A doença do Fogo Bacteriano das Rosáceas causada por Erwinia amylovora estabeleceu-se nas principais áreas de produção de peras e maçãs em Portugal com grande impacto económico, devido a quebras provocadas na produção e no volume de exportações, especialmente por afetar os pomares da mais importante variedade portuguesa – a pereira ‘Rocha’.
Apesar de múltiplos esforços desenvolvidos pelos fruticultores, organizações, instituições de investigação e autoridade fitossanitária para implementação de medidas eficazes de controlo e de mitigação, o impacto económico e social e a sustentabilidade desta atividade têm sido atingidos.
Partilhamos neste artigo alguns estudos desenvolvidos no INIAV visando introduzir melhorias sobre o conhecimento e gestão da doença do Fogo bacteriano em Portugal.
Origem, distribuição geográfica e hospedeiros da doença
A doença foi identificada pela primeira vez na América do Norte no século XIX. A sua introdução na Europa deu-se em meados do século XX onde afeta presentemente mais de 40 países. Chegou a Portugal no século XXI e disseminou-se por várias regiões de produção de peras e maçãs levando à perda, por parte de Portugal, do estatuto de área integral protegida. Com a introdução da nova regulamentação fitossanitária europeia e, devido à sua dispersão e falta de medidas eficazes de controlo, Erwinia amylovora perdeu o estatuto de organismo de quarentena, tornando essencial a implementação de medidas de mitigação destinadas ao controlo da doença.
Possui como principais hospedeiros cultivados variadas espécies da família Rosaceae, nomeadamente fruteiras e ornamentais como: Mallus spp., Pyrus spp. incluindo Pyrus amygdaliformis (planta espontânea presente na área Mediterrânica), Cydonia spp., Eriobothrya japonica, Rubus sp., Sorbus spp., Prunus salicina, Amelanchier spp., Chaenomeles spp., Cotoneaster spp., Crataegus spp., Mespilus germanica, Photinia spp., Pyracantha spp. e Rosa rugosa.
Enquadramento nacional da doença do Fogo Bacteriano
Os sintomas observados em Portugal são consentâneos com a designação da doença uma vez que os órgãos afetados mostram manchas de cor castanha a negra, lembrando um aspeto de queima. Na generalidade observam-se sintomas muito característicos da doença nos ramos, flores e frutos de distintas variedades autóctones que podem conduzir à morte das árvores afetadas, nas condições climáticas prevalentes nas regiões onde são produzidas pomóideas em Portugal (Figura 2).
Os raminhos afetados mantêm-se aderentes à planta, e adquirem uma conformação arqueada, em forma de cajado ou bordão. Os frutos recém-formados apresentam necroses mais escuras em pereira que em macieira e, podem variar em tamanho com queima total das flores e dos frutos, os quais permanecem mumificados e aderentes ao raminho.
As folhas exibem manchas de cor castanha ou negra junto às margens e/ou nervura principal. Os ramos e troncos desenvolvem também lesões de cor castanha-avermelhada abaixo da epiderme e ao nível do lenho. Estas necroses estendem-se e ao circundar o ramo, provocam a sua morte. Nos ramos e troncos podem proliferar também cancros em depressão com enrolamento da epiderme (cancros papiráceos). Estes podem ser confundidos com a presença de doenças fúngicas, levando o agricultor a negligenciar a sua remoção. Na presença de órgãos afetados e de condições de elevada humidade (HR), pode ser observada a presença de exsudado bacteriano.
O número crescente de focos, observados desde as primeiras deteções, resultaram de diversas introduções de materiais infetados e levaram ao estabelecimento da doença nas principais áreas de produção de pereira e macieira em Portugal (Figura 2).
Impacto económico e risco fitossanitário A severidade dos sintomas causados por Erwinia amylovora no decurso de infeções primárias, leva à destruição dos gomos dos raminhos apicais e, na ausência de intervenções adequadas, ao posterior estabelecimento da doença, com morte de árvores e perda de pomares, em anos posteriores. Estudos comparativos realizados no INIAV mostraram que a pereira ‘Rocha’ se mostrou mais sensível à doença que outras variedades autóctones de pereira. Por outro lado, todas as variedades nacionais de macieira mostraram ser mais resistentes/tolerantes à doença que as variedades de pereira testadas (Figura 3).
As podas sanitárias, permitem prolongar a vida das árvores, contudo não permitem salvar os pomares quando as áreas afetadas são extensas. A presença de árvores com infeções latentes, isto é, ainda não visíveis à vista desarmada, é também um fator que deve ser tido em conta, se existirem outros pomares afetados na região e pode ter impacto negativo no estabelecimento de novos pomares, uma vez que a doença pode evoluir mais rapidamente nos hospedeiros jovens.
É importante minimizar este impacto através do uso de material certificado, na plantação de novos pomares. A inexistência de tratamentos curativos e a resistência desenvolvida aos fungicidas bacteriostáticos homologados conduz a gastos excessivos e ao aumento do número de tratamentos anuais, com impacto nos níveis de resíduos nos frutos e no ambiente.
Fenologia do hospedeiro e evolução da doença Estudos desenvolvidos no INIAV permitiram verificar também que a bactéria se mantém ativa ao longo do ano nos ramos infetados de pomares de pereira, em Portugal (Figura 4). Os cancros dos ramos encontram-se ativos durante o Inverno e têm a capacidade de manter populações viáveis da bactéria que são a principal fonte de inóculo para infeções secundárias, com contaminação dos gomos foliares e florais na primavera da estação seguinte. De acordo com a literatura, a bactéria também pode sobreviver no solo durante algumas semanas, tornando desadequada a manutenção e incorporação de resíduos de poda no pomar (…).
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Autoria: Leonor Cruz¹,²; Daniel McGuire¹,²; Rogério Tenreiro²; Ana Tenreiro²; Francisco Pinto²; Margarida Gama-Carvalho²; Lídia Duarte¹; Rui Sousa¹; Miguel Leão de Sousa¹; Carmo Martins³; Amélia Lopes¹
¹ Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária;
² Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas (BioISI);
³ Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional (COTHN)