Um solo saudável reúne condições para suportar colheitas agrícolas em quantidade, produções nutricionalmente densas e plantas em bom estado sanitário. Esta qualidade dos solos está assente em três pilares interdependentes: o físico, o químico e o biológico e como tal, devemos ter em conta que as práticas agrícolas que tenham impacto num destes componentes afetarão também os outros dois, tanto positiva, como negativamente.
A componente física relaciona-se com os constituintes do solo e com a sua proporção e organização. Em média, a fração mineral corresponde a 45% do volume do solo e, num solo saudável, a fração correspondente à matéria orgânica seria de 5% (ou mais). A outra metade remanescente é dividida pela água e pelo ar.
As partículas minerais estão divididas de acordo com o seu tamanho – areia, limo e argila. É a proporção destas que define a textura do solo, a qual tem influência de base nas suas características físicas – densidade, porosidade, areja- mento, capacidade de infiltração e retenção de água.
Por outro lado, a organização destas partículas define a estrutura do solo e esta pode ser melhorada ao longo do tempo, pois para além destas partículas minerais, também tem influência a componente orgânica – o húmus e a forma como ele é gerado através da atividade da micro e macrofauna, dos microrganismos e claro, das plantas. Daqui resultam agrega- dos de diferentes tamanhos, que por sua vez criam poros que facilitam a circulação e retenção de ar e de água, criando desta forma um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das raízes das plantas e de biodiversidade do solo.
Um solo que possua uma estrutura favorável e estável melhora todas as características físicas já mencionadas. De referir que em climas mediterrânicos, nem sempre é um problema a falta de chuvas, mas sim a sua má distribuição ao longo do ano.
As características químicas determinam a reatividade do solo e a disponibilidade de nutrientes. Os principais aspetos a destacar neste caso são:
– A disponibilidade de nutrientes – macro (N, P, K), meso (Ca, Mg, S) e micronutrientes (Fe, Mn, Zn, Cu, B, Mo) e de outros elementos que embora não sejam considerados essenciais podem ter efeitos benéficos (Si, Ni, Co…).
– A salinidade do solo – presença de sais solúveis tais como cloretos, sulfatos e bicarbonatos, ou o sódio, que em concentrações altas podem prejudicar o crescimento das plantas.
– Capacidade de troca catiónica – quantidade de cargas negativas no solo que por sua vez conseguem reter catiões essenciais, em particular cálcio, magnésio e potássio. Estas cargas são derivadas principalmente pelas argilas e pela matéria orgânica.
– pH do solo: mede a acidez ou alcalinidade. Está relacionado com a concentração de iões H+ no solo (quanto maior a concentração, mais baixo é o pH). O pH ideal varia entre 5,5 e 7,0 para a maioria das culturas. Solos muito ácidos (pH abaixo de 5,5) podem causar deficiências em cálcio e magnésio, imobilizar o fósforo e criar e toxicidade de alumínio e excesso de manganês. Solos alcalinos (com pH superior a 7,0) podem afetar a disponibilidade de fósforo ou micronutrientes como o ferro e o manganês.
– Matéria orgânica: constituída por restos de plantas e organismos em diferentes estados de decomposição. Fonte de nutrientes e habitat para a biologia do solo. Tem um papel preponderante em todos aspetos físicos, químicos e biológicos.
– Por último, mas não menos importante (bem pelo contrário) a componente biológica está relacionada com os seres macro e microscópicos que habitam no solo e a sua interação entre eles e as plantas.
As plantas transformam energia solar em energia química, fixando carbono atmosférico sob a forma de compostos orgânicos (açúcares, proteínas, lípidos, fitohormonas e inúmeros metabolitos secundários com diferentes funções). Desta energia química, que as plantas usam diretamente, há uma percentagem considerável que é libertada no solo por 3 vias.
Uma é a mais conhecida – através das folhas e outros restos vegetais que são depositados no solo. Outra através dos herbívoros que se alimentam diretamente das plantas que por sua vez alimentam predadores – os seus dejetos ou restos mortais irão ser devolvidos ao solo mais cedo ou mais tarde. Finalmente, através de exsudados emitidos pelas raízes. Todo este carbono vai alimentar uma comunidade microbiológica existente na rizosfera e estes micróbios, por sua vez retribuirão à planta e participarão numa complexa cadeia alimentar que inclui fungos e bactérias, mas também vírus, protozoários, nemátodos, ácaros, minhocas, insetos e pequenos vertebrados.
Desta interação resulta um complexo ecossistema, no qual se incluem decompositores primários e secundários, sendo fundamental não só no ciclo e formação da matéria orgânica e consequente fixação de carbono atmosférico, mas também e uma vez mais na formação do próprio solo e melhoria das suas características físico-químicas (por exemplo, através da formação de micro-agregados, macro e micro-poros, degradação de rochas, solubilização de nutrientes, etc.). São estes processos biológicos que ao longo do tempo formam novo solo e o melhoram agronomicamente. No entanto, este tempo de formação e de melhoria da saúde do solo está dependente das tais componentes físicas e químicas inerentes à sua própria natureza mineral.
O agricultor, como elemento ativo e influenciador de um agroecossistema (que é na prática uma exploração agrícola), pode ter um papel relevante para precisamente encurtar estes processos de formação e de melhoria do solo. Para tal deverá aplicar um conjunto de práticas que, por um lado minimizem o impacto na biologia do solo e por outro, criem melhores condições para que a atividade microbiológica prospere. Estas práticas devem assentar nos seguintes princípios:
– Minimizar os distúrbios no solo – sejam físicos, através de mobilizações, sejam químicos, através de pesticidas e fertilizações desadequadas;
– Aumento da biodiversidade e rotação de culturas;
– Manter o solo coberto protegendo-o contra o impacto das gotas de chuva, a radiação e extremos climatéricos;
– Manter a atividade radicular que alimenta o seu microbioma;
– Incorporação de gado sempre que possível.
Além destas práticas, o agricultor pode (e deve) tentar corrigir os desequilíbrios físico-químicos inerentes à natureza do pró- prio solo, nomeadamente a carência (ou excesso) de nutrientes, as proporções adequadas de cálcio/magnésio/potássio no complexo de troca, a falta de matéria orgânica e o pH. Aqui os corretivos calcários têm um papel preponderante.
A aplicação de corretivos calcários é a principal ferramenta para corrigir a acidez do solo, a qual provoca baixos níveis de bases, especialmente cálcio e magnésio; concentrações elevadas de alumínio; excesso de manganês; fósforo em formas não assimiláveis às plantas e carência de alguns micronutrientes essenciais. O pH do solo é o indicador de uma situação biológico-físico-química e como tal corrigi-lo para níveis mais favoráveis beneficia os três pilares da saúde do solo.
Para corrigir a acidez, são utilizados calcários, geralmente provenientes de rochas, que são moídas e peneiradas antes da aplicação no solo. Quando aplicado, o calcário liberta os iões Ca2+, Mg2+ e HCO3−, que reagem com a água, originando iões hidróxidos (OH−), água e dióxido de carbono (CO2).
Os iões OH− resultantes neutralizam o alumínio tóxico, formando hidróxido de alumínio insolúvel, enquanto as cargas anteriormente ocupadas pelos iões de alumínio (Al3+) e hidrogénio (H+) são libertadas e substituídas pelos iões de cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+). Desta forma, o solo torna-se mais equilibrado e apto para suportar uma melhor atividade microbiana e o crescimento saudável das plantas (…).
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Autoria: Miguel Soares, Responsável técnico Zona Agro