O colostro é um fluido produzido pela progenitora imediatamente após o parto, essencial para a sobrevivência de todos os mamíferos.

No entanto, contrariamente ao que acontece com os primatas, os lagomorfos e os carnívoros, nas espécies bovina, ovina, caprina, suína e equina, não ocorre transferência de macromoléculas (ex. anticorpos) através da placenta, pelo que dependem da ingestão do colostro para garantir a transferência de imunidade passiva (TIP). Assim, até ingerirem o colostro, os neonatos destas espécies apresentam um sistema imunitário deficitário, não sendo capazes de produzir uma resposta específica contra os agentes patogénicos presentes no ambiente. Desta forma, a rápida ingestão de colostro, em quantidades adequadas ao peso do animal, de elevada qualidade imunológica (níveis de anticorpos elevados, ex. IgG ≥ 50 g/L) e microbiológica (contagens de microrganismos baixas, ex. viáveis totais < 10 000 UFC) é fundamental para atingir uma adequada TIP. Para a avaliação da TIP, é necessária a colheita de uma amostra de sangue do animal para análise da concentração das imunoglobulinas G (IgG) ou das proteínas totais. Apesar de ser possível diferenciar a TIP em mais do que um nível, a principal classificação utilizada é a divisão entre o sucesso (STIP) e a falha na transferência de imunidade passiva (FTIP; Tabela 1).

Vários estudos têm vindo a demonstrar que animais com FTIP apresentam taxas de morbilidade (% animais doentes) e mortalidade (% animais que morreram) superiores a animais com STIP.

Na verdade, o período neonatal é uma das fases mais críticas para o correto desenvolvimento do animal em várias espécies, com taxas de morbilidade e mortalidade mais elevadas. As principais causas destes problemas são a subnutrição, hipoxia (associada a partos distócicos), hipotermia, infeções e lesões. A ingestão do colostro pode contribuir diretamente para evitar pelo menos três destas. Além da concentração elevada em anticorpos e outras proteínas com propriedades antimicrobianas, o colostro apresenta também um elevado teor de proteína e de gordura, suficiente para regularizar situações de hipotermia e hipoglicémia e fazer face à elevada renovação proteica que ocorre no recém-nascido.

Tabela 1. Valores limite para a falha na transferência de imunidade passiva (FTIP) em diferentes ruminantes.

Assim, a ingestão do colostro e a consequente TIP assumem um papel importante para os atuais objetivos de produção, contribuindo para a diminuição da resistência aos antimicrobianos (RAM), para o aumento da eficiência de crescimento e para a melhoria do bem-estar animal.

A RAM constitui atualmente, uma grande preocupação de saúde pública. Considerando as elevadas taxas de morbilidade no período neonatal, o uso de antimicrobianos nesta fase é também recorrente. Apesar do uso responsável de antimicrobianos ter vindo a aumentar, a prevenção da doença assume-se como o mecanismo central na redução da RAM.

Uma das formas mais eficientes de prevenir a doença no período neonatal é através de uma adequada TIP. Neste caso, a TIP ocorre como uma “vacinação natural”, na qual os meios de defesa contra os agentes patogénicos com que a progenitora esteve em contacto são transmitidos à descendência. Estes animais adquirem a capacidade de produzir uma resposta imune mais eficaz, quando em contacto com estes agentes, reduzindo assim a necessidade do uso de antimicrobianos.

Além dos prejuízos monetários associados ao tratamento da doença, não são de menosprezar os custos metabólicos associados a este estado fisiológico, pois parte dos nutrientes ingeridos serão redirecionados do crescimento para combater a infeção e recuperação dos danos colaterais inerentes ao processo inflamatório. Os animais jovens apresentam um crescimento mais acentuado, principalmente nos primeiros meses de vida, até atingirem o ponto de inflexão no momento da maturidade sexual. Assim, principalmente em sistemas de recria intensivos, a perda no ganho-médio-diário associada ao período de enfermidade, pode efetivamente repercutir-se em custos diretos através da comercialização de animais com pesos inferiores e indiretos através do prolongamento do período de recria em animais destinados à reprodução.

Por fim, a dor experienciada pelo animal jovem é um aspeto relevante para o bem-estar animal, que pode acarretar consequências motoras e/ou cognitivas que perduram durante a sua vida. A par da dor, outros aspetos derivados da doença, como a subnutrição, desconforto e hipotermia, são também distúrbios que devem ser evitados, em relação a todos os animais jovens. Tal é possível mediante uma gestão adequada do colostro na exploração, sobretudo nos sistemas em que o fornecimento do mesmo não é realizado diretamente pela progenitora. Os animais deverão crescer livres de dor e desconforto, permitindo, desta forma, maximizar o seu desempenho produtivo.

A TIP assume um papel crucial para a sustentabilidade da produção e para o bem-estar animal, principalmente através da prevenção de doenças, reduzindo assim, os custos associados e o uso de antimicrobianos, potencializando níveis ótimos de crescimento de uma forma mais eficiente.

Deste modo, uma correta gestão do colostro é essencial na gestão da exploração, de modo a garantir níveis de TIP elevados em todos os animais, independentemente da sua finalidade produtiva.

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Autoria: Flávio Silva¹,²,³, Cristina Conceição², Joaquim Cerqueira¹,³ e Severiano Silva¹

¹ CECAV – Centro de Ciência Animal e Veterinária, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
² MED – Instituto Mediterrâneo para Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, Universidade de Évora
³ CISAS – Centro de Investigação e Desenvolvimento em Sistemas Agroalimentares e Sustentabilidade, Instituto Politécnico de Viana do Castelo

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