A oliveira e o comércio dos seus produtos acompanharam a evolução das civilizações do Mediterrâneo, o que engloba territórios do Sul da Europa, Norte de África e Oeste do continente Asiático.
Autoria:O que une culturas e costumes tão diversos é um clima comum, caracterizado essencialmente por invernos chuvosos e amenos, e verões quentes e secos. Estas condições climáticas favorecem determinadas culturas, mas também as tornam altamente vulneráveis às flutuações climáticas. Outro risco são as ameaças fitossanitárias emergentes. Tudo isto pode condicionar a continuidade de atividades agrícolas como até então vinham a ser desenvolvidas.
O efeito das alterações climáticas na produção de azeitona e de azeite não é claro devido às interações entre as técnicas culturais utilizadas e os fatores ambientais. Adicionalmente, existe o fenómeno de alternância de produção de frutos (típico do ciclo biológico da oliveira) que é reforçado por condições ambientais desfavoráveis.
Distribuição das áreas de cultura do olival
A distribuição dos olivais apresenta um gradiente de latitude bem definido (Figura 1). No Hemisfério Norte e bacia mediterrânica verifica-se um declínio progressivo para norte.
As alterações climáticas estão a provocar uma mudança na distribuição geográfica do olival. A médio prazo prevê-se que as regiões produtoras de olival se desloquem para latitudes mais a norte, tanto na Europa como na Califórnia (Dawson, 2024; Gambella et al., 2021). Por exemplo, em Itália, o número de olivais está a aumentar na região Norte enquanto que no Sul tem-se mantido estável com alguns focos de diminuição. Em Portugal, estudou-se a evolução do potencial produtivo da oliveira na região do Côa e uma das conclusões foi que os rendimentos potenciais ir-se-ão alterar drasticamente (Fraga et al., 2022). As zonas de maior altitude, atualmente desfavoráveis para a oliveira, no futuro poderão ter condições climáticas mais favoráveis para esta cultura. Contudo, será que as possíveis novas zonas de cultura compensam as que se irão perder? Em casos muito concretos poderão representar uma nova fonte de rendimento para alguns núcleos de população rural, mas outros condicionantes ao 2 desenvolvimento da cultura se levantam como, por exemplo, o teor nutritivo e profundidade dos solos, a sua capacidade de retenção de água e o custo de levar a rega aos olivais, os custos com a colheita, entre outros.
Temperatura e disponibilidade hídrica
Um dos efeitos mais estudado decorrente do fenómeno das alterações climáticas no Mediterrâneo é o aumento da temperatura. Nesta região, os verões caracterizam-se por ser quentes, mas durante as duas últimas décadas estão a tonar-se mais longos e intensos, perturbando os ciclos de crescimento de muitas culturas. A produção comercial de azeite em algumas áreas da Tunísia é bastante desafiante devido à escassez de água e elevada temperatura. Nessas condições, a data média de floração da variedade ‘Arbequina’ variou entre 3 de abril e 5 de maio, num período de 10 anos (2005 – 2015) (Elloumi et al., 2020). A oliveira, mesmo ao nível varietal, apresenta bastante flexibilidade para ajustar o seu ciclo às condições do ano. Não só o período de floração pode vir a ter diferenças superiores a um mês entre anos, como as alterações climáticas irão reduzir a duração das condições ótimas para a acumulação de frio, essencial para o ciclo reprodutivo (Rodríguez Sousa et al., 2020). A variabilidade genética existente em oliveira é uma importante ferramenta para mitigar os efeitos do aumento da temperatura. A ocorrência de temperaturas anómalas muito elevadas pode interferir com os processos de floração, vingamento do fruto, maturação da azeitona e síntese de ácidos gordos. Pode ficar também afetada a qualidade do azeite produzido tanto ao nível da qualidade da fruta ainda no olival como depois ao longo do processo de colheita, transporte e laboração no lagar.
Embora menos falado, mas os problemas com o comportamento atípico das temperaturas também podem ter origem em episódios de frio muito intenso. Na primavera de 2023, uma geada tardia provocou danos semelhantes a queimaduras nos novos crescimentos de oliveiras na região de Elvas (Figura 2). Manuelito et al. (2023) identificaram cinco tipos de sintomatologia num conjunto de variedades. A destruição dos ramos terminais danificou muitos dos gomos florais onde se iriam desenvolver as inflorescências e frutificação daquela campanha.
