A carne de frango continua a ser uma das fontes de proteína de origem animal mais populares e acessíveis em todos os mercados e, segundo previsões da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o seu consumo deverá crescer a uma taxa anual de 2,3% até 2030.
Tendo em conta esse ritmo de crescimento, projeta-se que, até esse ano, o mercado mundial de carne de aves atinja 166 milhões de toneladas, tornando-se, assim, a proteína de origem animal mais consumida em todo o mundo. Fruto deste crescimento e desenvolvimento da indústria avícola, os sistemas de produção de frangos terão de se ajustar cada vez mais às exigências dos consumidores quanto ao tamanho e peso das aves, aos tipos de produtos finais desejados, às normas de segurança alimentar, às preocupações com o bem-estar animal, ao impacto ambiental, ao uso de antibióticos, entre outros. Contudo, as mudanças necessárias nos sistemas de produção por forma a satisfazer essas exigências representam alguns desafios, nomeadamente ao nível da saúde dos frangos e devido ao aparecimento de doenças infeciosas emergentes e reemergentes.
Embora se verifiquem semelhanças genéticas nas linhagens de frangos usadas globalmente, existem grandes variações entre países e, dentro de cada país, entre regiões ou empresas, ao nível do tipo de alojamento e grau de controlo ambiental, condições meteorológicas, densidade populacional das aves, doenças endémicas da região, peso corporal final, intervalo entre lotes, reutilização da cama, qualidade da água, composição e aditivos na dieta, planos de gestão de saúde e nível de biossegurança, entre outros.
Nessa medida, a incidência de doenças, assim como a prevalência e as taxas de mortalidade, variam entre regiões. Assim, a otimização da saúde dos frangos é fundamental para esta indústria devido ao elevado custo das principais doenças, impactos no bem-estar animal, defeitos e condenações de carcaças e problemas de segurança alimentar nas unidades de processamento. Para tal, é importante estar familiarizado com as principais doenças infeciosas associadas à produção de frangos em Portugal, designadamente a Doença Infeciosa da Bursa, a Doença de Newcastle, a Bronquite Infeciosa Viral, a Coccidiose e a Colibacilose. Para além disso, é fundamental entender as estratégias atuais e futuras para melhorar e otimizar a resistência a essas mesmas doenças, ao mesmo tempo que se reduz a dependência de antibióticos. As principais estratégias de controlo são a bios- segurança, vacinação, vigilância, diagnóstico, gestão ambiental, intervenções nutricionais e seleção genética.
Estratégias de controlo das principais doenças infeciosas em frangos
A prevenção e o controlo das doenças envolvem uma série de processos interligados que abrangem a infraestrutura dos pavilhões, a manutenção dos equipamentos, a gestão, bem como fatores nutricionais, imunológicos e de seleção genética. Em primeiro lugar, é essencial minimizar o risco de infeção através de medidas de biossegurança, tratamento adequado e monitorização da qualidade da água e da alimentação, além do maneio ambiental nas instalações. Aumentar a resistência dos animais é igualmente importante, podendo ser feito através da imunização, imunomodulação ou seleção genética. Além disso, é crucial prevenir a propagação das doenças, reforçando as medidas de biossegurança, vigilância e implementando a prática de quarentena sempre que possível.
O diagnóstico é crucial para determinar a causa específica do problema de saúde a ser tratado. Existem várias técnicas e ferramentas de diagnóstico laboratoriais e de campo disponíveis para cada doença que afeta os frangos, como veremos mais à frente. No entanto, é raro que uma doença seja causada por apenas um único agente patogénico, estando envolvidos, frequentemente, múltiplos fatores e patógenos estão envolvidos. Por isso, é essencial adotar uma abordagem abrangente, considerando todo o sistema de produção. Isto requer informação precisa e completa dos dados de produção ao longo do tempo, já que muitas doenças infeciosas são subclínicas e podem ser detetadas nos registos de produção, nos serviços de inspeção da carne nos matadouros ou em auditorias de bem-estar.
Assim, a análise de dados é cada vez mais essencial para otimizar a produção de frangos, uma vez que permite resumir múltiplos parâmetros ambientais e de desempenho e detetar tendências, correlações e causalidades, ajudando a entender os fatores epidemiológicos, prever o início das doenças infeciosas e, dessa forma, melhorar o bem-estar e a saúde dos frangos de carne.
Uma importante fonte de informação sobre a saúde dos frangos de carne são os dados obtidos nos matadouros, já que as contagens finais dos frangos abatidos e frangos mortos à chegada, bem como os relatórios de doença e sinais clínicos observados nas carcaças constituem indicadores do estado de saúde dos animais. Esta informação pode ser ligada à identificação de patógenos específicos e títulos de anticorpos a partir de amostras de sangue frequentemente recolhidas antes do processamento.
