Em entrevista exclusiva a João Pontes, partner da Expense Reduction Analysts, abordámos os principais desafios enfrentados pelo setor agroalimentar na adaptação às preocupações com a sustentabilidade – seja por parte dos consumidores, dos Governos, ou dos legisladores – estão a obrigar o setor agroalimentar a adaptar-se: nos métodos de produção (incluindo o uso do solo, de químicos e conservantes), nas embalagens (com a progressiva passagem do plástico para o papel, e com materiais reciclados), na distância entre o local de origem e o de venda final (com preferência crescente pelo comércio local), entre outros. Estas mudanças implicam gastos e criam obstáculos, em concreto, aos pequenos negócios e produtores.

João Pontes, partner da Expense Reduction Analysts em entrevista exclusiva à Voz do Campo

A consultora portuguesa ERA – Expense Reduction Analysts, através de uma investigação abrangente, já ajudou centenas de empresas do setor a serem mais eficientes – acomodando a resposta às crescentes preocupações “verdes” -, e a proteger as suas margens.

João Pontes tem mais de 20 anos de experiência em Supply Chain Management em empresas líderes globais, tais como a PepsiCo e Kratf/Mondelez, antes de se unir à Expense Reduction Analysts.

Exerceu cargos de direcção em Portugal, Espanha e Europa, liderando toda a cadeia de abastecimento desde as compras até à execução da venda, incluindo fábricas e logística. Forte experiência e resultados em projectos transformacionais para optimização de custos e geração de resultados adicionais.

Quais são os principais desafios enfrentados pelos pequenos negócios e produtores agroalimentares ao se adaptarem às exigências de sustentabilidade?

A nível económico, como as pequenas empresas e produtores normalmente operam com orçamentos limitados e com margens de lucro mais pequenas, um dos principais desafios é o investimento inicial em infraestruturas, tecnologia e formação, frequentemente necessário quando se faz a transição para práticas mais sustentáveis. Em paralelo, estes negócios enfrentam a concorrência de empresas maiores que têm mais recursos para investir em sustentabilidade (ganhando vantagem competitiva) e têm de encontrar um equilíbrio entre a adoção de práticas sustentáveis e a manutenção da viabilidade económica. Além disso, as pequenas empresas e produtores agroalimentares podem enfrentar desafios no acesso a recursos e sistemas de apoio para os ajudar na transição para práticas sustentáveis, como a fontes de energia renováveis acessíveis e fiáveis, opções de embalagem sustentáveis e a orientação de especialistas. Ainda neste tópico, muitos negócios podem não estar plenamente conscientes das vantagens da sustentabilidade ou podem não ter os conhecimentos e a experiência necessários para implementar esse tipo de práticas de forma eficaz, necessitando de formação. Ademais, estes negócios fazem frequentemente parte de cadeias de abastecimento complexas, o que pode colocar desafios para garantir a sustentabilidade ao longo de toda a cadeia. Por último, o cumprimento das regulamentações e certificações de sustentabilidade pode ser ainda mais complexo e demorado para este tipo de empresas e produtores porque os requisitos podem variar consoante as diferentes regiões e mercados.

Como os métodos de produção sustentáveis podem impactar os custos dos pequenos negócios e produtores no setor agroalimentar?

Os métodos de produção sustentáveis podem ter um impacto tanto a curto como a longo prazo nos custos das pequenas empresas e produtores agroalimentares, mas as práticas sustentáveis podem também criar várias oportunidades de poupança, apesar do investimento inicial e dos custos de transição.

A nível operacional, a implementação de práticas sustentáveis envolve frequentemente a otimização da utilização de recursos, como a água e a energia. Ao melhorar a eficiência, as empresas podem reduzir a despesa associada a esses fatores de produção. Por exemplo, a adoção de técnicas de agricultura de precisão pode ajudar a poupar fertilizantes, pesticidas e água. Em paralelo,

como os métodos de produção sustentável enfatizam a redução de resíduos, investindo nomeadamente em reciclagem e compostagem, as empresas e produtores reduzem a quantidade de matérias-primas que é preciso adquirir, a energia necessária para produzir, bem como os custos associados ao seu tratamento e deposição. A par disso, a adoção de práticas de eficiência energética pode resultar na redução do consumo de energia ao longo do tempo.

A nível regulatório, ao adotarem proativamente práticas sustentáveis, as empresas e produtores podem evitar penalizações, multas ou potenciais restrições de mercado associadas à não conformidade com as obrigações. Ao cumprir os requisitos de sustentabilidade e obter certificações relevantes, os pequenos negócios podem aceder a nichos de mercado, obter margens mais elevadas e ganhar uma vantagem competitiva. Além disso, esta postura pode ajudar a proteger a sua reputação e promove a resistência às alterações climáticas ao ajudar a evitar potenciais perdas e custos associados a quebras de colheitas ou a outras perturbações com origem nas condições climatéricas. De facto, as práticas sustentáveis contribuem para a viabilidade a longo prazo das empresas agroalimentares, preservando os recursos naturais, melhorando a fertilidade dos solos e assegurando a disponibilidade de fatores de produção a longo prazo, para além de reduzirem a dependência de fatores de produção externos e criarem resiliência face às mudanças na dinâmica do mercado, nomeadamente da energia.

