Realizou-se no passado dia 21 de maio, na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, a Reunião Geral da Indústria, promovida pela IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais, sob o tema “Inovação & Digitalização: Ferramentas para a Competitividade e Sustentabilidade”.

Num momento marcado por instabilidade geopolítica global, incertezas nas políticas da União Europeia, discussões sobre o Quadro Financeiro Plurianual e uma nova visão para a Agricultura e Alimentação, o setor agroalimentar — com especial destaque para a pecuária — vê-se confrontado com desafios significativos. Neste contexto, a atual Comissão Europeia tem apostado na inovação e digitalização como respostas estratégicas para promover a competitividade e a sustentabilidade das empresas. Com este cenário, os intervenientes na Reunião Geral da Indústria da IACA analisaram os desafios e oportunidades que se colocam ao setor da alimentação animal, com especial abordagem na inovação tecnológica como motor de transformação.

Coube a Paulo Gomes, diretor da Voz do Campo, a moderação da transmissão em direto do evento, conduzindo os trabalhos ao longo de todo o dia.

A sessão teve início com uma breve intervenção de Jaime Piçarra, secretário-geral da IACA, que apresentou o enquadramento do tema: “Todos os anos escolhemos um tema para a nossa Reunião Geral da Indústria. Este ano escolhemos a inovação e digitalização. Numa altura em que estamos a discutir e vamos hoje ouvir aqui durante a manhã e tarde temas tão importantes como a competitividade e a sustentabilidade, vamos ter oradores que vão falar de relatórios de sustentabilidade, da visão sobre a agricultura e alimentação (…) e, portanto, a alimentação animal é importante ao longo da cadeia alimentar. E seguramente só com inovação, com tecnologia e com digitalização é que é possível atingir esse objetivo”.

A sessão de abertura contou com a intervenção do anfitrião, Rui Caldeira, presidente da Faculdade de Medicina Veterinária, que deu as boas-vindas aos participantes. “É sempre um gosto receber a IACA. A atividade da indústria de alimentos compostos é essencial não só para satisfazer as necessidades nutricionais dos animais, mas também para o seu conforto e bem-estar. Os alimentos compostos evoluíram imenso em qualidade e eficiência, chegando a níveis de proximidade com a alimentação humana”. Rui Caldeira alerta ainda para a crescente pressão social sobre a produção animal: “Sabemos que a imagem da produção animal é alvo de ataques crescentes por partes marginais, mas muito ativas da sociedade. Temos de estar atentos e saber defender esta fileira”.

Visão estratégica da IACA e os desafios do mercado.

Já José Romão Braz, presidente da IACA, sublinha a importância de refletir sobre o futuro do setor da alimentação animal e de continuar a acrescentar valor. Sobre o tema da Reunião, inovação e digitalização, destaca que “não são novidade para nós, nós estamos sempre a falar deles, mas são incontornáveis. E mais do que a nossa atenção, exigem a nossa proatividade, enquanto empresas e enquanto setor”.

Relativamente à volatilidade dos mercados das matérias-primas, o presidente da IACA aponta que “os anos passam e nós dizemos às vezes as mesmas coisas, mas por razões distintas”. Apesar da relativa calmia atual, alertou para o facto de que “a nossa dependência da importação de matérias-primas é uma realidade que não vai desaparecer”. Por isso, insistiu na necessidade de estar atento aos riscos de disrupção das cadeias de abastecimento, “seja por questões tarifárias, como agora está na ordem do dia, por questões logísticas ou questões geopolíticas”.

José Romão Braz reforça o apelo ao comércio livre e explica que “a posição oficial da IACA e da FEFAC a nível europeu é que não concordamos que os produtos agrícolas sejam utilizados como resposta a tarifas impostas noutros setores de atividades”. Para o presidente da IACA, isso “é pôr em causa a alimentação e o preço dos alimentos na União Europeia”. É essencial garantir “comércio livre, canais de abastecimento estáveis” e que “os vários operadores da cadeia de valor pensem na armazenagem”, criando “stocks estratégicos” e fazendo “análise de risco”.

Apesar das incertezas, José Romão Braz sublinha que “a parte boa disto tudo é que os produtos de origem animal estão com uma valorização no mercado que há muito não vimos e é transversal às várias espécies”.

Sobre a regulação, referiu que “apesar da aparente alteração por parte da Comissão Europeia relativamente ao sentido da maior simplificação destas iniciativas designadas do Omnibus e do Cut the Red Tape, o nosso setor continua perante uma avalanche regulatória que importa acompanhar, condicionar e condicionar de forma responsável”. Para José Romão Braz, “é imperativo que as políticas promovam um equilíbrio realista entre as exigências ambientais e a necessidade de produzir alimentos com respeito pelo bem-estar animal, mas sem comprometer a nossa soberania alimentar, quer nacional, quer europeia”.

Na sua intervenção o presidente da IACA aborda ainda os dossiers essenciais, como o Regulamento Europeu Anti – Desflorestação, as novas técnicas genómicas, a PAC e o PEPAC a nível nacional. Sobre o EUDR, frisa que “é urgente publicar o diploma nacional adiado com a queda do governo”, incluindo “uma comissão de acompanhamento entre as autoridades e os setores abrangidos pela diretiva”. Neste contexto, José Romão Braz destaca também a “necessidade de reforçar os quadros de DGAV e do ICNF para assegurar controles eficazes e céleres que não ponham em causa o normal funcionamento do setor”.

No que respeita ao acordo entre a União Europeia e a Ucrânia, o presidente da IACA expressa preocupação: “É legítimo discutir limites à importação, por exemplo, de carnes de aves, mas nos cereais somos, obviamente, contra qualquer tipo de contingente”. Alerta que “restringir o acesso a cereais no momento, este seria um erro estratégico grave, com reflexo imediato nos preços”. Sobre a armazenagem nacional, lembra o dossier da SILOPOR, que “ficou adiado com a questão da queda do governo, mas vai para além disso”. O presidente da IACA sublinha que “é preciso reforçar a capacidade de armazenagem nacional, e uma vez mais nos vários operadores ao longo da cadeia” e rejeitou que “se imponham restrições internas em nome da segurança e da sustentabilidade e que depois também não seja aplicado ao que vem dos Países Terceiros”. Ao concluir a sua mensagem, valorizou o debate europeu sobre o futuro da agricultura e alimentação, no qual a FEFAC participa, mencionando a criação “de um grupo de trabalho para discutir o futuro da pecuária”. José Romão Braz considera esta “uma oportunidade única para recolocar a atividade pecuária no centro do debate político europeu, devolvendo ânimo, viabilidade e valorização social”. Para que a transformação se concretize, defende que “precisamos de mostrar com orgulho a imagem moderna e responsável da nossa indústria, apostar na inovação e sustentabilidade que são por isso a chave, não como slogans, mas como prática concreta”.

Políticas públicas equilibradas e ciência como base para a competitividade

O presidente da IACA reforçou ainda que o setor necessita “de tecnologia, de conhecimento, de investimento e precisamos de políticas públicas que não nos amarguem, nos licenciamentos, na burocracia ou nas restrições que tiram margem às empresas e escolha aos consumidores quando não têm por base a ciência”.

José Romão Braz termina afirmando que “Portugal e Europa não podem continuar a dar tiros nos pés, em nome de objetivos mal calibrados”. Para ele, “a nossa missão é clara, ser parte ativa das soluções, construir pontos entre a tecnologia, a sustentabilidade e a produção eficiente de alimentos”.

Visão da DGAV: Digitalização como ferramenta essencial para eficiência e gestão de dados

Nas palavras de Ana Paula Garcia, da Direção Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV), “é um prazer estar presente num evento que se foca num tema tão importante e atual como a inovação e digitalização e as ferramentas para a competitividade e a sustentabilidade”. Sobre a transformação digital no setor agroalimentar, sublinha que “teremos a oportunidade de explorar a transformação digital que está a acontecer, bem como os processos inovadores associados à indústria agroalimentar, fundamentais para o futuro da agricultura, pecuária, alimentação e sustentabilidade dos sistemas produtivos”. Falando sobre o papel da DGAV, explica que a instituição, como Autoridade Fitossanitária Nacional e Sanitária Veterinária, “tem um papel crucial nesta jornada de apoio e parceria com o setor”.

Ana Paula Garcia destaca a digitalização como ferramenta essencial para “melhorar a eficiência dos processos e otimizar a gestão dos dados”. A par disso, reconhece que “todos sabemos que temos muitos dados, mas tratá-los para tomar decisões fundamentadas é fundamental”. Por isso, “a digitalização é importantíssima para reforçar a sustentabilidade em todos os níveis da cadeia produtiva, começando pela administração”.

A necessidade de uma comunicação rápida e eficiente entre administração e setor foi também realçada: “É preciso uma interação cada vez mais célere entre a administração e os operadores económicos, para permitir respostas rápidas, transparência e alinhamento com um mercado dinâmico e global”.

A digitalização possibilita “uma monitorização rigorosa e em tempo real das atividades agroalimentares, promovendo maior rastreabilidade e facilitando decisões informadas por parte da administração e dos agentes económicos”. Isto traduz-se numa “maior capacidade de prevenção e resposta a riscos sanitários e fitossanitários, assegurando a proteção da saúde pública, do ambiente e do bem-estar anima”.

