Cátia Soares1, José Semedo1, Lourenço Palha2, Paula Scotti-Campos1, Fernanda Simões1, Ana Sofia Almeida2, Benvindo Maçãs1
1Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV)/CNCACSA
2Centro Operativo e Tecnológico do Arroz – Centro de Competências (COTArroz – CC)A cultura do arroz é particularmente sensível ao equilíbrio ambiental. As alterações climáticas têm vindo a afetar esse equilíbrio provocando eventos meteorológicos extremos em maior número e intensidade. Os dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura mostram que apesar de a produção de arroz ter crescido de 1965 a 2000, acompanhando o crescimento da população mundial, desde então, esse aumento estagnou. Por todo o mundo, a falta de água, o excesso de precipitação, picos de temperatura, bem como a elevada salinidade no solo, causam a diminuição da produção de arroz. Uma vez que o arroz alimenta metade do mundo, a segurança alimentar mundial depende muito da resiliência desta cultura no contexto das alterações climáticas (Mohanty et al., 2013). Para melhoria da produtividade das culturas, e em particular, do arroz, existem duas estratégias principais: i) a utilização de variedades melhoradas, ou ii) a adoção de melhores práticas de gestão agrícola. Idealmente, as duas abordagens devem ser estabelecidas em paralelo de modo a garantir o aumento de produção necessário para alimentar a população. É esta a estratégia do INIAV/COTArroz, que tem por objetivo apoiar toda a fileira do arroz nacional. Nesse sentido desenvolve atividades que produzem conhecimento dirigido à necessidade de adaptação à nova realidade climática tendo em conta a utilização de:
i) VARIEDADES DE ARROZ MELHORADAS
Desde o início da agricultura que os humanos usam as melhores sementes para estabelecer a cultura do ano seguinte. Esta seleção básica deu origem às culturas alimentares atuais. Um bom exemplo dos efeitos deste tipo de seleção foi a eliminação do mecanismo de dispersão de sementes em cereais como o trigo, a cevada e o arroz que permitiram a retenção da semente na planta até à colheita (Ishikawa et al., 2022). Esta é uma característica que as espécies selvagens, por norma, não possuem, dependendo da dispersão das sementes para sobreviver.
Outro momento determinante na agricultura foi a Revolução Verde com a descoberta dos genes responsáveis pela altura das plantas. Em 40 anos, entre 1960 e 2000 conseguiu-se duplicar a produtividade das principais culturas cerealíferas. Em comparação com as plantas mais altas, as novas variedades mais baixas têm a capacidade de fazer um melhor uso do azoto, alocando o seu metabolismo para a produção de grão e não para a produção de biomassa verde. Os esforços para obter variedades mais produtivas continua, particularmente em linha com as previsões das alterações climáticas.
Qualquer programa de melhoramento tem três passos principais: i) a criação de variabilidade genética por cruzamentos planeados, ii) a seleção em campo de candidatos com base em características desejáveis e iii) o teste e inscrição das variedades melhoradas. Este processo, atualmente assistido pelas técnicas moleculares, demora cerca de 12 anos no caso do arroz. A principal característica de seleção em qualquer programa de melhoramento de cereais é a produtividade em grão de qualidade. Mas esta é uma característica altamente dependente das interações da planta com o ambiente. Assim, no contexto incerto das alterações climáticas, a tarefa do melhorador fica ainda mais difícil.
Por todo o mundo existem iniciativas públicas e privadas para prosseguir com o aumento da produtividade agrícola. No caso do arroz, a principal instituição internacional não-lucrativa é o International Rice Research Institution (IRRI) sedeado nas Filipinas. Nos últimos anos, recorrendo ao melhoramento convencional e às novas técnicas moleculares, o IRRI desenvolveu arroz com maior tolerância à seca, frio, salinidade e resistência a doenças. Essas novas variedades aliadas a métodos e tecnologias melhoradas, têm permitido aos agricultores asiáticos gerir as suas explorações de forma rentável e sustentável. Na Europa, os países produtores de arroz têm os seus próprios programas de melhoramento. Em Portugal, é no INIAV/COTArroz que decorre o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Arroz (PMA) e se desenvolvem variedades melhoradas de arroz adaptadas às condições edafoclimáticas nacionais e com características de interesse para toda a fileira (Figura 1). De entre as características usadas para seleção, muitas estão interligadas com as alterações climáticas, como a tolerância ao sal, aos picos de calor durante o dia e temperatura baixa durante a noite, e ao ataque de pragas e doenças. A mais recente variedade de arroz carolino libertada para o mercado, o Caravela, tem maior tolerância à piriculária, a doença com maior impacto na produtividade dos arrozais e que será tendencialmente mais grave quanto mais elevada for a temperatura.

