Desde a sua fundação, em 2020, a Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO) tem trabalhado incansavelmente para identificar e enfrentar os problemas estruturais que afetam o setor do Enoturismo em Portugal.

Temos noção das várias dificuldades do setor, mas existem três problemas estruturais que se destacam e que são os principais entraves à sua evolução.

1 – Ausência de uma definição oficial de enoturismo: Ainda hoje não existe um consenso claro sobre o que é, de fato, o Enoturismo.

2 – Falta de reconhecimento do Enoturismo como uma Classificação de Atividade Económica: Este é um dos maiores entraves ao desenvolvimento do setor. Sem essa classificação, não é possível quantificar o impacto económico do Enoturismo, limitando a sua valorização e crescimento.

3 – Carência de legislação específica: Um setor não pode crescer de forma estruturada e séria sem regras claras e definidas. A ausência de legislação adequada compromete a atuação das empresas e a confiança dos profissionais envolvidos que não têm orientações de como agir.

Tendo em conta a complexidade existente, este relatório tem como objetivo explicar detalhadamente os problemas identificados pela APENO e as soluções apresentadas para mudar este cenário.

Foi, sem dúvida, um longo caminho e um trabalho árduo desde a fundação da APENO (2020). Passámos já por três Secretários de Estado do Turismo; Rita Marques, Nuno Fazenda e, mais recentemente, Pedro Machado, o atual governante. Com este último, conseguimos finalmente fechar um ciclo importante ao, pelo menos, apresentar e discutir no seu gabinete as questões que tanto afetam o bom funcionamento do setor.

Esta reunião com o Governo não se limitou apenas a apontar os problemas por resolver, apresentou também soluções concretas, com uma abordagem propositiva e construtiva. Por essa razão, a APENO considera o trabalho feito, tudo depende agora da vontade do Governo.
Está na hora de tratar o Enoturismo com a seriedade que merece.

1 – Ausência de Uma Definição Oficial de Enoturismo

Porquê definir o Enoturismo? Porque para trabalhar um setor é necessário perceber o que estamos a falar. Pela lógica é o turismo do vinho. Mas o que é que isso envolve? Só as adegas o fazem? Entre outras questões…

“De fato, NÃO existe uma definição oficial obrigatório a nível mundial para a atividade do Enoturismo. Existem sim várias definições / conceitos que foram surgindo ao longo dos anos. o mais divulgado na Europa é o que consta na Carta Europeia do Enoturismo que diz que o “Enoturismo são todas as atividades e recursos turísticos, de lazer e de tempos livres, relacionados com as culturas, materiais e imateriais, do vinho e da gastronomia autóctone dos seus territórios”.

A Carta Europeia do Enoturismo é um documento estratégico criado para promover o desenvolvimento sustentável e responsável do Enoturismo nos territórios europeus. Este documento visa estabelecer diretrizes e princípios que ajudam a equilibrar o crescimento económico da atividade turística com a proteção ambiental, a valorização cultural e a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais.

A carta foi elaborada pela Rede Europeia de Cidades do Vinho (RECEVIN), que NÃO é uma entidade Governamental, é apenas uma organização que reúne cidades/ municípios e regiões vitivinícolas de toda a Europa. Ao criar esta carta, o objetivo da RECEVIN foi o de unir esforços entre municípios, empresas, produtores e demais envolvidos no setor vitivinícola para desenvolver o Enoturismo de maneira harmoniosa e coordenada.

Resumidamente, os objetivos principais da Carta Europeia do Enoturismo são o de promover o desenvolvimento sustentável. Assegurar que o Enoturismo respeite o meio ambiente e os recursos naturais garantindo que a atividade tenha um impacto positivo a longo prazo. Valorizar o património local, promover a cultura, história e tradições ligadas ao vinho e às regiões vitivinícolas. Apoiar a economia local e estimular a criação de empregos e geração de renda em comunidades ligadas ao turismo e à produção de vinho. Fomentar a qualidade e a autenticidade, e incentivar experiências turísticas alinhadas com os valores das regiões vitivinícolas destacando a sua singularidade. Promover a cooperação europeia e estimular o intercâmbio de boas práticas entre os países e regiões da Europa.

