O CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agro Alimentar, no final de novembro promoveu o evento: “Bancos de Sementes: Assegurar o Futuro”, que teve como objetivo dar a conhecer os Bancos de Sementes e o seu papel tão importante na preservação das sementes, bem como vários temas associados. O evento ocorreu no âmbito do FUSILLI, um projeto financiado pela Comissão Europeia, no CEI – Centro de Empresas Inovadoras, em Castelo Branco. A Voz do Campo, associou-se também à iniciativa com a organização de uma mesa-redonda, intitulada: “As Sementes e a Sustentabilidade Ambiental”.
Com moderação de Paulo Gomes, diretor da Voz do Campo, a mesa-redonda, reuniu especialistas e profissionais de diferentes áreas para debater o papel crucial das sementes na sustentabilidade ambiental. Paulo Gomes, abriu a sessão com uma reflexão sobre a importância das sementes como “o ponto de partida da vida”, mencionado que além de “transportarem o potencial genético que determina a qualidade, determina a quantidade e a resiliência das nossas colheitas”, exemplifica que os dados da FAO indicam que cerca de 75% da diversidade agrícola foi perdida no último século, tornando urgente a conservação das sementes.
Neste contexto, Ana Barata, investigadora e responsável pelo Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV), explicou que o Banco é uma “estrutura de conservação nacional” responsável por preservar a riqueza genética portuguesa. Ana Barata, recorda que as coleções começaram a ser reunidas em 1977, destacando que “já passaram quatro décadas e esses Participantes do painel – As Sementes e a Sustentabilidade Ambiental Ana Barata, investigadora e responsável pelo Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV) materiais continuam qualitativamente bem conservados”. Este facto, segundo a investigadora, é crucial, pois demonstra não apenas a durabilidade do trabalho realizado, mas também o potencial de resiliência dessas coleções para lidar com as novas problemáticas, como a questão das alterações climáticas.
O Banco de Germoplasma Português, além de proteger as coleções nacionais, colabora com iniciativas internacionais. Ana Barata referiu-se ao Banco Mundial de Sementes, que tem como objetivo apoiar países com menos recursos na criação e duplicação de coleções genéticas. “Os países que não têm tido meios para o fazer estão a ser apoiados para que isso venha a acontecer”, explica, destacando que Portugal também está envolvido nessas atividades, fornecendo apoio técnico e formação a outros países congéneres, como São Tomé.
Com 1750 bancos de germoplasma no mundo, dos quais 170 são considerados os maiores, Portugal destaca-se como uma referência.
“Portugal efetivamente é um desses bancos – é na realidade uma coleção substancial”, afirma, comparando com Espanha, que, apesar de ser maior em território, conserva menos variabilidade genética.
A investigadora salienta ainda a importância da cooperação em todos os níveis: “Trabalhamos com variadíssimas instituições, quer a nível nacional, quer a nível internacional (…). É importante termos o trabalho em rede, é efetivamente a responsabilidade de cada instituição num todo e em prol do bem comum”, considera. Além disso, a investigadora sublinhou também a relevância de parcerias com estruturas de investigação e ensino superior: “As instituições que trabalham, por exemplo, do ponto de vista bioquímico, têm um conhecimento muito superior e de tecnologia, de metodologia”, permitindo o uso eficiente de recursos já existentes.
Aos presentes, Ana Barata realça que dentro do INIAV existem várias unidades que colaboram com o Banco, como a Unidade de Melhoramento de Plantas, em Elvas. Nesse sentido, Ana Barata explica que, inicialmente, o Banco era conhecido como detentor de coleções de sementes, mas evoluiu ao longo do tempo. “Por volta dos anos 2000, começou-se a dar importância às hortícolas e às aromáticas, e o alho foi uma espécie importante que foi começada a estudar nessa fase”, destaca.
Ao finalizar, Ana Barata destaca a importância de educar as novas gerações para que reconheçam e apreciem a riqueza das variedades tradicionais. “Eles têm que saber reconhecer que o sabor daquelas variedades é diferente”, termina.