ii) PRÁTICAS DE GESTÃO AGRÍCOLA MAIS SUSTENTÁVEIS
Sendo difícil prever os efeitos dos eventos meteorológicos futuros na agricultura, ainda assim, as previsões por modelos climáticos são uma boa base de trabalho. As perspetivas mais otimistas defendem que se podem mitigar alguns dos efeitos das alterações climáticas ajustando as práticas agrícolas a quatro questões diferentes: O agricultor pode mudar o que cultiva (diferentes espécies ou variedades melhoradas), e terá de ajustar as práticas de gestão agrícola às alterações climáticas: (onde?) as culturas típicas de uma região poderão ter de mudar para outras latitudes; (quando?) o momento típico de sementeira e de colheita poderão ter de ser ajustados às novas condições climatéricas e (como?) os sistemas de rega e de adubação terão de se tornar matematicamente precisos (Rezaei et al, 2023; Ritchie et al., 2024). As três principais formas pelas quais as alterações climáticas podem afetar a agricultura são:
- Aumento da concentração do CO2 atmosférico
Segundo a maioria das previsões, o aumento da concentração do CO2 atmosférico virá associado ao aumento da temperatura global. Se por um lado o CO2 elevado pode beneficiar a produtividade das culturas pelo aumento da taxa fotossintética da planta, o aumento da temperatura terá efeitos diferentes dependendo da cultura e do local de produção. No caso do arroz, os modelos preveem que nas zonas mais frias de cultivo (países temperados de latitudes mais elevadas como Portugal), o aumento do CO2 em conjunto com o aumento da temperatura, possa potenciar aumentos de produção na ordem dos 7,6%. Por outro lado, as zonas mais quentes (países dos trópicos, ideais para o crescimento do arroz) ficarão quentes demais e o aumento de CO2 não deverá ser acompanhado por um aumento de produtividade. Assim, as desigualdades de produção tenderão a ficar ainda maiores entre os países mais e menos desenvolvidos (Bernacchi et al., 2023; Song et al, 2024).
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Precipitação
As notícias do impacto das alterações dos padrões de precipitação na produção de arroz mundial têm sido crescentes. Na China, as chuvas extremas reduziram a produção de arroz nos últimos 20 anos; desde 2022 a Índia tem vindo a limitar as exportações de arroz para garantir as reservas nacionais; no Paquistão, o calor e as inundações dos últimos anos têm destruído as colheitas de arroz; na Califórnia, as longas secas levaram ao abandono de muitos campos de arroz. Em 2023, Espanha registou a menor colheita de arroz das últimas décadas devido à falta de água e em Portugal, a seca afetou todo o país e tornou necessário agir sobre a capacidade de reserva e distribuição da água que nos chega de forma muito sazonal. A cultura orizícola nacional está maioritariamente estabelecida nas margens dos rios Mondego, Tejo/Sorraia e Sado mas ainda assim, em 2022, devido à seca, os produtores de arroz do Vale do Sado, no Alentejo, reduziram a área de cultivo em 2.500 hectares, equivalente a quebras de até sete milhões de euros de receitas. Associado à falta de água surge o problema da salinidade. Em Portugal, a diminuição do caudal dos rios permite uma maior entrada de água salgada do mar tornando os arrozais mais salinos do que o tolerável pela planta. No INIAV/COTArroz é dada atenção a estas realidades do território, e sempre que possível, as potenciais novas variedades de arroz são também testadas em zonas mais salinas, com diferentes formas de rega (Figura 2A) e com aplicação de produtos com potencial efeito na resiliência da cultura.

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Picos e excesso de calor
Apesar de o arroz não tolerar temperaturas baixas, também é suscetível a picos de calor. Uma das alterações climáticas a que temos assistido na zona Mediterrânica é o aumento destes picos, em número e intensidade. Quando esses fenómenos ocorrem por altura da floração da planta, a polinização e a fertilização são comprometidas e obtêm-se panículas com aborto apical que originam grãos vazios, com consequente diminuição da produtividade. Durante a seleção de genótipos no PMA, as plantas que sofrem este tipo de efeito (Fig. 2B) são eliminadas mantendo-se as que apresentam menores efeitos. Em adição, as temperaturas cada vez mais elevadas juntamente com a humidade elevada dos canteiros, propiciam o desenvolvimento de mais microrganismos na cultura e até o aparecimento de insetos menos comuns no passado (Figura 2C). Com a diminuição da disponibilidade de produtos fitofarmacêuticos para o combate de pragas e doenças, o agricultor enfrenta grandes desafios na gestão da cultura. De salientar aqui a vantagem da utilização de variedades desenvolvidas em Portugal, uma vez que são selecionadas no contexto agro-ecológico nacional sendo a seleção feita em resposta às estirpes dos fungos existentes no país.
Falar de agricultura no contexto das alterações climáticas é um desafio para a humanidade. É necessário perceber que a excessiva exploração dos recursos e do solo é consequência do crescimento da população e do consumismo excessivo. Assim, na verdade, desde o produtor ao consumidor, todos têm a sua responsabilidade. Ao nível do consumidor recai, por exemplo, a responsabilidade de fazer escolhas informadas e minimizar o desperdício. Aos investigadores pedem-se soluções biotecnológicas que possibilitem ao agricultor obter a máxima produção de arroz, com o menor input e da forma mais sustentável possível. Em estreita ligação com toda a fileira orizícola, o INIAV/COTArroz trabalha em prol da sustentabilidade, produtividade e rentabilidade do arroz nacional no novo contexto climático.
Referências:
Bernacchi CJ, Ruiz-Vera UM, Siebers MH, et al. Short- and long-term warming events on photosynthetic physiology, growth, and yields of field grown crops. Biochem J. (2023) Jul 12;480(13):999-1014.
Ishikawa R, Castillo CC, Htun TM, et al. A stepwise route to domesticate rice by controlling seed shattering and panicle shape, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 119 (26) e2121692119, (2022).
Mohanty S, Wassmann R, Nelson A, et al. Rice and climate change: significance for food security and vulnerability. IRRI Discussion Paper Series No. 49 (2013). Los Baños, Philippines: International Rice Research Institute (IRRI).
Rezaei EE, Webber H, Asseng S et al. Climate change impacts on crop yields. Nat Rev Earth Environ 4, 831–846 (2023).
Ritchie H, Rosado P, Samborska V “Climate Change” (2024) Published online at OurWorldinData.org.
Song L, Tao Y, van Groenigen KJ, et al. Rising atmospheric carbon dioxide concentrations increase gaps of rice yields between low- and middle-to-high-income countries. Nat Food. (2024) Sep;5(9):754-763.