Para a produção sustentável de frangos ser viável é também fundamental promover respostas imunitárias melhoradas através da vacinação. A vacinação eficaz reduzirá significativa- mente o risco de as aves desenvolverem doenças clínicas e, em consequência, as perdas económicas associadas quando expostas à multitude de patógenos presentes no seu ambiente. Embora a eficácia da vacina dependa muito das características da própria vacina, fatores como a manutenção da cadeia de frio apropriada durante o armazenamento, o transporte e a aplicação correta das vacinas são igualmente aspetos a ter em conta. Em frangos, as formas mais comuns de aplicação de vacina são por nebulização com gota fina (vacinas respiratórias) ou grossa (vacina coccidiose), subcutânea e in-ovo.
O papel da Biossegurança
Na prevenção e controlo das doenças infeciosas, a biossegurança é a primeira linha de defesa e, a longo prazo, a mais económica. Por biossegurança entende-se ação ou plano de saúde destinado a proteger uma população contra agentes infeciosos e transmissíveis. Apesar de os princípios da biossegurança existirem há centenas de anos, ainda hoje enfrenta- mos dificuldades para que as pessoas executem ações simples que sabemos serem eficazes na prevenção de doenças contagiosas em pavilhões avícolas.
De um modo genérico, há duas categorias de biossegurança, a externa e a interna. Ambas visam reduzir as fontes de contaminação e separar essas fontes dos bandos saudáveis. A intensificação da produção avícola, e a consequente maior concentração de pavilhões em determinadas regiões geraram um ambiente propício para a disseminação e propagação de doenças infeciosas, o que torna essencial adotar uma abordagem regional de biossegurança baseada na comunicação dentro da indústria avícola e na organização do movimento de pessoas, aves, materiais e equipamentos dentro de uma dada área. O principal desafio da implementação das medidas de biossegurança é conseguir obter alta conformidade com essas medidas por todos os funcionários e visitantes dos pavilhões.
Para prevenir a disseminação de doenças em explorações avícolas, a descontaminação dos pavilhões e a gestão de veículos e equipamentos são fundamentais. Primeiramente, é fundamental realizar um vazio sanitário, isto é, manter o pavilhão sem animais durante um período específico. Neste intervalo, todas as aves são removidas, por forma a ser possível implementar de práticas de limpeza e desinfeção. Após esse processo, o pavilhão é repovoado com um novo lote de aves, geralmente uns dias ou semanas depois. Este método é conhecido como “all-in/all-out”.
A descontaminação dos pavilhões envolve três etapas principais. A primeira é a remoção a seco do material orgânico visível, como cama e ração. A segunda etapa consiste na aplicação de detergente, essencial para eliminar resíduos difíceis de remover manualmente, seguida de desinfeção e secagem. Durante essa etapa, é crucial garantir o tempo de contacto adequado do detergente (normalmente 10-20 minutos) e usar água a cerca de 40°C para maior eficácia. A terceira etapa é a desinfeção das áreas já limpas e secas, seguida de uma nova secagem, indispensável para prevenir a multiplicação das bactérias remanescentes. Além disso, veículos e equipamentos podem atuar como vetores mecânicos de doenças. A má gestão, como estacionar próximo às entradas dos pavilhões, aumenta o risco de transmissão de patógenos entre explorações. As práticas de descontaminação recomendadas para pavilhões também se aplicam a estes objetos. Sempre que possível, veículos e equipamentos devem ser expostos ao sol, já que a radiação ultravioleta funciona como um desinfetante natural, contribuindo para sua descontaminação.
Doenças infeciosas causadas por vírus
1. Doença Infeciosa da Bursa
A Doença Infeciosa da Bursa (IBD), também conhecida como doença de Gumboro, é uma enfermidade altamente contagiosa e severa que representa uma ameaça significativa para a produção avícola global. É causada pelo vírus da doença infeciosa da bursa (IBDV), que atinge a bursa de Fabricius, o principal órgão do sistema imunitário das aves. Dependendo da estirpe do vírus e de fatores do hospedeiro, a IBD pode causar grandes perdas económicas devido à mortalidade ou imunossupressão, tornando os bandos afetados mais suscetíveis a infeções secundárias. O vírus possui um genoma com dois segmentos, A e B, que codificam proteínas essenciais para a replicação, tropismo e patogenicidade viral. A diversidade genética e a virulência são ampliadas através da recombinação desses segmentos (…).
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Autoria: Miguel Carvalho, Médico Veterinário, Technical Services/Poultry Business Unit
HIPRA Animal Health Portugal