Quais são as opções disponíveis para os pequenos negócios e produtores adotarem embalagens mais sustentáveis? Quais são os custos envolvidos nessa transição?

Algumas das abordagens mais utilizadas por pequenos negócios agroalimentares quando optam por embalagens mais sustentáveis passam por reduzir a quantidade de embalagens utilizadas, otimizando o design e eliminando materiais desnecessários (adotando o minimalismo); utilizar materiais amigos do ambiente, tais como plásticos à base de plantas (PLA), papel, cartão ou materiais de base biológica; optar por embalagens recicladas e recicláveis, ou biodegradáveis ou compostáveis; implementar sistemas em que as embalagens possam ser devolvidas/reutilizadas/recarregadas, quer pelos consumidores, quer através de um sistema de ciclo fechado; e escolher materiais para rótulos que sejam amigos do ambiente, como papel reciclado ou película de base biológica, e tintas alternativas às que têm origem no petróleo.

As embalagens mais sustentáveis também podem ser mais económicas. Apesar de os materiais em si serem frequentemente mais caros, a médio prazo podem tornar- se mais competitivos. A chave é o contributo para economias circulares através

da sua reintrodução em novas cadeias de produção de materiais de embalagem reciclados. Para isto, é importante trabalhar de perto com fornecedores e parceiros, de forma a garantir que progressivamente todos os materiais podem ser reutilizados. A mudança ocorre com a participação de todos os envolvidos na cadeia de abastecimento, repensando os processos e não apenas os materiais usados.

Como a preferência crescente pelo comércio local afeta os negócios agroalimentares? Quais são os desafios enfrentados em termos de logística e distribuição?

A preferência crescente pelo comércio local pode ter impactos positivos e negativos nas empresas agroalimentares. Nos primeiros, destacam-se o facto de proporcionar às empresas agroalimentares acesso direto a consumidores próximos, criando oportunidades de vendas diretas e das empresas realçarem a sua identidade local, sustentabilidade e pontos de venda, assim como reduzir a sua pegada de carbono por envolver geralmente cadeias de abastecimento mais curtas. Nos segundos, destacam-se a possibilidade de poder envolver custos mais elevados devido a operações de menor escala, maior intensidade de mão-de-obra e economias de escala limitadas, mas também a dificuldade de satisfazer a procura crescente, mantendo a qualidade do produto e o fornecimento consistente, e de colaborar com diferentes intervenientes, tais como agricultores, produtores, distribuidores e retalhistas.

Em termos de desafios na logística e distribuição, o comércio local requer o estabelecimento de ligações com uma gama diversificada de fornecedores e a gestão de múltiplas relações, tornando a cadeia de abastecimento mais complexa do que o comércio tradicional de longa distância. Também há a questão da disponibilidade sazonal, que pode levar a flutuações na oferta e a desafios para satisfazer a procura durante todo o ano. Outro obstáculo são as limitações de infraestruturas, tais como instalações de armazenamento inadequadas, opções de transporte e redes de distribuição, que podem afetar a eficiência e a fiabilidade das operações.

Quais são as estratégias eficazes para os pequenos negócios e produtores superarem os obstáculos financeiros associados à adoção de práticas sustentáveis?

Existem várias estratégias que podem ser aplicadas para ultrapassar estes obstáculos, tais como efetuar uma análise custo-benefício a longo prazo, procurar e concorrer a programas de financiamento e subsídios que apoiem iniciativas sustentáveis, bem como explorar incentivos e descontos fiscais; colaborar com fornecedores, parceiros ou empresas vizinhas para reunir recursos e partilhar custos; otimizar a gestão de recursos, nomeadamente através do investimento em soluções tecnológicas e de automação para reduzir a despesa; envolver os trabalhadores para participarem ativamente nos esforços de sustentabilidade; comunicar as iniciativas, o que pode gerar mais interesse e fidelização da parte dos consumidores; e obter certificações ou rótulos de sustentabilidade relevantes que podem melhorar a sua reputação, atrair consumidores com consciência ambiental e potencialmente aumentar as vendas. É importante que as pequenas empresas e produtores comecem por estabelecer prioridades e apostar em projetos mais pequenos e fáceis de gerir, e com base no seu potencial impacto financeiro para depois expandirem gradualmente os seus esforços de sustentabilidade à medida que os recursos o forem permitindo.

Quais são os programas de incentivo e apoio disponíveis para os pequenos negócios e produtores agroalimentares no que diz respeito à sustentabilidade? Como podem aproveitar esses recursos?

Os programas são específicos por setor, mas, conforme já foi referido, existem alguns apoios por exemplo para a transição para fontes de energia sustentáveis.