Assim, apesar de válidos, tanto o conceito como as boas práticas existentes na Carta Europeia do Enoturismo NÃO são oficiais. A carta é apenas um ‘guia de boa vontade’, é um documento criado e promovido por uma entidade que nem sequer é mundial, é europeia e não governamental.

SOLUÇÃO APENO:

Seguindo a lógica, sendo o Enoturismo um sub-sector do Turismo, a entidade que deveria trabalhar o conceito do Enoturismo a nível mundial deveria ser a UNWTO (United Nations World Tourism Organization (Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas) que é a organização mundial composta por governos de diferentes países, criada há dezenas de anos para promover o turismo internacional de forma sustentável e para coordenar políticas globais relacionadas a este setor. Ouro sobre azul seria trabalhar esse conceito com a Organização Mundial do Vinho…

No entanto, como o conceito oficial de Enoturismo nunca foi definido, a APENO considerou redutor o conceito existente na Carta Europeia, e decidiu fundamental criar um conceito de Enoturismo mais claro, objetivo e amplo, de forma a poder iniciar a sua missão de trabalhar o setor. Embora também não seja um conceito oficial – a APENO é uma associação empresarial – é, pelo menos, um ponto de partida mais amplo e global do já existente na Carta Europeia, que se encontra desatualizado.

E porquê desatualizado? A Carta Europeia ainda se foca exclusivamente nos produtores de vinho como os únicos agentes económicos capazes de praticar Enoturismo – daí ser redutor – desconsiderando que outras empresas e entidades também possam promovê-lo e divulgá-lo, especialmente em contextos urbanos ou fora do ambiente tradicional das vinhas e adegas. Mas esses exemplos disso existem. Como os restaurantes que organizam jantares vínicos com produtores que partilham a sua história, falam das suas vinhas, vinhos e atividades com os apreciadores de vinho. Ou as garrafeiras e hotéis que promovem apresentações do mesmo género, entre outros exemplos de espaços que recriam experiências vínicas com storytelling para os apreciadores de vinho, também em ambiente urbano.

Assim, a definição/conceito de Enoturismo da APENO é: “Enoturismo é uma agregação de atividades turísticas que se centra na experiência motivada pela apreciação dos vinhos, associada às tradições e cultura locais, seja em ambiente rural ou urbano”. De fato, a prática de Enoturismo urbano é hoje uma realidade incontornável, não pode ser ignorada. E por ser amplamente praticado por uma diversidade de agentes em contextos urbanos distintos, torna-se imprescindível valorizá-lo e incluí-lo na quantificação do setor. Ignorar esta vertente significa comprometer a precisão das estimativas de crescimento do Enoturismo apresentadas por entidades como o Turismo de Portugal, por exemplo, uma vez que estas não refletem, de forma completa, o impacto gerado pelo Enoturismo global (rural e urbano). Tal omissão pode resultar em decisões estratégicas desalinhadas com a realidade do setor, e a sua quantificação/valor.

Baseada nos associados da APENO e na sua faturação, a APENO estima que o setor represente:

800 milhões de euros / volume de negócios ano

100 mil postos de trabalho (diretos e indiretos)

40 mil agentes económicos (produtores de vinho, empresas de viagens e de animação turística, garrafeiras, restaurantes, winebars e hotelaria especializada/wine hotéis).

Nota: só para dar um exemplo, o estudo Travel BI do Turismo de Portugal considera apenas 458 produtores de vinho em Portugal a praticar Enoturismo. Se a estes agentes económicos juntarmos empresas de outros setores que também promovem o Enoturismo, como algumas agências viagens ou de animação turística, garrafeiras, restaurantes, winebars e hotelaria especializada/wine hotéis, entre outros, a quantificação e o valor do setor do Enoturismo será muito maior.

2 – Falta de Reconhecimento do Enoturismo como uma Classificação de Atividade Económica

Porquê uma sub-CAE? A falta de reconhecimento do Enoturismo como uma Classificação de Atividade Económica é um dos maiores entraves ao desenvolvimento do setor. Sem essa classificação, não é possível quantificar o impacto económico do Enoturismo, limitando a sua valorização e crescimento. Assim a APENO estudou as CAEs e sub-CAEs, percebeu como e onde poderia ser colocada e pediu ao INE – Instituto Nacional de Estatística para CRIAR a sub-CAE no 93296 (Atividades de Enoturismo), e ser inserida na secção (S), divisão 932 (Atividade de Diversão e Recreativas).