“A propagação in vitro é uma forma complementar de conservação”
Já Andreia Afonso, CEO da Deifil, destacou o papel da empresa de biotecnologia vegetal na preservação e valorização das espécies autóctones. A empresa com sede em Póvoa de Lanhoso, embora não trabalhe diretamente com sementes, utiliza a técnica da propagação in vitro como uma ferramenta essencial para a conservação de recursos genéticos, especialmente em árvores de fruto. “Temos vindo a desenvolver muito trabalho no sentido de preservação daquilo que são os nossos recursos, principalmente as nossas espécies autóctones, e valorização”, afirma.
Andreia Afonso sublinha que a massificação de alguns cultivos ao longo das últimas décadas resultou no abandono de variedades regionais, provocando uma erosão genética significativa.
A CEO destaca o trabalho de recolha de material genético de árvores centenárias, como os castanheiros, muitas das quais já morreram devido a doenças como a tinta ou aos efeitos das alterações climáticas. “Recolhemos esse material, introduzimos em laboratório e fazemos a conservação através da conservação de tecidos vegetais in vitro”. Este trabalho é essencial para conservar a riqueza genética e estudar variedades mais adaptadas ou tolerantes às mudanças climáticas.
Outro foco da Deifil é o apoio ao melhoramento genético, uma área em que trabalham com sementes. “Cada semente é um indivíduo, uma riqueza genética muito grande, e depois vemos o seu potencial valor no mercado”, explica. Este processo inclui a propagação de embriões retirados das sementes para estudar as características da fruta que daí resulta. Para a CEO, o melhoramento genético e a valorização económica das variedades autóctones são estratégias fundamentais. “Algumas variedades foram ficando de lado porque não tinham o potencial produtivo que o agricultor necessitava”, aponta. No entanto, muitas dessas variedades têm “características organoléticas excelentes”, o que as torna valiosas em nichos de mercado e na agricultura de pequena escala.
Andreia Afonso enfatizou que a propagação in vitro é uma forma complementar de conservação.
“Acreditamos que, em paralelo com a conservação das sementes, a propagação in vitro é também de facto uma forma muito importante de preservar a nossa riqueza”, sustenta, argumentando ao mesmo tempo que esta abordagem requer parcerias, recursos e muito trabalho de campo, mas tem o potencial de reverter o impacto da agricultura massificada e de valorizar a produção local.
“Se queremos valorizar o que são os nossos territórios, podemos voltar um pouco atrás na massificação e aproveitar as cadeias de comércio curto”, considera.
Recuperação das variedades tradicionais
Micha Groenewegen, da Sementes Vivas, aos presentes partilhou a visão e o trabalho da empresa com sede em Idanha-a-Nova, destacando a importância da biodiversidade e da adaptação de sementes às condições específicas da agricultura biológica.
Segundo Micha Groenewegen, “no contexto da agricultura biológica, temos condições normalmente mais complicadas para cultivar hortícolas ou frutas, por exemplo”. O representante das Sementes Vivas destaca que, ao contrário da agricultura convencional, que utiliza fertilizantes e pesticidas em larga escala, a agricultura biológica exige um cuidado maior com a qualidade do solo e com as práticas naturais de cultivo.
A Sementes Vivas, desenvolve também atividade em parceria com o Banco de Germoplasma, que tem um papel fundamental na preservação da diversidade genética.
“O que precisamos é de diversidade e características diferentes para conseguir adaptar esse tipo de material”, afirma, explicando que a troca e o armazenamento de sementes de diferentes variedades são essenciais para a criação de plantas mais adaptadas às condições locais. Segundo Micha Groenewegen muitas variedades tradicionais, guardadas por agricultores ao longo dos anos, possuem características valiosas. Um exemplo citado por Micha Groenewegen é o caso do “tomate de inverno”, uma variedade tradicional que a empresa recebeu de um agricultor local. “Recebemos, por acaso, de um agricultor uma variedade de tomate que se pode armazenar durante o inverno todo – a que chamamos de “tomate de inverno” (…). É uma planta que consegue proteger os frutos de uma forma completa”.