Ana Paula Garcia frisa ainda que a administração pública “tem um papel fundamental, não só como reguladora, mas também promovendo a inovação e a investigação aplicada”. Destacou o compromisso com a inovação: “Criando condições para adoção e desenvolvimento de novas tecnologias, através de políticas públicas orientadas para investimento estratégico e colaboração com centros de investigação, universidades e empresas, a administração deve contribuir para o avanço da agroindústria”. Este compromisso, conclui Ana Paula Garcia, “permite transformar desafios em oportunidades, impulsionando a modernização do setor, promovendo a sustentabilidade e reforçando a competitividade nacional, no contexto europeu e global”.

A sessão contou com um painel de prestigiados oradores nacionais e internacionais, entre os quais Pedro Cordero (FEFAC), Delanie Kellon (GFLI), Ana Cláudia Coelho (PwC), Carlos Piñero, Wilson Marto (HRV) e Tom Dale (AB Vista). Foram também palestrantes investigadores do Instituto Superior de Agronomia, como o professor Ricardo Braga e André Almeida. O evento culminou com uma mesa- -redonda moderada por Ana Sofia Santos (FeedInov), que promoveu a partilha de soluções práticas e inovadoras em diferentes áreas da fileira agroalimentar. Participaram Ana Garcia (DSM), José Santos Silva (INIAV), José Manuel Costa (DGAV) e Filipe Neves dos Santos (INESC TEC).

“A competitividade é essencial para garantir o futuro do setor”

Pedro Cordero, da FEFAC – Federação Europeia dos Fabricantes de Alimentos, foi um dos ilustres oradores e abordou os principais temas da agenda europeia para a alimentação animal, começando pelos casos de anti-dumping em aditivos como a lisina, que afetam os preços do setor. “Temos regulações da Europa com impacto especial na nossa atividade, nomeadamente o regulamento da deflorestação, que ainda está a ser debatido e onde queremos alcançar simplificações”, afirma Pedro Cordero.

Outro ponto destacado foram as alterações no comércio internacional, com as tarifas impostas pelos Estados Unidos a certos produtos. “A resposta da União Europeia é impor também tarifas a produtos dos EUA para importação na Europa, muitos deles essenciais para a nossa atividade, especialmente matérias-primas agrícolas para produção de proteína vegetal, que temos grande necessidade de importar”, considera.

Sobre a visão futura da UE para a agricultura e alimentação, Pedro Cordero explica que “agricultura e alimentação são agora parte estratégica da política europeia, baseada na simplificação e harmonização das regulações, e na valorização do setor para as novas gerações que não querem trabalhar no campo”.

Questionado pela nossa reportagem sobre a possibilidade de escassez de proteína, afirma: “A produção global é suficiente para a procura atual. A Europa mantém-se estável, mas temos uma grande capacidade tecnológica, especialmente com novas técnicas genómicas, que nos permite aumentar a produção de forma sustentável, sem prejudicar a natureza”.

Para o futuro, Pedro Cordero defende que “a competitividade é fundamental, pois o produtor pecuário precisa de um retorno económico que permita persistir e investir. É essencial que o setor seja atrativo para as pessoas, garantindo uma conexão real entre o campo e o consumo”.

“Os cidadãos urbanos têm de entender que a comida é produzida no campo, de forma sustentável, justa e saudável (…). Com isso, temos uma boa expetativa para Pedro Cordero, da FEFAC o futuro do setor”, conclui.

Conclusões finais:

O encerramento da Reunião Geral da Indústria da IACA foi marcado pelas conclusões de Jaime Piçarra e Ana Sofia Santos, que sintetizaram os principais desafios e caminhos para o futuro do setor da alimentação animal.

Para Jaime Piçarra, o ponto de partida é claro: “Adotar estas tecnologias não é uma opção, é uma necessidade”. O secretário-geral sublinha que os desafios globais exigem respostas integradas e que o setor só será competitivo e sustentável se apostar ativamente na inovação e na digitalização. Jaime Piçarra destaca ainda a importância de ligar o conhecimento à prática, envolvendo os grupos operacionais, os laboratórios colaborativos e o sistema científico.

“O futuro depende de nós próprios. Se as políticas públicas e a ligação à investigação nos apoiarem, temos todas as condições para avançar”.

Jaime Piçarra apela também à reflexão interna das empresas, desafiando-as a garantir que têm as competências certas para incorporar estas mudanças: “É fundamental ver se temos as pessoas certas nas nossas estruturas para que tudo isto aconteça”. Ana Sofia Santos, por sua vez, resumiu o espírito do encontro em três palavras-chave: “Colaboração, multidisciplinariedade e cocriação”.

A CEO do FeedInov realça também o valor de ter perspetivas externas ao setor, trazendo novas soluções e visões complementares. “Não é só a pecuária, é a zootecnia, a agronomia, a engenharia, a informática (…). É este cruzamento que nos faz avançar”, remata.

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A Voz do Campo transmitiu em direto a Reunião Geral da Indústria da IACA.
(Re) veja aqui:


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