Autoria: Carlos Machado (FCSH-UNL) e Maria José Roxo (FCSH-UNL)

A agricultura é uma atividade económica profundamente dependente dos recursos naturais: qualidade do solo, disponibilidade de água, condições climáticas e meteorológicas, biodiversidade, etc. Contudo, as práticas agrícolas podem contribuir para reduzir significativamente o potencial produtivo destes recursos, nomeadamente ao nível da degradação dos solos, da poluição da água, das emissões de gases com efeito de estufa e da perda de biodiversidade.

A agricultura sustentável tem vindo a ganhar destaque desde o Relatório Brundtland de 1987, que chamou a atenção para a necessidade de conciliar desenvolvimento económico, proteção ambiental e justiça social. Desde então, o conceito tem evoluído, mas continua a centrar-se na garantia da segurança alimentar global e na preservação dos recursos naturais. Trata-se de um modelo que pode ser entendido tanto como uma reação aos impactos negativos das práticas agrícolas convencionais, como um conjunto de estratégias que visam aumentar a capacidade dos sistemas agrícolas se adaptarem à mudança e recuperarem de choques externos.

A agricultura sustentável caracteriza-se pelo compromisso simultâneo com a proteção ambiental, a viabilidade económica e o bem-estar social. No plano ambiental, destacam-se práticas como a rotação de culturas, os sistemas agroflorestais, a gestão eficiente da água, a promoção da biodiversidade e a preservação da qualidade do solo. Do ponto de vista económico, a sustentabilidade exige estratégias que assegurem a rentabilidade a longo prazo, a viabilidade das explorações agrícolas e a estabilidade dos rendimentos dos agricultores. Por fim, na dimensão social, a agricultura sustentável implica garantir condições de trabalho justas, a segurança dos trabalhadores e o acesso a alimentos saudáveis para os consumidores.

É neste contexto que os indicadores ambientais podem ser encarados como ferramentas essenciais para medir, monitorizar e orientar as práticas agrícolas sustentáveis, fornecendo aos agricultores informação que ajuda a equilibrar três dimensões da sustentabilidade: a viabilidade económica, essencial para garantir rendimentos justos e estáveis, possibilitando a manutenção a longo prazo das atividades agrícolas; a equidade social, fundamental para assegurar e melhorar as condições de vida dos agricultores, dos trabalhadores rurais e das comunidades rurais; e a proteção ambiental, imprescindível para reduzir a pegada ambiental da agricultura, preservando e melhorando a base de recursos naturais da qual depende a economia agrícola.

A utilização de indicadores ambientais é fundamental para compreender e acompanhar a transição da agricultura para formas mais sustentáveis. Estes instrumentos permitem realizar análises qualitativas e quantitativas, avaliar a natureza e a intensidade das mudanças, apoiar a criação de medidas legislativas adequadas e comunicar os progressos alcançados a financiadores, indústrias, distribuidores e consumidores. Além disso, dão aos agricultores uma visão clara do grau de sustentabilidade das suas explorações, reforçando a sua capacidade de gestão e de adaptação a novas exigências ambientais e de mercado.

Um dos grandes desafios na avaliação da sustentabilidade dos sistemas agrícolas consiste em encontrar indicadores que sejam representativos de diferentes realidades geográficas, ecológicas e socioeconómicas. Além disso, é necessário integrá-los de forma a determinar se uma prática agrícola específica é ou não sustentável. Esta dificuldade resulta, em grande medida, da necessidade de articular as três dimensões fundamentais da sustentabilidade, já mencionadas. Exemplos de indicadores-chave incluem Saúde do solo (matéria orgânica, taxas de erosão, pH, diversidade microbiana); Água (eficiência da rega, contaminação por nitratos); e Emissões de gases com efeito de estufa (CO₂, CH₄, N₂O por hectare ou unidade de produção).

Ainda não existe uma bateria de indicadores universalmente aceite que permita medir de forma consensual o desempenho da agricultura sustentável. Contudo, têm sido estabelecidos alguns critérios gerais para a sua escolha. Em primeiro lugar, os indicadores devem fornecer informação clara e relevante para a tomada de decisões de gestão e de política agrícola, permitindo avaliar o estado atual e os riscos para a sustentabilidade. Em segundo lugar, quanto menor o número de indicadores, melhor, desde que sejam considerados os determinantes críticos da sustentabilidade. Por fim, é fundamental incluir indicadores suficientemente gerais para permitir comparações entre regiões, países e diferentes sistemas socioecológicos.

Nos últimos anos, várias propostas têm procurado responder a este desafio. Em 2021, Zhang et al.1apresentaram uma matriz de indicadores que permite analisar, a nível nacional, as principais tendências da sustentabilidade agrícola. Cada dimensão da sustentabilidade integra seis indicadores específicos. No caso da dimensão ambiental, incluem-se consumo de água (eficiência e exaustão de aquíferos), excedente de azoto, excedente de fósforo, uso do solo e perda de biodiversidade, emissões de gases com efeito de estufa e erosão do solo. A repetição desta análise em diferentes anos permite compreender tendências de mudança e avaliar progressos no caminho para uma agricultura mais sustentável. Para além disso, a matriz oferece a cada país uma ferramenta para monitorizar o seu desempenho e uma base transparente para compreender diferenças entre nações.

Paralelamente, também a União Europeia tem reforçado os mecanismos de reporte e transparência em matéria de sustentabilidade. Em 2022, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e da agenda para o financiamento sustentável, foi publicada a Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD – Diretiva (UE) 2022/2464). Este regulamento estabelece a obrigatoriedade de as empresas comunicarem informação sobre questões ambientais, sociais e de governação, em conformidade com as Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade (ESRS). No sector agroalimentar, as grandes empresas de transformação e distribuição terão de reportar informação abrangendo toda a cadeia de valor, o que cria novos requisitos também para os produtores agrícolas.

Neste enquadramento, o projeto +VALORCER tem vindo a desenvolver uma base de dados que visa facilitar o acesso à informação necessária para cumprir estas obrigações de reporte. A recolha de dados é estruturada de acordo com as ESRS, abrange principalmente os cinco âmbitos tema Ambiente, ou seja, Alterações climáticas (ESRS E1), Poluição (ESRS E2), Recursos hídricos (ESRS E3), Biodiversidade e ecossistemas (ESRS E4) e Uso de recursos e economia circular (ESRS E5) e baseia-se em práticas observadas, tanto ao nível da exploração, como da parcela. Esta abordagem permite realizar análises qualitativas e quantitativas, fornecendo um quadro robusto para apoiar agricultores e empresas no cumprimento das metas de sustentabilidade.

A avaliação da sustentabilidade agrícola é feita através de indicadores que cobrem seis dimensões principais. Na poluição, consideram-se o uso de fertilizantes e pesticidas, biosoluções, controlo biológico de pragas e gestão segura de resíduos e agroquímicos. Nos recursos hídricos, avaliam-se a eficiência de uso da água, a origem dos consumos e a implementação de sistemas de rega de precisão. A biodiversidade é medida pela criação e preservação de habitats, como pontos de água, sebes, bosquetes e áreas de conservação de polinizadores e fauna auxiliar. A economia circular envolve a gestão de sobrantes, produção de bioenergia, uso de energias renováveis, conservação do solo e aplicação de tecnologias digitais para apoio à decisão. No domínio das alterações climáticas, destacam-se a monitorização da pegada carbónica, redução de emissões, compensação com créditos de carbono e medidas de adaptação, como rotação de culturas e variedades resilientes. Por fim, a responsabilidade social assegura condições de trabalho justas, igualdade de oportunidades, proibição do trabalho infantil e medidas de saúde e segurança. Em conjunto, esses indicadores permitem avaliar o grau de sustentabilidade das explorações agrícolas e orientar a transição para sistemas mais resilientes e responsáveis.

Assim, apesar dos desafios metodológicos, a combinação entre novas matrizes de indicadores, ferramentas de diagnóstico e enquadramentos regulatórios demonstra que estão a ser criadas condições para avaliar e promover a sustentabilidade agrícola de forma cada vez mais consistente e integrada.


  • Referências Bibliográficas:

Francis, C.A., and G. Youngberg. 1990. Sustainable Agriculture. an overview. In C. A. Francis, C.B. Flora, and L. D. King (eds.), Sustainable Agriculture in Temperate Zones. John Wiley and Sons, New York, pp.1-23.

World Commission on Environment and Development (1987). Our Common Future. Oxford: Oxford University Press.

1Zhang, X., et al. (2021). Quantitative assessment of agricultural sustainability reveals divergent priorities among nations. One Earth, 4(9): pp.1262-1277.

Diretiva (UE) 2022/2464 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022, que altera o Regulamento (UE) n.º 537/2014, a Diretiva 2004/109/CE, a Diretiva 2006/43/CE e a Diretiva 2013/34/UE no que diz respeito ao relato de sustentabilidade das empresas. Jornal Oficial da União Europeia, L 322, 16 de dezembro de 2022, pp. 15-80.

PwC Portugal. (s.d.). CSRD – Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade. PwC Portugal. Disponível em: https://www.pwc.pt/pt/servicos/auditoria/servicos-sustentabilidade/reporting/csrd-diretiva-reporte-corporativo-sustentabilidade.html Acesso em: 18 set. 2025


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