O stresse hídrico consegue reduzir tanto a produtividade como a qualidade dos produtos agrícolas, acelerar a degradação do solo e condicionar a capacidade das plantas para fixar dióxido de carbono (Bauwe et al., 2010; Wingler et al., 2000). Importa destacar que as altas temperaturas agravam os efeitos da escassez de água. A oliveira é uma espécie bastante resistente a climas secos durante a estação quente, mas existem fenofases críticas ao longo do seu ciclo anual durante as quais a disponibilidade de água é determinante para a produção de 3 frutos. Durante um período de 17 anos, em cinco regiões da província de Andalucía (sul de Espanha), recolheram-se dados de produção de azeitona e precipitação acumulada entre os meses de outubro a abril (Gratsea et al., 2022). Observou-se que os anos de menor produção de azeitona coincidiram com uma precipitação para o período referido inferior a 300 mm.
De acordo com os dados do último Recenseamento Agrícola, em 2019, a área de olival em Portugal continental era de 377 234 ha. Em 32% (119 445 ha) existia fornecimento de rega, e a restante área de olival encontrava-se em regime de sequeiro. A região com maior aplicação de rega era o Alentejo (104 701 ha). No Mediterrâneo, as chuvas ocorrem normalmente no outono e no inverno, mas nos últimos anos algumas áreas têm registado chuvas insuficientes, levando a secas prolongadas, enquanto outras sofrem com chuvas torrenciais que provocam inundações, erosão do solo e danos nas infraestruturas agrícolas (Rodríguez Sousa et al., 2020). Pode dizer-se que o olival em Portugal está assente em duas situações bastante frágeis ao nível da adaptação às alterações climáticas: a) a região produtora com maior peso a nível nacional está fortemente dependente da rega e refém de pouca diversidade genética dos novos investimentos; b) a maioria da área de olival em regime de sequeiro e dependente das condições climáticas dos anos, sendo os episódios de chuva cada vez mais irregulares e concentrados.
Incidência de pragas e doenças
As alterações climáticas também podem agravar a proliferação de pragas e doenças do olival. Nas regiões Norte e Centro de Itália têm sido reportados casos de queda prematura de azeitonas. A espécie exótica de percevejo, o Halyomorpha halys, foi indicada como um dos agentes causadores deste fenómeno e os efeitos dos ataques deste inseto são mais intensos antes de terminado o endurecimento do endocarpo (Daher et al., 2023). Após o endurecimento deste órgão, a queda prematura de frutos foi menos acentuada. Os frutos afetados pelo percevejo também experimentam alterações, principalmente ao nível dos compostos fenólicos, o que poderá ser um problema a acrescentar.
Por outro lado, a ocorrência de verões com temperaturas máximas cada vez mais elevadas coloca limitações à abundância da mosca da azeitona durante o desenvolvimento dos frutos e início da maturação. Este acontecimento será mais sentido em regiões mais afastadas da costa e de clima mais continental (Gratsea et al., 2022).
As perturbações no ciclo de vida das pragas e dos seus predadores naturais, juntamente com a capacidade de sobrevivência tanto das espécies existentes como das invasoras, provenientes de climas mais quentes, estão a configurar o que será a estratégia fitossanitária no futuro para o olival.
Modelos de previsão e delineamento de estratégias
A adaptação às mudanças mencionadas, e outras, exige progressos na tecnologia agrícola, juntamente com abordagens integradas, incluindo a gestão da água, a gestão de pragas e o melhoramento genético para desenvolver variedades mais resistentes a stresses bióticos e abióticos. Nos últimos anos tem sido feito muito trabalho de investigação ao nível da criação de modelos e cenários futuros. As longas décadas de recolha de dados (temperatura, produção, fenologia, incidência de ataque de pragas, etc.) foram essenciais para que na atualidade a informação pudesse ser processada com recursos a diversas ferramentas informáticas.
Na última década, a participação do INIAV em projetos nacionais e internacionais no âmbito da aplicação de novas tecnologias na agricultura (Agricultura 4.0), nomeadamente no olival, tem sido notória. A título de exemplo enumera-se:
• TecnOlivo – Tecnologias para a gestão e supervisão do cultivo da oliveira (https://www.tecnolivo.eu/pt-pt)
• OliVAis – Tecnologías Inteligentes para la Estimación Nutricional y de la Producción en el Olivar (https://www.tecnolivo.eu/pt-pt/olivais)
• OLEAdapt – Estratégia de gestão de pragas para a resiliência e sustentabilidade da olivicultura face às alterações climáticas
• OlivarIA – Robótica Cooperativa Inteligente Aplicada à Olivicultura de Precisão
• TID4AGRO – Tecnologias Avanzadas, innovadoras y digitales para el sector agroalimentario de la Euroace (https://tid4agro.eu/es)
Conhecer o potencial dos recursos genéticos
O melhoramento genético tem sido, desde há muito tempo, uma das ferramentas mais poderosas na agricultura para reduzir a vulnerabilidade do sector. O melhoramento de plantas desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de culturas resistentes a pragas e doenças, e tolerantes a condições climáticas adversas, como a seca, temperaturas elevadas e a salinidade.
À medida que as alterações climáticas intensificam os desafios acima mencionados, novas variedades capazes de resistir a tais condições são essenciais para garantir uma produção agrícola estável. Em relação à oliveira estima-se que existam mais de 3 000 variedades em produção na área circundante da bacia mediterrânica, além da também imensa riqueza genética existente nas formas selvagens desta espécie. Os programas de melhoramento não podem ser feitos “às cegas”. É necessário o estudo prévio da resposta dos materiais nos distintos ambientes porque, em função das suas regiões de origem e seleção, eles desenvolveram diferentes mecanismos de adaptação e/ou tolerância. Segue-se conseguir identificar e fazer a correspondência entre genótipo e característica de interesse. A partir daqui o percurso do melhoramento genético é traçado no sentido de juntar num único individuo as resistências necessárias para as condições desfavoráveis do meio.
Os genótipos têm de conseguir manter (ou até aumentar) níveis de produtividade perante vários desafios, biótico e/ou abiótico. O olival está sob forte pressão e a demanda por soluções ao nível da oferta varietal é muito diversificada na atualidade e no futuro porque as necessidades vão-se alterando com o tempo. Por exemplo, em Itália dois grandes problemas estão a pressionar a olivicultura: a presença de Xylella fastidiosa e a disponibilidade hídrica. As soluções encontradas têm de superar pelo menos estes dois problemas para permitir aos agricultores manter níveis de produção aceitáveis, contribuindo assim para a sustentabilidade do sector.
Não existe uma solução única, mas sim um conjunto de medidas que devem ser planeadas e implementadas a nível global. A resiliência da agricultura mediterrânica em geral, e da olivicultura em particular, face às alterações climáticas dependerá da capacidade dos 5 agricultores e dos governos para implementar soluções sustentáveis e inovadoras que garantam a produtividade a longo prazo sem a sobre-exploração dos recursos naturais.
Bibliografia:
Bauwe, H., Hagemann, M., & Fernie, A. R. (2010). Photorespiration: players, partners and origin. Trends in Plant Science, 15(6), 330–336. https://doi.org/10.1016/j.tplants.2010.03.006
Cimato, A., & Attilio, C. (2011). Worldwide diffusion and relevance of olive culture (pp. 1–21).
Dawson, D. (2024, October 13). Filippo Berio Exec forecasts production rebound, falling prices. Olive Oil Times.
Elloumi, O., Ghrab, M., Chatti, A., Chaari, A., & Ben Mimoun, M. (2020). Phenological performance of olive tree in a warm production area of central Tunisia. Scientia Horticulturae, 259, 108759. https://doi.org/10.1016/j.scienta.2019.108759
Fraga, H., Guimarães, N., Freitas, T. R., Malheiro, A. C., & Santos, J. A. (2022). Future Scenarios for Olive Tree and Grapevine Potential Yields in the World Heritage Côa Region, Portugal. Agronomy, 12(2), 350. https://doi.org/10.3390/agronomy12020350
Gambella, F., Bianchini, L., Cecchini, M., Egidi, G., Ferrara, A., Salvati, L., Colantoni, A., & Morea, D. (2021). Moving toward the north? The spatial shift of olive groves in Italy. Agricultural Economics (Zemědělská Ekonomika), 67(4), 129–135. https://doi.org/10.17221/467/2020-AGRICECON
Gratsea, M., Varotsos, K. V., López-Nevado, J., López-Feria, S., & Giannakopoulos, C. (2022). Assessing the long-term impact of climate change on olive crops and olive fly in Andalusia, Spain, through climate indices and return period analysis. Climate Services, 28, 100325. https://doi.org/10.1016/j.cliser.2022.100325
Manuelito, M. C., Inês, C., Pragana, J., & Cordeiro, A. M. (2023, October). Implicações das condições climáticas extremas ao início da primavera na oliveira. Vida Rural, 70–75.
Rodríguez Sousa, A. A., Barandica, J. M., Aguilera, P. A., & Rescia, A. J. (2020). Examining Potential Environmental Consequences of Climate Change and Other Driving Forces on the Sustainability of Spanish Olive Groves under a Socio-Ecological Approach. Agriculture, 10(11), 509. https://doi.org/10.3390/agriculture10110509
Wingler, A., Lea, P. J., Quick, W. P., & Leegood, R. C. (2000). Photorespiration: metabolic pathways and their role in stress protection. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences, 355(1402), 1517–1529. https://doi.org/10.1098/rstb.2000.0712