A pecuária no Algarve enfrenta desafios significativos num contexto de modernização agrícola e de alterações climáticas. Joel Guerreiro, veterinário da Associação de Criadores de Gado do Algarve (ASCAL), traça um retrato realista e preocupante do setor, marcado por tradições enraizadas, dificuldades estruturais e um mercado cada vez mais exigente.

Uma realidade marcada pela tradição

Apesar do sucesso de algumas explorações agrícolas no Algarve, a pecuária continua a ser um setor de pequena escala, com muitas explorações ainda a funcionarem de forma tradicional. “Uma grande parte das explorações de caprinos, ovinos e bovinos tem pastores a tomar conta do gado, muitos deles sendo os próprios donos”, explica Guerreiro. A falta de infraestruturas modernas, como vedações e sistemas de maneio eficientes, ainda é uma realidade em muitas destas explorações.

Joel Guerreiro, veterinário da Associação de Criadores de Gado do Algarve (ASCAL)

O veterinário da ASCAL destaca que o setor não tem atraído novas gerações. “Quando falamos de jovens agricultores na pecuária, estamos a referir-nos a pessoas com 40 ou até 50 anos. Há poucos jovens a entrar nesta área, e os que entram fazem-no por paixão, mesmo enfrentando todas as dificuldades.”

O impacto das condições climáticas

A pecuária depende fortemente das condições climáticas, em especial da disponibilidade de água. “Na agricultura, pode-se recorrer ao regadio, mas na pecuária é a chuva que manda”, enfatiza Guerreiro. Os longos períodos de seca têm levado à escassez de pasto, forçando os produtores a comprarem ração e feno a preços elevados. “Muitos tiveram de importar feno de França, o que aumenta ainda mais os custos de produção.”

Além disso, a posse da terra é outro obstáculo. Muitos produtores não são proprietários dos terrenos que utilizam, dependendo de arrendamentos informais, o que dificulta investimentos a longo prazo.

Certificação e valorização da carne algarvia

Uma das soluções apontadas por Joel Guerreiro para fortalecer o setor é a certificação da carne de raças autóctones do Algarve, como o cabrito-algarvio, a ovelha churra e o borrego-algarvio. “Temos raças adaptadas ao nosso clima, que resistem às secas e continuam a produzir mesmo em condições adversas. Certificar esta carne e promovê-la em restaurantes poderia ser um caminho para valorizar o nosso produto.”

No entanto, há desafios logísticos. “Como é possível certificar carne se os matadouros mais próximos estão a centenas de quilómetros? Precisamos investir num matadouro na região para garantir a certificação e distribuição local.”

A resiliência dos produtores

Apesar das dificuldades, os produtores algarvios persistem, movidos pela paixão. No entanto, Guerreiro alerta que essa paixão tem um custo elevado. “Os gastos com sanidade, vacinas e alimentação são altos. O recente surto de língua azul é um exemplo dos desafios sanitários que enfrentamos.”

Para garantir a sustentabilidade do setor, são necessárias políticas de apoio mais eficazes, acesso a financiamentos e um esforço conjunto para modernizar a atividade. “Não podemos continuar a depender apenas da paixão dos produtores. Precisamos de estratégias concretas para dar um futuro à pecuária no Algarve”, conclui Joel Guerreiro.

Leia este e outros artigos exclusivos na Revista Voz do Campo (edição de março 2025).

 

 

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