Na véspera de mais uma edição da Reunião Geral da Indústria (RGI), promovida pela IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais, o secretário-geral Jaime Piçarra revela a importância deste encontro para o setor.

Este ano, o evento foca-se na Inovação & Digitalização, como resposta aos desafios da competitividade e sustentabilidade da produção pecuária, num momento de elevada instabilidade geopolítica e transformações políticas na União Europeia.A RGI, que se realiza no dia 21 de maio de 2025 na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, promete trazer à discussão soluções tecnológicas aplicadas à alimentação animal e estreitar laços entre indústria, investigação e academia.

Qual é o propósito da Reunião Geral da Indústria promovido pela IACA?

A IACA organiza tradicionalmente dois eventos anuais, um de carácter mais político e económico, a Reunião Geral da Indústria (RGI), em que procuramos temas de atualidade e que estejam a ser discutidos em Bruxelas, mais informativos e de discussão das posições da IACA ou da FEFAC, na defesa dos interesses da Indústria, e um outro, mais técnico, que realizamos no segundo semestre de cada ano, que são as Jornadas de Alimentação Animal, que em 2025 já celebram 14 anos de existência.

Jaime Piçarra – Secretário-geral da IACA

Na RGI procuramos abordar um tema central, o ano passado dedicámos o evento ao tema da Comunicação, no qual tivemos o prazer de contar com a Voz do Campo, e este ano será dedicado à Inovação e Digitalização e às soluções/ferramentas disponíveis para a Indústria, que permitam mitigar ou responder a desafios relevantes como a melhoria da competitividade e da sustentabilidade. Numa perspetiva mais global, como é que a Indústria pode contribuir para a competitividade e sustentabilidade da produção pecuária, pela sua importância nos custos de produção e na saúde e bem-estar animal.

Para quem é direcionado?

O evento é direcionado para todos os operadores das fileiras da alimentação animal e pecuária, com destaque para os associados da IACA que, em muitos casos, estão integrados na atividade, com explorações pecuárias e/ou unidades de abate, ou com ligações quer a montante, quer a jusante. Fornecedores, empresas, clientes, administração pública, academia e investigação, e empresas que exerçam a atividade no setor agroalimentar, porque existem temas (e desafios) transversais ou horizontais, todos são convidados a participar e são muito bem-vindos. Uma vez mais, aprofundando a ligação entre as empresas e a Universidade, escolhemos a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lisboa – também nossos parceiros no FeedInov) e convidamos os alunos a estarem presentes porque também teremos uma excelente apresentação da parte dos Professores André Almeida e Ricardo Braga, do Instituto Superior de Agronomia.

Subordinada ao tema “Inovação & Digitalização – Ferramentas para a Competitividade e Sustentabilidade”. Qual a razão do tema escolhido? De que forma vai ser tratado? O que pode destacar do programa?

Sabemos que o tema da sustentabilidade não vai sair da agenda política europeia e global, pese embora as relações tensas com os Estados Unidos e a atual agenda da Administração norte-americana parecer não estar alinhada com a sustentabilidade. No entanto, existe uma agenda global que está preocupada, bem como a necessidade de se agilizar procedimentos ao nível da regulamentação. A simplificação tem de ser vista como um objetivo para sermos mais competitivos face à China e EUA, e é também por isso que o relatório Draghi não pode ser esquecido e também tem de ser tido em conta no setor agroalimentar, designadamente no quadro da Visão da Comissão Europeia sobre a Agricultura e Alimentação. Por outro lado, temos ainda o combate às alterações climáticas e os temas ambientais, que continuarão a condicionar a nossa atividade, agora numa ótica mais realista, de maior equilíbrio entre ambiente e produção de alimentos. E bem sabemos que só é possível sermos mais eficientes, otimizarmos a gestão dos recursos disponíveis, apostar na economia circular, sermos sustentáveis nos seus diferentes pilares, com o recurso à tecnologia disponível, pelo que a inovação é absolutamente fundamental, com experimentação e conhecimento.

Do programa, destacaria, na parte da manhã, os temas de enquadramento sobre os desafios que temos pela frente: a Visão da Indústria da alimentação animal sobre o futuro da Agricultura e da Alimentação, que está a ser debatida em Bruxelas, na sequência do Diálogo Estratégico, a apresentação dos relatórios de sustentabilidade (ESG), a medição da pegada ambiental e a utilização da Data Science na produção vegetal e animal, quer na componente empresarial, quer do ponto de vista do meio académico. Na parte da tarde, temos apresentação de soluções que já estão disponíveis ou em fase de investigação para serem utilizadas ao longo da cadeia alimentar, para responder aos desafios que temos pela frente.

Destaque também para uma Mesa-Redonda na qual, por exemplo, a DGAV vai apresentar uma nova plataforma de ligação e comunicação com os operadores, nomeadamente o Mais SIPACE. Mas também se irá falar de eficiência no processo de fabrico, das emissões de gases com efeito de estufa e a utilização do equipamento Greenfeed, ou de robótica e computação aplicadas ao nosso setor.

Qual é a importância deste evento para a indústria de alimentos compostos para animais em Portugal e como ele contribui para o fortalecimento da competitividade e sustentabilidade do setor?

Estes eventos permitem que o setor conheça com mais detalhe o que está a ser feito na área da tecnologia, inovação, robótica, de forma a permitir uma utilização mais eficiente de recursos, tendo em vista a aposta numa alimentação cada vez mais de precisão e mais circular, o que não é novidade porque a indústria nasceu da utilização de coprodutos, rentabilizando as matérias-primas que não eram canalizadas para a alimentação humana. E atualmente somos reconhecidos precisamente por estas mais-valias e no combate ao desperdício alimentar. Veremos se conseguimos atingir o objetivo, mas espero que sim, até pelo potencial que nos dá a inteligência artificial e a gestão de tanta informação disponível para que as empresas possam tomar as melhores decisões e estratégias em cada momento.

Como a digitalização pode ser aplicada ao setor de alimentos compostos para animais?  Qual é o impacto esperado em termos de eficiência e sustentabilidade?

Antes de mais importa referir que nada disto é assim tão revolucionário para o nosso setor. A digitalização já existe e aqui a novidade é a sua generalização e aplicação ao dia-a-dia das empresas. A digitalização permitirá um apoio na gestão e nas decisões a tomar em cada momento, desde a compra das matérias-primas e controlo de qualidade das mesmas, ao longo de todo o processo de fabrico, na granulação e produto acabado, nas medições e monitorização de processos até á gestão das reclamações e relação com os clientes. Já existem empresas que têm uma gestão de stocks interligada com as explorações pecuárias e dos clientes, permitindo saber as necessidades e gerir as encomendas de uma forma mais eficaz, com menos tempos de espera e melhores resultados. Aliás, os relatórios de sustentabilidade das empresas estão aí para demonstrar resultados muito satisfatórios, desde a redução das emissões, utilização de energias renováveis, eficiência na utilização de água, e melhores índices de rentabilidade e de conversão. E vemos que as preocupações não estão centradas apenas nas questões económicas e ambientais, mas também sociais, éticas e de apoio constante às comunidades onde as empresas estão inseridas.

Nesse sentido, qual tem sido a adesão dos associados da IACA na incorporação das novas tecnologias e ferramentas digitais?

A adesão tem sido relativamente rápida porque existem muitas empresas de prestação de serviços a oferecerem muitas soluções e algumas delas vão ter a oportunidade de as apresentarem nesta RGI, sem qualquer intuito comercial, mas apenas de conhecimento e de discussão de conceitos e metodologias. Por outro lado, a concorrência no mercado obriga as empresas a estarem posicionadas na linha da frente do acesso a novas tecnologias. Temos ainda metas como as definidas pela Estratégia do Prado ao Prato e que se prendem com a redução da utilização de antimicrobianos, ou a redução das emissões de GEE, ou no quadro do PEPAC, o ecoregime ligados à eficiência alimentar, no qual a IACA e o FeedInov tiveram um papel importante no desenho da medida, e também o bem-estar animal. Todas estas medidas exigem maior responsabilidade e um melhor desempenho por parte das empresas, para além das necessidades do mercado e os desafios societais, que passam por uma imagem mais favorável dos produtos de origem animal junto dos consumidores e por novas regras de bem-estar animal. E precisamos cada vez mais de factos e de dados que os comprovem, pelo que estas ferramentas são essenciais, senão mesmo decisivas, para atingirmos esse objetivo.

O que a IACA tem feito para apoiar os seus associados na transição para práticas mais sustentáveis?

Temos produzido diversos Guias, Manuais de boas práticas, ou estudos, sendo um deles bastante relevante e que realizámos no quadro do Projeto SANAS, cofinanciado pelo Alentejo 2020, intitulado “Competitividade dos Alimentos Compostos para Animais da Região do Alentejo – A Estratégia Do Prado ao Prato”, muito centrado nas questões da competitividade e sustentabilidade e como é que as empresas da região viam, em 2022, a implementação da Estratégia da Comissão. As conclusões são muito interessante e podem ser consultadas no site do SANAS, bem como todos os manuais produzidos no Projeto, de grande valor quer para as empresas da região do Alentejo, mas que foram extrapoladas e amplificadas para todo o universo da indústria da alimentação animal, associadas e não associadas na IACA.  Tudo isto para além da realização de eventos em que falamos de temas de atualidade, da discussão da legislação, em Portugal e Bruxelas, ou a ligação a projetos como por exemplo o InsectERA, em que procuramos novas fontes de proteína, neste caso a partir de insetos, o FeedValue, na valorização de coprodutos das indústrias alimentares, o Living Lab, na área da valorização dos efluentes pecuários, ou o HubRAM, sobre a redução da utilização de antibióticos na alimentação animal e a problemática da resistência antimicrobiana. Temos ainda a promoção da utilização de soja sustentável, de acordo com as orientações da FEFAC, ou a medição da pegada de carbono, com a metodologia GFLI, um tema que vai merecer especial atenção na Reunião Geral da Indústria. Estamos igualmente empenhados na chamada rotulagem verde ou “Green Labeling”. Por último, a implementação do FeedInov, um Laboratório Colaborativo que foi pensado para reforçar a ligação entre as empresas, a investigação e a academia, para fornecer ideias e soluções para práticas mais sustentáveis ao serviço da indústria da alimentação animal.

Qual é o ponto de situação do setor em Portugal?

A alimentação animal continua a ser uma atividade muito relevante para a economia nacional, representando 2,3 mil milhões de €, o segundo maior setor do agroalimentar, a seguir às carnes (3,9 mil milhões de €). De resto, a indústria pecuária (carne, leite e alimentação animal) têm um peso de 45% no agroalimentar nacional, o que significa que não é possível definir qualquer estratégia sem ter em conta as posições destes setores e o seu tecido empresarial. A indústria tem sido resiliente, sabendo adaptar-se às dificuldades recentes, nomeadamente a pandemia e as consequências da guerra da Ucrânia em que fomos obrigados a encontrar alternativas num curto espaço de tempo. A montante, temos uma dependência crónica no abastecimento de matérias-primas para a alimentação animal, em que por exemplo nos cereais, necessitamos de importar 80% das necessidades, o que nos torna demasiado expostos aos riscos e volatilidade.

Por isso, o tema da SILOPOR e o funcionamento das operações portuárias é tão importante. Urge aumentar a produção nacional para reduzir esta dependência. A jusante, sentimos as dificuldades dos produtores pecuários, como os licenciamentos das explorações, o bem-estar animal, as zoonoses e a biossegurança. Temos potencial para o crescimento dos efetivos, mas os custos de contexto e a burocracia, bem como alguma imagem negativa da produção animal, aliada a constrangimentos de natureza ambiental, limita as ambições e o crescimento do setor. O ano de 2024 foi relativamente positivo, melhor que o anterior, com preços de matérias-primas mais favoráveis e competitivos e preços dos produtos animais valorizados. No entanto, a tendência continua a ser de uma relativa concentração da atividade e a redução do chamado “mercado livre”, ou seja, temos cada vez mais uma produção integrada ou contratualizada.

Quais são as grandes dificuldades que os produtores enfrentam?

Penso que podemos integrar esta pergunta com a anterior. Temos ainda receios quanto aos custos da energia, a falta de mão-de-obra e os seus custos, a evolução da economia, as rotas do Mar Negro e do Mar Vermelho, a evolução do conflito na Ucrânia, de onde importamos 45% do milho que consumimos e como é óbvio toda esta indefinição geopolítica e de tensões internacionais.

No momento de grande indefinição geopolítica e comercial, quais   as principais preocupações da IACA em relação à competitividade do setor pecuário e de alimentos compostos para animais na União Europeia?

Nesta conjuntura de grande indefinição e com as tarifas impostas pelos EUA aos produtos europeus, desde logo ao alumínio e aço, e face à eventual retaliação da União Europeia, temos logo a preocupação dos aumentos de preços no milho e soja, duas das matérias-primas de base, mas igualmente alguns aditivos como a lisina, diversos coprodutos e os coccidiostáticos, que significam desde logo aumentos de preços das rações e consequentemente ao longo de toda a cadeia alimentar. Neste momento tudo está suspenso até 14 de julho e continuamos a apelar às negociações entre a União Europeia e os EUA, mas todos já percebemos que temos de encontrar alternativas e parceiros confiáveis. Por isso, os acordos de comércio livre com o Mercosul, Chile, Canadá, México e com os países asiáticos tenderão a prosseguir em ritmo acelerado. O acordo com a Ucrânia, que termina em junho é outra preocupação porque muitos países vizinhos querem o regresso ao regime de contingentes pautais. Podemos falar igualmente na necessidade de aprovação das Novas Técnicas Genómicas e o dossier da desflorestação, que tem de ser simplificado, para que não tenham disrupções no aprovisionamento de matérias-primas para a nossa Indústria. Uma vez que as matérias-primas são essenciais para a competitividade do nosso setor e este tem um enorme impacto na pecuária, tudo o que signifique um constrangimento no abastecimento compromete a viabilidade de toda a Fileira. Por último, preocupa-nos as sucessivas campanhas de desinformação sobre o consumo de produtos animais e o impacto da produção animal no futuro do Planeta. Defendemos o direito à livre escolha, mas também o dever de informar com bases científicas. Contra a demagogia, o ruido e os fundamentalismos.

No seguimento da cobertura detalhada e atenta que tem vindo a realizar sobre os principais acontecimentos do setor agroalimentar, a revista Voz do Campo estará presente na Reunião Geral da Indústria promovida pela IACA, no dia 21 de maio de 2025, acompanhando na íntegra todos os momentos do encontro. Levaremos até aos nossos leitores e seguidores toda a informação relevante, as principais intervenções e os destaques do evento, reforçando o nosso compromisso de informar, valorizar e dar VOZ à fileira da alimentação animal e produção pecuária em Portugal.

→ Consulte aqui o programa

Informação relacionada:

Reunião Geral Indústria 2025 – IACA (21 de maio)

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