A avicultura é a prática de criação e manuseamento de aves domésticas, especialmente galinhas, para a produção de carne (frango) e ovos. Inclui também a criação de outras aves, como perus, patos e codornas. Engloba desde pequenas propriedades familiares até grandes operações industriais. A avicultura moderna é caracterizada pelo uso intensivo de tecnologia e práticas científicas para otimizar a produção. A avicultura é um pilar essencial na produção global de alimentos, fornecendo proteína acessível e de alta qualidade para uma população mundial crescente. Contudo, o setor enfrenta desafios que precisam ser abordados para garantir a sustentabilidade a longo prazo, a segurança alimentar e a saúde pública.

O uso de antibióticos como promotores de crescimento e para prevenção de doenças é uma prática comum, mas tem contribuído para o surgimento de resistência a antibióticos, o que representa um desafio significativo para a saúde pública. A resistência a antibióticos é a capacidade de bactérias, fungos e outros microrganismos de sobreviver e proliferar na presença de um ou mais antibióticos que, normalmente, seriam capazes de inibir seu crescimento ou destruí-los. Essa resistência ocorre quando os microrganismos sofrem mutações genéticas ou adquirem genes de resistência de outras bactérias, tornando os antibióticos ineficazes. A resistência a antibióticos tem consequência na saúde humana, uma vez que torna o tratamento de infeções bacterianas comuns mais difícil, prolongando doenças e aumentando o risco de complicações, na saúde animal pois animais infetados por bactérias resistentes podem não responder ao tratamento, resultando em perdas económicas significativas na produção agropecuária, no meio ambiente pois resíduos de antibióticos e microrganismos resistentes podem contaminar solos e corpos de água, disseminando genes de resistência em ecossistemas naturais e amplificando o problema. Tudo isto tem relevância económica uma vez que o tratamento de infeções causadas por microrganismos resistentes a antibióticos é mais caro devido à necessidade de medicamentos alternativos, hospitalizações prolongadas e cuidados intensivos. Para além disto, é posta em causa a segurança alimentar, prejudicando a produção agrícola e pecuária. Em suma, a resistência a antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde global, à segurança alimentar e ao desenvolvimento económico. Em particular, a resistência a antibióticos na avicultura exige uma abordagem integrada e multidisciplinar, conforme proposto pelo conceito “One Health”, que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental. Este conceito destaca que as ações que afetam um desses pilares podem ter impactos significativos nos outros.

Nos últimos anos, a resistência a antibióticos na avicultura tem sido uma preocupação crescente em Portugal, refletindo uma tendência global. O uso excessivo ou inadequado de antibióticos em aves tem contribuído para o aumento da resistência bacteriana.

A resistência a antibióticos pode variar entre diferentes regiões de Portugal devido a práticas agrícolas e avícolas locais: no Norte e Centro há grande concentração de produção avícola logo, têm mostrado níveis relativamente elevados de resistência, especialmente em explorações intensivas; no Alentejo, com uma abordagem mais extensiva na avicultura, o uso de antibióticos tende a ser menor, resultando em menor pressão seletiva para a resistência mas a vigilância é menor, o que pode subnotificar os dados de resistência; nos Açores e Madeira a produção avícola é mais limitada e menos intensiva, o uso de antibióticos é menor, o que reflete níveis mais baixos de resistência antimicrobiana. Em conclusão, enquanto Portugal tem feito progressos significativos na redução do uso de antibióticos na avicultura, ainda enfrenta desafios importantes, especialmente em comparação com regiões que adotaram medidas mais rigorosas.

As principais bactérias patogénicas resistentes identificadas na avicultura são Salmonella spp., Campylobacter spp., Escherichia coli e Enterococcus spp.

Estes são microrganismos comumente encontrados no trato gastrointestinal de animais e humanos que ganharam notoriedade uma vez que têm vindo a revelar cada vez mais resistências a diferentes classes de antibióticos. São bactérias capazes de causar infeções associadas a diarreia, febre e cólicas abdominais, ou em casos extremos, a infeção pode espalhar-se pelo corpo, causando sepsia e levando à necessidade de tratamento hospitalar intensivo. Em animais, as infeções podem causar doenças que afetam o crescimento e a produtividade, além de representar um risco para a segurança alimentar. A identificação destes patógenos resistentes destaca a necessidade de um controlo contínuo da resistência a antibióticos na avicultura, do uso responsável de antimicrobianos, da promoção de alternativas, da consciencialização de produtores e consumidores de forma a mitigar esta ameaça à saúde pública.

→ Leia este e outros artigos na especial reportagem sobre a Avicultura na Revista Voz do Campo edição de novembro 2024, disponível no formato impresso e digital.

Autoria: Jéssica Ribeiro1,2,3, Gilberto Igrejas2,4,5, Sandrina A. Heleno3,6, Filipa S. Reis3,6, Patrícia Poeta1,2,7,8

1 Microbiology and Antibiotic Resistance Team (MicroART), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal;
2Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE), Universidade NOVA de Lisboa, Portugal;
3Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Instituto Politécnico de Bragança, Portugal;
4Departamento de Genética e Biotecnologia, Universidade de Trás-os[1]Montes e Alto Douro, Portugal;
5Unidade de Genómica Funcional e Proteómica, Universidade de Trás[1]os-Montes e Alto Douro, Portugal;
6Laboratório Associado para a Sustentabilidade e Tecnologia em Regiões de Montanha (SusTEC), Instituto Politécnico de Bragança, Portugal.
7Laboratório Associado de Ciência Animal e Veterinária (AL4AnimalS), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal;
8Centro de Investigação Veterinária e Animal (CECAV), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal.