No laboratório ‘CropSQ Lab’ liderado por Susana Carvalho, professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e investigadora do ‘GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável’, está em curso o projeto ‘Botrytis-XTalk’ financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Este projeto visa compreender os mecanismos inerentes à podridão cinzenta e contribuir para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis aos fungicidas químicos de síntese para o controlo da mesma.

Sabia que mais de 80% das doenças das culturas agrícolas são causadas por fungos patogénicos, que levam a reduções de produtividade que podem atingir os 30%? Efetivamente as doenças fúngicas são responsáveis por um elevado desperdício alimentar, levando a perdas económicas muito acentuadas ao longo de toda a cadeia de valor das frutas e legumes (Jaina et al., 2019; Tian et al., 2020). Com as alterações climáticas prevê-se que este cenário se venha a acentuar. Atualmente, o controlo destas doenças está fortemente dependente de aplicações frequentes de fungicidas químicos de síntese, sobretudo nas culturas de ciclo longo. Porém, para além do seu custo elevado e do impacto negativo para os ecossistemas e para a saúde humana, tem-se vindo a verificar uma redução da sua eficácia devido ao aparecimento de resistências nos fungos (Petrasch et al., 2019).

Entre os fungos patogénicos destaca-se a Botrytis cinerae, causadora da doença da podridão cinzenta (PC) em mais de 500 espécies de plantas (Dean et al., 2012), entre as quais se incluem várias frutas e hortícolas.

Apesar da B. cinerea normalmente infetar o hospedeiro durante a floração ou quando os frutos ainda estão verdes, permanecendo numa fase quiescente e assintomática (como que ‘dormente’) por longos períodos de tempo (Prusky et al., 2013), existe um conhecimento muito limitado no que diz respeito aos mecanismos moleculares que regulam a fase quiescente do fungo e a tolerância dos frutos verdes à PC. No que respeita às estratégias de controlo, o uso de elicitadores naturais (compostos inócuos, capazes de induzir respostas de defesa nas plantas a concentrações muito baixas), tem-se revelado promissor na mitigação de doenças. Contudo, a sua eficácia necessita de ser melhor explorada e o seu modo de aplicação otimizado. Foi com base nestes desafios que foi desenhado o projeto ‘Botrytis-Xtalk’ direcionado ao patossistema Botrytis morango, onde a PC é particularmente destrutiva.

Assim, para elucidar os mecanismos subjacentes à fase quiescente deste fungo patogénico, foi realizado um ensaio de infeção em frutos imaturos e maduros em condições laboratoriais controladas (Figura 1a).

Figura 1. Trabalhos desenvolvidos no CropSQ Lab do GreenUPorto/FCUP. a) Morangos (Fragaria x ananassa) maduros e imaturos 24 horas após inoculação com Botrytis cinerea, círculo tracejado indica o local da inoculação dos esporos, sendo visível o desenvolvimento do fungo no fruto maduro e ausência no fruto verde; b) Suplementação controlada de radiação ultra-violeta em plantas de morangueiro para avaliação do potencial de elicitação contra a podridão cinzenta; c-d) Inoculação de esporos de B. cinerea em plantas previamente tratadas com potenciais elicitadores para ensaios de infeção em condições controladas.

Após infeção, procedeu-se à recolha de material biológico para análise transcriptómica, englobando a expressão de todos os genes do fruto e do fungo. Os resultados obtidos revelaram que, nos frutos verdes/imaturos, há uma produção acentuada de metabolitos secundários, possivelmente associada à resposta de defesa e ausência de sintomas nestas condições. Por outro lado, os mecanismos de virulência do fungo encontram-se, em frutos verdes, em modo ‘standby’ aguardando condições favoráveis à ativação do sistema de infeção.

Quanto as estratégias estudadas, para aumento dos mecanismos de defesa das plantas contra a Botrytis, procedeu-se a:

(1) aplicação foliar de um conjunto de fitohormonas vegetais como elicitadores; (2) exposição das plantas de morangueiro à radiação ultra-violeta (UV), tendo em vista perceber a sua ação de elicitação na planta. Como tal, foram realizadas aplicações periódicas das mesmas de forma individual (total de 4 aplicações com 15 dias de intervalo) a plantas em estufa. Os resultados obtidos demonstraram que a eficácia destes elicitadores depende da fitohormona aplicada, e que as formas metiladas das fitohormonas revelaram ser as mais eficazes na promoção da tolerância contra B. cinerea potenciando o sistema antioxidante da planta. No que respeita o estudo da radiação UV, foram levados a cabo vários ensaios que incluíram diferentes variáveis como período de aplicação (Dia e Noite), tipo de radiação (UV-A e UV-B), bem como diferentes dosagens diárias (Figura 1b). Os resultados apontam para uma eficácia da aplicação preventiva desta radiação com efeitos de proteção contra o desenvolvimento e danos causados pela PC (Figura 2). Os mecanismos associados a este estímulo de proteção e ativação das defesas da planta têm vindo a ser estudados no CropSQ Lab para futuros desenvolvimentos e aplicações desta tecnologia na produção de morango.

Figura 2. Avaliação do efeito da elicitação de plantas de morangueiro contra a podridão cinzenta com suplementação de ultra-violeta B (UV-B, 1 kJ m-2 d-1) durante 10 dias pré-inoculação com Botrytis cinerea. A suplementação foi aplicada no período dia (durante o fotoperíodo) e noite (fase escura), e o grupo controlo não foi sujeito a suplementação com UV-B. Após seis dias de incubação do agente patogénico a área de lesão foi avaliada. a) Folhas de morangueiro 6 dias após a inoculação com B. cinerea, onde folhas de controlo (sem aplicação de esporos de B. cinerea) não apresentaram sintomas e folhas sujeitas a inóculo apresentaram necroses associadas a infeção causada por B. cinerea; b) Área de lesão (cm2) quantificada nos três tratamentos em estudo, apresentando diferenças significativas (p<0,05; assinaladas com *) na redução da área de lesão em plantas expostas a suplementação UV tanto no período dia como noite.

Face ao exposto, podemos concluir que o conhecimento obtido neste projeto tem potencial para contribuir para um conjunto de medidas preventivas e sustentáveis de controlo da Botrytis tendo em vista a implementação da Estratégia do Prado ao Prato (inserida no Pacto Ecológico Europeu), que defende a redução do uso de pesticidas em 50% até 2030.

→ Leia este e outros artigos completos na Revista Voz do Campo  edição de junho 2025, disponível no formato impresso e digital.

Autoria: Nuno Mariz-Ponte, Chiara Murena, Tânia Fernandes, Susana M.P. Carvalho*

Autoria, Referências Bibliográficas e Agradecimentos

Autoria: Nuno Mariz-Ponte, Chiara Murena, Tânia Fernandes, Susana M.P. Carvalho*

GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável & Inov4Agro. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto – DGAOT
*susana.carvalho@fc.up.pt

Referências Bibliográficas: https://qr.me-qr.com/pt/text/Bbw3vo24

Agradecimentos: Projeto I&D ‘Botrytis-XTalk’ cofinanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ref. PTDC/ASP-PLA/4478/2021). Coordenação: Susana Carvalho (PI); Tânia Fernandes (Co-PI); Parceiros do projeto: Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; Universidade de Birmingham (Reino Unido); Duração: janeiro 2022 – junho 2025; Financiamento Global: 240 mil euros. Unidade de I&D ‘GreenUPorto – Centro de investigação em Produção Agroalimentar Sustentável’ cofinanciada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através do Programa Plurianual de Financiamento UID 05748.


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