Os contactos com o INE foram iniciados pela APENO em Outubro de 2022, em colaboração com um dos mais reconhecidos escritórios de advogados do país, a ABREU ADVOGADOS, que através de uma comunicação jurídica demonstrou a necessidade de criação da sub-CAE para o sector do Enoturismo, um setor em forte crescimento, com elevada importância para o Turismo e, consequentemente, para Economia Portuguesa.

Conseguimos assim provar que o Enoturismo é, de fato, uma Atividade Económica, porque junta fatores produtivos (Vinho + Turismo + Recursos Humanos + Equipamento técnico), e produz uma Atividade de Enoturismo, produto diferenciado e com elevado valor acrescentado. Como atividade económica, o Enoturismo deveria ter esta sub-CAE autónoma que iria distinguir o Enoturismo de outras actividades recreativas ou relacionadas com o Turismo em geral, possibilitando a sua quantificação/precisão estatística, ajudando a captar investimento interno e externo, além de abrir portas para apoios específicos e incentivos, que também não existem por via direta.

POSIÇÃO DO INE

Muitos foram os e-mails trocados com o INE, que sempre recusou o nosso pedido, tendo como principal motivo a natureza da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE-Rev.3), que segue normas harmonizadas com as classificações da União Europeia e das Nações Unidas, e que defende que o Enoturismo, sendo uma sub-área do turismo, abrange atividades distribuídas por várias divisões da CAE, como alojamento, restauração, transporte e entretenimento, cada uma já classificada em grupos distintos. Para o INE, a criação de uma sub-classe específica violaria as regras de agregação que exigem que todas as atividades de uma subclasse estejam dentro do mesmo âmbito de uma divisão existente. Por essa razão, o INE negou desde o primeiro contacto, a possibilidade de criar uma Sub-CAE para o Enoturismo, uma vez que esta atividade envolve várias categorias económicas.

Posição da APENO e ABREU ADVOGADOS

Apesar do pedido ter sido rejeitado, a APENO e a ABREU ADVOGADOS continuaram a insistir no pedido, argumentando que a rejeição do INE à criação de uma Sub-CAE para o Enoturismo não tinha fundamento, uma vez que o Enoturismo deve ser tratado de forma semelhante a outras atividades turísticas já integradas na CAE, de que são exemplo a ‘Organização de Atividades de Animação Turística’ e o ‘Turismo no Espaço Rural’, que têm subclasses específicas. Ou seja, o Enoturismo, assim como a animação turística e o turismo no espaço rural, engloba atividades recreativas, culturais e até desportivas, o que também o qualifica para ser incluído na divisão 932. Assim, a decisão do INE é injusta e desigual, violando o princípio da igualdade.

Sobre esta questão, a APENO alertou não apenas o Secretário de Estado do Turismo, mas também o próprio Ministro da Economia, os Ministros e Secretários de Estado da Agricultura, entre outros governantes. Apesar de todos considerarem a problemática pertinente, nenhuma solução concreta foi implementada até ao momento.

Recentemente, o INE realizou uma revisão das CAEs, sem informar a APENO dos desenvolvimentos, deixando o setor do Enoturismo novamente à margem deste processo crucial. Em resposta, a APENO voltou a reunir-se com o gabinete do Secretário de Estado do Turismo para reforçar a necessidade de uma sub-CAE específica para o Enoturismo. Caso isso não seja viável, propusemos, como alternativa, a criação de um registo semelhante ao RNAAT (Registo Nacional de Agentes de Animação Turística), que permitiria, pelo menos, quantificar o setor tornando-o mais organizado e visível. Este processo é bem menos complexo do que o pedido da sub-CAE ao INE, uma vez que o registo pode ser criado por decreto-lei ou despacho aprovado pelo conselho de Ministros.

3 – Carência de Legislação Específica

Porquê uma legislação?: Um setor não pode crescer de forma estruturada e séria sem regras claras e definidas. A ausência de legislação adequada compromete a atuação das empresas e a confiança dos profissionais envolvidos que não têm orientações de como agir.

Como já sabemos, a Carta Europeia do Enoturismo tem sugestões muito válidas de boas práticas para o Enoturismo mas as mesmas não são oficiais e por essa razão não são também obrigatórias.