Para Micha Groenewegen, “esse tipo de diversidade que existe e que, felizmente, também está a ser salvaguardado é de importância extrema alta (…). O que é que acontece muitas vezes é que estas variedades não foram selecionadas para estar no supermercado, ou seja, apesar de terem características de consumo excelentes, não tem as características que o agricultor moderno procura”.
Assim, Micha Groenewegen ressalta que, a empresa ao fazer o melhoramento de sementes, a intenção é cruzar as variedades tradicionais com características das variedades mais modernas. “O que tentamos fazer em melhoramento é fazer cruzamento entre estas variedades diferentes, criar diversidade genética e ali selecionar plantas que combinem melhor de uma variedade tradicional, ou, melhor de uma variedade mais moderna”. Em suma, diz Micha Groenewegen, no fundo a empresa procura recuperar as variedades tradicionais, também para inscrição no Catálogo Nacional de Variedades e disponibilizá-las, e com a questão do melhoramento, desenvolvem novas variedades.
A diversidade genética como ferramenta de resiliência climática
Por sua vez, Christophe Espírito Santo, diretor técnico-científico do CATAA, na sua intervenção refere que, embora o CATAA não trabalhe diretamente com sementes, “sabemos que não temos alimentos se não tivermos as sementes e não tivermos toda a biodiversidade à sua volta”. Para o diretor do CATAA, “é importante falar sobre as sementes, porque elas têm toda a importância”, afirma, reforçando que a diversidade genética encontrada nas sementes ancestrais é um recurso vital para enfrentar as adversidades das alterações climáticas. “A única forma de nós conseguirmos ter variedades que sejam resilientes e resistentes às alterações climáticas é olhar para trás”, referindo-se às variedades mais antigas, que “possuem qualidades específicas que podem ajudar na resistência às alterações que todos vamos sofrer no futuro”, insiste.
Christophe Espírito Santo, aproveitou a ocasião para abordar o projeto de valorização da castanha onde o CATAA está envolvido. O diretor explica que, apesar da castanha ser um fruto tradicionalmente importante, ainda existem lacunas significativas no processo de valorização e conservação do produto.
“Havia a lacuna de valorização do fruto”, diz, e foi nesse sentido que o CATAA se envolveu com a conservação pós-colheita, “utilizando técnicas como o armazenamento a frio (…) e sem adição de químicos, visando conservar o fruto o mais tempo possível”. O diretor do CATAA também falou sobre a importância de promover o reconhecimento das variedades locais, muitas vezes pouco conhecidas fora das regiões onde são produzidas. “Há pessoas que procuram certas variedades por causa da parte organolética”, destaca, sendo crucial que essas variedades sejam valorizadas não apenas em termos nacionais, como internacionalmente. “O CATAA, por meio de diversos projetos, tem-se empenhado em promover essas variedades, exemplo disso é o projeto Fusilli”, finaliza.
“Temos estado a fomentar muito a utilização de recursos autóctones e silvestres e a valorização de muitos produtos que, embora já tenham sido consumidos anteriormente, foram esquecidos”
Uma das primeiras questões abordadas por Fernanda Delgado, docente na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco, foi a necessidade de formar bons profissionais para a agricultura. Segundo a professora, “a nossa tarefa é essa mesma: formar bons profissionais para que a nossa agricultura seja cada vez melhor e que a qualidade dos alimentos seja cada vez melhor”. A professora realça que a formação de profissionais não é suficiente sem a pesquisa e a investigação contínua. Para a professora, a identificação das espécies é um ponto crucial da educação agrícola.
“Quando começamos na botânica a dar a identificação das espécies, esta parte acaba por ser fundamental para as pessoas perceberem as espécies que se conhecem e aquelas que ainda não se conhecem e que podem vir a ter alguma importância para a alimentação ou para outros fins”, refere.
