O uso da água na agricultura é um dos principais desafios do século XXI, especialmente devido ao aumento da procura global e às consequências das alterações climáticas.
Em Portugal, por exemplo, a agricultura utiliza hoje perto de 75% do total de água disponível. Entre os principais problemas enfrentados estão a escassez de água, a ineficiência dos sistemas de irrigação e as pressões crescentes impostas pela urbanização e pela densidade populacional em certas áreas territoriais.
A par disso, a escassez de água, agravada pelas alterações nos padrões de precipitação e pelo aumento da frequência de eventos climático-meteorológicos extremos, como secas e inundações, comprometem a disponibilidade de água para fins agrícolas, particularmente nas áreas da bacia do Mediterrâneo.
Soluções para o setor agrícola num quadro de rápidas transformações
Se por um lado se projeta que a produção agrícola global precisará de crescer 70% até 2050 para atender à crescente procura por alimentos, por outro, a questão que urge é o que podemos fazer para contrariar este crescimento desmesurado e a insustentabilidade dos recursos?
A identificação de soluções para o setor agrícola constitui-se assim como particularmente relevante, levando-nos a identificar de seguida algumas das principais vias para solucionar estes problemas.
Uma solução promissora para estes desafios pode passar, desde logo, pela adoção de técnicas de irrigação de precisão. Com a utilização de tecnologias baseadas em sensores de humidade do solo, previsões meteorológicas e sistemas automatizados para ajustar a quantidade de água aplicada com base nas necessidades específicas das culturas, os sistemas de irrigação gota-a-gota e por aspersão têm demonstrado ser altamente eficientes, reduzindo o desperdício e aumentando a produtividade, em certas áreas geográficas do planeta. Além disso, a reutilização de águas residuais tratadas pode constituir-se como uma alternativa viável para reduzir a pressão sobre fontes de água doce. Um exemplo bem-sucedido desta abordagem é a do projeto LIFE+ ReQpro, implementado na região de Emilia-Romagna, na Itália, que disponibiliza água purificada para irrigar aproximadamente 2 000 hectares de culturas.
Outra estratégia fundamental é a captação e armazenamento de água da precipitação.
Esta prática simples e eficaz permite que os agricultores armazenem água durante períodos de precipitação intensa, uma garantia para a disponibilização em períodos de seca. A seleção de culturas tolerantes à seca também desempenha um papel crucial na promoção da sustentabilidade hídrica.
Noutro ponto, a agricultura de conservação, inerente a práticas como o plantio direto, o uso de cobertura vegetal e a adição de matéria orgânica ao solo têm um papel na melhoria da infiltração e da retenção de água, reduzindo a dependência de irrigação suplementar, além de contribuírem para o aumento da fertilidade do solo e para o sequestro de carbono. Não obstante, o uso de tecnologias avançadas de monitorização, com os drones, os sensores e os Sistemas de Informação Geográfica (SIG), permitem a gestão hídrica em tempo real das condições hídricas no terreno, auxiliando na identificação de áreas com deficiências hídricas e no planeamento estratégico da irrigação. Aliado à cooperação entre agricultores, investigadores e consultores, o uso destas tecnologias de monitorização junto destes trabalhadores pode disseminar as boas práticas e as soluções adaptadas às condições locais, constituindo-se os grupos operacionais formados por estes atores como um vetor de grande valor na troca de experiências e na implementação de medidas que se querem mais sustentáveis.
E o que se pode fazer em concreto em Portugal? Do uso de águas residuais à hidroponia.
Para a promoção de alguns casos de sucesso em Portugal também é necessário promover os benefícios destas abordagens. Destacaríamos, talvez, duas abordagens que nos parecerem ser particularmente interessantes ao nosso contexto territorial. A utilização de águas residuais na agricultura representa uma solução viável, particularmente na redistribuição de água para outras necessidades, como o consumo humano e a preservação dos ecossistemas naturais, desde que a qualidade das águas residuais tratadas seja devidamente monitorizada e gerida. A título de exemplo, no Chipre, as metas de reciclagem de água estabelecidas em 2017 corresponderam a 28% da procura agrícola registada em 2008.
Nas Canárias, 20% das águas utilizadas em todos os setores é proveniente de águas residuais tratadas, abrangendo a irrigação de 5 000 hectares de plantação de tomates e 2 500 hectares de bananas.
Outro sistema promissor no uso eficiente da água na agricultura é a hidroponia.
Esta técnica, que consiste no cultivo de plantas sem solo, permite uma economia significativa de água em comparação aos sistemas tradicionais. Apesar de apenas uma pequena quantidade de água ser diretamente utilizada no metabolismo das plantas (entre 5% e 8%), a maior parte é perdida por transpiração e evaporação. Por exemplo, enquanto são necessários aproximadamente 1 000 litros de água para produzir 1 kg de trigo e 2 500 litros para 1 kg de arroz, a hidroponia pode reduzir, de modo muito expressivo, este consumo.
A produção de hortaliças é, no caso em concreto, particular- mente beneficiada por esta prática. Alguns estudos internacionais indicam que esta técnica pode economizar entre 50% a 70% da água utilizada, dado que minimiza as perdas por evaporação, escoamento superficial e percolação. No caso de uma planta de alface com 500 g, cuja composição é de 90% de água, estima-se que ela necessite de 25 litros de água para formar 50 g de massa seca durante o ciclo de vida de apro- ximadamente 40 dias. Em sistemas tradicionais, o consumo pode triplicar, chegando a 75 litros devido às perdas mencionadas. Com a hidroponia, o consumo efetivo aproxima-se do índice de água resultante da transpiração, representando uma solução eficiente e sustentável (…).
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Autoria: Hélder Silva Lopes, professor do Departamento de Geografia da Universidade do Minho e investigador do Lab2PT/IN2PAST