Depois de investigar a nível mundial se haveria legislação para o enoturismo, a APENO identificou que existem já dois países com legislação específica para o Enoturismo: Itália, nas províncias autónomas de Trento e Bolzano, e na região autónoma da Sardenha (estando já outras regiões a preparar legislação no mesmo sentido de organizar o setor); e o México, nos estados de Guanajuato e Chihuahua. Outros países como Espanha, Alemanha e África do Sul já estão também a explorar soluções/caminhos para regulamentar o setor.

A APENO e a ABREU ADVOGADOS analisaram as legislações existentes e concluíram que a legislação de Trento e Bolzano, a primeira a ser implementada no mundo em 2019, poderia servir de base à criação da nossa legislação, com sugestões/adaptações necessárias à realidade portuguesa. Esta legislação foi também apresentada e entregue ao Secretário de Estado do Turismo Pedro Machado e à jurista do respetivo gabinete para avaliação. Esta legislação/decreto-lei pode ser aprovado pelo Governo, não tendo por isso que ir à Assembleia da República, estando agora dependente única e exclusivamente da vontade política para sua concretização.

A APENO destaca ainda que esta legislação não tenciona complicar, servindo simplesmente para regulamentar de forma básica o setor, garantindo qualidade e parâmetros adequados ao Enoturismo em Portugal.

O Futuro

Com a convicção de que muito trabalho foi realizado, entendemos neste momento que a resolução destas questões cruciais depende exclusivamente da vontade política. A APENO sente que fez tudo ao seu alcance. Foi um processo longo e desgastante, mas necessário. Agora, resta-nos acompanhar de forma atenta e pontual, solicitando respostas e avanços ao Governo sempre que necessário para estas e outras questões que possam surgir. Entretanto, não deixaremos de estar atentos a outros desafios importantes do setor, como a escassez de recursos humanos, a falta de formação especializada, a necessidade de quantificar eficazmente a oferta e a realização de um estudo nacional sobre o Enoturismo. Esses temas continuarão a ser importantes, enquanto mantemos o compromisso de desenvolver o setor de forma organizada.

Atualmente, a APENO inicia um ciclo muito promissor, com foco na comunicação e internacionalização do enoturismo. Apesar de não dispormos de fundos públicos diretos para promover o setor internacionalmente, investimos em ferramentas e parcerias empresariais estratégicas para alcançar mercados externos e fortalecer o posicionamento do Enoturismo português no mundo. Nesse sentido, destacam-se três projetos centrais:

WineTourism.TV

Lançada em Outubro do ano passado, a WineTourism.TV é uma ferramenta poderosa para divulgar o Enoturismo nacional a nível internacional, com todos os conteúdos legendados em inglês. Planeamos trabalhar em estreita colaboração com entidades regionais, comissões vitivinícolas, municípios, empresas de enoturismo e parceiros estratégicos, de modo a destacar o melhor que Portugal tem para oferecer no Enoturismo. Vamos também continuar a fortalecer os laços já estabelecidos com os gabinetes internacionais da AICEP, fundamentais na divulgação dos nossos Enoturismos.

Guia do Enoturismo

Em Fevereiro, damos finalmente início ao tão aguardado projeto do Guia do Enoturismo de Portugal, desenvolvido em parceria com a Penguin Random House, uma das maiores editoras internacionais, traduzida em mais de 25 línguas. Este guia será produzido em português e inglês, em edições separadas, e terá distribuição em vários países. Além de ser um veículo informativo e artístico, o guia será utilizado como ferramenta promocional em eventos internacionais e como oferta a jornalistas e outros comunicadores especializados.

WineTourism Magazine

Outro grande projeto em desenvolvimento, mas que aguarda por financiamento, é a criação de uma revista exclusiva, que será um objeto de culto. Lançada 1 ou 2 vezes por ano, a revista destacará o melhor do Enoturismo nacional, com edições em português e inglês e poderá ser adquirida por assinatura. Também será distribuída em hotéis de luxo, alcançando turistas de alto poder aquisitivo, fomentando o interesse pelo Enoturismo em Portugal.

Além desses projetos, a APENO continuará a desenvolver outras iniciativas, algumas já desenhadas, outras ainda em fase de idealização, que certamente vão surpreender. Mais informações poderão ser lidas no documento da estratégia da APENO delineada para 2025.

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