A professora também dedica uma parte significativa da sua investigação às plantas aromáticas e medicinais. Embora muitas dessas plantas sejam comestíveis, nem todas são, e algumas podem ser até tóxicas. “Muitas delas não são comestíveis e, portanto, é importante que as pessoas saibam que as plantas nem todas se podem consumir”, afirma.
Por conseguinte, a professora sublinha a necessidade urgente de reverter os efeitos da agricultura intensiva, que se consolidou após a segunda Guerra Mundial. “Temos de reverter efetivamente a agricultura intensiva, que foi uma agricultura pós-guerra (…) que as pessoas achavam que estava bem, pois dava grandes lucros (…). Portanto a qualidade alimentar é fundamental e portanto temos de reverter a forma de fazer agricultura”, frisa.
Dentro desse contexto, Fernanda Delgado defende também a valorização dos recursos autóctones e silvestres, um campo em que o IPCB tem-se envolvido ativamente.
“Temos estado a fomentar muito a utilização de recursos autóctones e silvestres e a valorização de muitos produtos que, embora já tenham sido consumidos anteriormente, foram esquecidos”, diz. Exemplos disso são o medronho, a esteva e outras espécies tradicionais, que estão a ser estudadas e revalorizadas como alternativas alimentares sustentáveis. A professora mencionou a farinha de esteva como uma proposta inovadora.
O exemplo do Monte Silveira Bio
Por fim, João Valente, do Monte Silveira Bio, empresa sedeada no concelho de Castelo Branco, abordou a evolução do seu trabalho como agricultor e conservador de sementes. O empresário agrícola aos presentes começou a sua intervenção destacando a transição importante que ocorreu na sua atividade agrícola: “Nós viemos de um background de um passado convencional (…) só passamos para a agricultura em modo de produção biológico desde 1999/2000”. Essa transição, que começou no final dos anos 90, representou um grande desafio, pois envolveu não apenas a mudança de práticas agrícolas, mas também a mudança na origem das sementes utilizadas. O agricultor explicou que, ao abandonar as sementes convencionais fornecidas pela indústria e começar a multiplicar as suas próprias sementes, teve a oportunidade de ver um impacto positivo na adaptação e resiliência das suas culturas: “Começamos a perceber que multiplicando as nossas próprias sementes, ainda começando com sementes provenientes de unidades de modificação genética, elas começaram a ter outro tipo de adaptabilidade ao nosso contexto”, recorda.
Para o empresário agrícola, a seleção natural tem sido um processo fundamental para melhorar as sementes, tornando-as mais adaptadas às condições locais e mais resistentes às mudanças climáticas. João Valente é um defensor da seleção natural e do trabalho de melhoramento genético realizado no Monte Silveira.
“Graças ao trabalho do INIAV, graças ao trabalho de empresas como as Sementes Vivas, conseguimos ir buscar ainda variedades mais antigas, que estavam mais bem-adaptadas ao nosso contexto e conseguimos perceber que estamos a melhorar em termos de diversidade genética e de adaptabilidade”, vinca.
O empresário agrícola também expressou sua confiança na capacidade da agricultura para alimentar a população mundial. “Acho que a produção, agricultores, temos capacidade para alimentar o mundo agora (…) Mas, há outras coisas que têm que mudar”, afirma. João Valente aponta que as sementes antigas, mais bem-adaptadas às alterações climáticas, como uma solução que pode ser aproveitada pela indústria alimentar. Para além disso, João Valente acredita que a informação sobre a qualidade e a densidade nutricional dos alimentos pode pressionar a indústria alimentar a repensar as suas práticas e procurar produtos mais saudáveis e nutritivos. Nesse sentido, o empresário destaca o trabalho em projetos de investigação e desenvolvimento, no qual o Monte Silveira Bio está envolvido, como uma forma de integrar a ciência e a tecnologia na procura por alimentos mais nutritivos e sustentáveis.
A Voz do Campo transmitiu em direto a sessão:
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