Como a colaboração entre os pequenos negócios e produtores pode ajudar a compartilhar custos e recursos na implementação de práticas sustentáveis?

A colaboração entre pequenas empresas e produtores pode ajudar a partilhar custos e recursos na implementação de práticas sustentáveis de diversas formas. Em primeiro lugar, ao realizarem compras conjuntas aumentam o poder para negociar melhores ofertas de materiais, equipamento ou serviços sustentáveis. Segundo, as empresas podem partilhar os custos de implementação de infraestruturas sustentáveis, tais como sistemas de energias renováveis ou instalações de gestão de resíduos, e beneficiar do seu usufruto em conjunto. Assim, pode minimizar-se a necessidade de investimentos individuais. Além disso, a colaboração permite a partilha de conhecimentos e práticas aprendidas no que diz respeito a práticas sustentáveis, pode aumentar as hipóteses de obter financiamento ou subsídios para projetos de sustentabilidade e oferece oportunidades de marketing e promoção conjuntos, diminuindo custos enquanto se alcança um público mais vasto de potenciais consumidores. Por fim, a colaboração entre os pequenos negócios e produtores reforça a sua voz coletiva na defesa de políticas que apoiam a sustentabilidade, aumentando o seu poder de influência junto dos decisores políticos para pressionar a criação de regulamentos ou incentivos que beneficiem as empresas envolvidas.

Quais são os benefícios a longo prazo para os pequenos negócios e produtores que investem em sustentabilidade? Como eles podem comunicar esses benefícios aos consumidores e obter vantagem competitiva?

O investimento na sustentabilidade pode trazer vários benefícios a longo prazo para as pequenas empresas e produtores sobre os quais já refleti.

Para comunicar os benefícios que advêm da aposta em sustentabilidade e obter uma vantagem competitiva, as pequenas empresas e produtores agroalimentares podem apostar numa comunicação transparente, simples e compreensível através de embalagens, redes sociais e outros canais de marketing; partilhar a história por detrás dos esforços de sustentabilidade da empresa, realçando os valores e a visão que impulsionam estas iniciativas; obter certificações e rótulos relevantes para demonstrar que as alegações de sustentabilidade são validadas por terceiros; colaborar com outras empresas sustentáveis, organizações sem fins lucrativos ou comunidades locais – o que pode melhorar a reputação da empresa e demonstrar um compromisso com objetivos de sustentabilidade mais amplo; educar e envolver os consumidores ao fornecer recursos que lhes permitam fazer escolhas informadas e participar ativamente em práticas sustentáveis; e acompanhar e partilhar os progressos efetuados nos esforços de sustentabilidade.

Quais são os exemplos de pequenos negócios e produtores agroalimentares que conseguiram superar os obstáculos financeiros e alcançar a sustentabilidade? Quais lições podem ser aprendidas com esses casos de sucesso?

Por vezes, existe a perceção de que as iniciativas de sustentabilidade para terem sucesso têm de ser muito complexas, com grandes investimentos e de difícil implementação. Mas, na verdade, vemos imensos exemplos de medidas de sustentabilidade implementadas em pequenas e médias empresas do setor agroalimentar, relativamente simples e com bons resultados tais como a promoção de uso eficiente de água e energia elétrica, a valorização económica de resíduos, a gestão consciente de resíduos sólidos, o incentivo de mudança nas deslocações dos colaboradores, o investimento na formação das equipas, a seleção de fornecedores de forma criteriosa, o uso de papel de forma racional e sustentável, a redução do impacto ambientar no transporte de produtos, o estímulo da cultura de partilha, entre outras.

Como a educação e a conscientização dos consumidores podem ajudar a valorizar e apoiar os pequenos negócios e produtores agroalimentares sustentáveis?

A educação e a sensibilização dos consumidores têm potencial para valorizar e apoiar as pequenas empresas e produtores agroalimentares sustentáveis no sentido em que podem contribuir para ajudar as pessoas a compreender a importância da agricultura sustentável e os impactos positivos que tem no ambiente, nas comunidades locais e na saúde pública. Ao poderem levar o público a reconhecer os benefícios de apoiar as pequenas empresas, as economias locais, a preservação da diversidade cultural, a promoção do comércio justo e a redução da pegada de carbono, a educação e a sensibilização levam as pessoas a adotar comportamentos de consumo sustentáveis, tais como a redução do desperdício alimentar, a escolha de produtos biológicos ou cultivados localmente, o apoio a mercados de agricultores e a participação em iniciativas de agricultura apoiada pela comunidade (CSA). No limite, a educação do consumidor pode capacitá-lo para defender mudanças políticas que apoiem as pequenas empresas e produtores agroalimentares sustentáveis. Além disso, a sensibilização pode realçar a qualidade e o caráter único da produção em pequena escala e promover a transparência e a confiança entre os consumidores e os pequenos negócios.

 

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