambiente em que crescem, para a sua posterior utilização na alimentação, fibra e combustível, e ao gosto e preferências individuais. São competitivas no mercado de sementes, variedades de plantas com maior conteúdo nutricional, plantas resistentes às inundações, plantas resistentes a novas pragas, plantas tolerantes à seca ou calor, plantas com maior eficiência dos recursos e redução do impacto ambiental, plantas com maior rendimento.

Do ponto de vista da agrobiodiversidade, uma escolha mais alargada de culturas é necessária para a sustentabilidade e a resiliência. O acesso a variedades diversas e melhoradas permite aos agricultores produzir alimentos ricos em nutrientes, tanto para consumo doméstico como para o mercado.

No passado, o setor público, as universidades, as organizações governamentais e as organizações internacionais de investigação, eram a principal fonte de novas variedades e sementes de qualidade de culturas alimentares para o sector da pequena agricultura, especialmente culturas de autopolinização. A privatização do setor das sementes levou à redução do investimento no setor público de melhoramento vegetal e produção de sementes.

O setor privado envolveu-se no melhoramento de plantas e na produção de sementes, o quadro legal para o controlo da indústria de sementes tomou forma, através da adoção de normas de países mais desenvolvidos e organizações internacionais, a necessidade de direitos de propriedade intelectual é forte, está em vigor e efetivamente aplicada. Os híbridos dominam nas culturas de elevado valor, as OPV (variedades de polinização aberta) de baixo valor e culturas “órfãs” – espécies agrícolas que não estão entre as maiores culturas básicas geralmente são chamadas de “neglected and underutilized species” (NUS) – espécies negligenciadas e subutilizadas – são substituídas com recurso à divulgação técnica e extensão que o setor privado promove. O agricultor não conserva semente para o ciclo produtivo seguinte, compra anualmente a semente. Com a evolução das técnicas biotecnológicas na obtenção de novas variedades pelo setor privado, o sector público continuará a ser o principal local de criação e melhoramento das culturas de polinização aberta e autogâmica.

Os pequenos agricultores são os principais produtores de alimentos, o seu acesso a sementes de boa qualidade de variedades melhoradas é um ingrediente essencial para garantir que as pessoas têm acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos em circuitos de cadeias curtas. As empresas de sementes desempenham um papel fundamental para garantir este acesso.

A agricultura biológica (AB) baseia-se na utilização de fertilizantes, herbicidas e pesticidas exclusivamente naturais e orgânicos, existindo consciencialização ambiental quanto ao uso de recursos e ao seu efeito no ecossistema, onde estão consideradas práticas de conservação de água e do solo e rotação e diversificação de colheitas (algo que permite manter a sanidade e a qualidade dos solos durante mais tempo). Esta prática agrícola contribui para uma melhor qualidade do solo e da fauna nos ecossistemas de cultivo. Em Portugal, segundo o plano da estratégia nacional para a agricultura biológica, a área de cultivo biológico aumentou e correspondeu a 5,9% da área total agrícola nacional (DGADR, 2020; Eurostat, 2020). Embora seja discutível que exista uma relativa produtividade inferior da agricultura biológica (AB) em relação à agricultura convencional, a AB consegue ser tanto ou mais eficiente em certas condições, não só a nível de stress abióticos como na melhor gestão de cultivares a serem utilizadas, devido aos seus benefícios no solo e escolha de variedades mais eficientes e adaptadas. De acordo com Reganold e Wachter (2016), ao serem comparadas a agricultura biológica e a convencional, a nível dos parâmetros de sustentabilidade da US National Academy of Sciences (produtividade, rentabilidade económica, impacto ambiental e justiça social), a agricultura biológica é a opção mais viável a longo prazo. Dado que atualmente os produtos biológicos apresentam um preço mais elevado que os restantes, este modo de produção também se torna viável do ponto de vista económico (e seria ainda maior se a poluição, impacto na fauna, e os danos ao solo fossem contabilizados), mesmo sendo necessário mais mão-de-obra, algo que também poderia impulsionar a economia ao criar mais empregos (Crowder et al., 2010; Gomiero et al., 2011; de Ponti, et al., 2012; Gattinger et al., 2012; Crowder e Reganold, 2015, Reganold e Wachter, 2016).

Existe, portanto, uma necessidade de se aumentarem as espécies de plantas preparadas e adaptadas ao modo de cultivo biológico. Em Portugal, seria de enorme interesse aproveitar as variedades que mais são produzidas e consumidas e adaptá-las ao modo de produção biológico. Isto tendo em consideração que não só em Portugal, como na União Europeia, existem poucas variedades de sementes certificadas para a agricultura biológica (Comissão Europeia, 2020), como acontece com as culturas da família das Brássicas.

Dado que a maioria das cultivares usadas atualmente foi reproduzida para, e por, sistemas agrícolas convencionais, estão obviamente adaptadas a modos de cultivo convencionais, é por isso necessário encontrar e produzir plantas adaptadas ao modo de cultivo biológico, que apresentem por exemplo certa resistência natural a pragas, alta competitividade com plantas espontâneas e baixa necessidade de adição de fertilizantes. Do ponto de vista comercial é importante que nestes sistemas em cultivo biológico as plantas apresentem uniformidade morfológica e fenológica, constante qualidade e facilidade de manuseio, algo difícil de obter de modo natural.

As Brássicas são culturas únicas, em que praticamente todas as partes da planta foram selecionadas e trabalhadas para produzir diferentes grupos cultivados. Estas culturas fornecem óleos comestíveis, sementes condimentares e vegetais (raízes, folhas, caules e inflorescências).

Brassica napus (couve-nabiça) – surgiu de evolução alopoliplóide (2 ou mais sets completos de cromossomas derivados de diferentes espécies) convergente (n=19); surgiu do cruzamento de B.oleracea com B.rapa, e começou a ser cultivada no século 15 (Prakash et al., 2011);
Brassica rapa (nabo) – espécie altamente polimórfica, diploides monogénicas com baixo número de cromossomas (n=10); primeiros indícios de utilização em 1500 AEC (Prakash et al., 2011).
A nível nutricional e fitoquímico, as brássicas apresentam uma variedade de componentes com enorme benefício para a nossa saúde, de entre os quais uma vasta gama de compostos fenólicos. As brássicas também são das poucas famílias de vegetais que produzem glucosinolatos, muito importante para a saúde e capacidades supressivas de plantas espontâneas, insetos e agentes patogénicos. Todos estes componentes contribuem para uma capacidade geral antioxidante, anti cancro e anti-inflamatória (Cartea e Velasco, 2008; Cartea et al., 2010; Soengas et al., 2011; Francisco et al., 2016; Bhuyan e Basu, 2017; Sturm e Wagner, 2017).

Os avanços da ciência e da tecnologia revolucionaram a conservação e a utilização sustentável dos recursos genéticos. Isto permite que criadores, bancos de genes e redes de conservação colaborem na avaliação e utilização de coleções de sementes para as gerações futuras (Lopes et al., 2024).

Enquadrado no projeto europeu Liveseed (https://www.liveseed.eu/), foi estabelecido o protocolo da empresa Living Seeds-Sementes Vivas com o INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV)). O plano de trabalho teve o propósito de obter/produzir semente de 3 variedades de brássicas (Brassica napus, (couve-nabiça), Brassica rapa, (nabo)) para certificação como sementes de variedades biológicas e, realizou-se um estudo sobre a produção de semente das linhas melhoradas obtidas, a partir de sementes dos agricultores, conservadas na coleção do BPGV, das culturas de nabo e nabiça. Com este trabalho foi possível perceber o valor e o potencial que existe em landraces (variedades locais) e na oportunidade de converter estes recursos fitogenéticos para modos de agricultura sustentáveis seguindo as novas políticas agrícolas da Comunidade Europeia (Santos et al., 2021) (…).

→ Leia este e outros artigos completos na Revista Voz do Campo  edição de dezembro 2024, disponível no formato digital e impresso.

Agradecimentos

A Celso Santos, o bolseiro responsável pela realização absoluta do estudo, sob orientação e enquadrado no projeto europeu e protocolo. A Barbara Correia que contribuiu para o estudo com a atividade desenvolvida em Idanha-a-Nova.