Caso de estudo em Ferreira do Alentejo

A amendoeira, cultura tradicional do Algarve e Trás-os-Montes, tem apresentado significativa presença em outras regiões do país, como no Alentejo, onde o incremento de área plantada em sistema de regadio, nos últimos 10 anos, foi cerca de 143% (INE, 2019).

O CEBAL através do Centro de Transferência de Conhecimento e Tecnologia- Unidade de Ferreira do Alentejo, iniciou um trabalho de caracterização da área agrícola do Concelho de Ferreira do Alentejo, onde a área de regadio já conta com 27 000 ha, cerca de 42% do seu território, proporcionando a aptidão para novas culturas regadas, como é o caso do amendoal. A disponibilidade de água do perímetro do Alqueva, juntamente com as boas condições edafo-climáticas do território, tornaram esta cultura de excelência para a região. Assim, de acordo com o levantamento efetuado em Ferreira do Alentejo na fileira dos frutos secos, a amendoeira aparece como a cultura principal, com 1 244,3 ha da área plantada (75%), seguindo-se a nogueira e aveleira, com 161,6 ha (21%) e 1,77 ha (4%), respectivamente. A produção destas culturas já representam cerca de 8,5% da área plantada de frutos de casca rija, excluindo a produção de pinhão, em todo o Alentejo.

Cultura do amendoal em Ferreira do Alentejo

A cultura da amendoeira no concelho de Ferreira do Alentejo é um setor emergente e uma nova aposta do agricultor que privilegia maioritariamente o sistema intensivo (Figura 1), havendo também algumas plantações em regime super-intensivo, com densidades superiores a 400 árvores/ha, podendo chegar em alguns casos a 3 000 árvores/ha.

Figura 1: Pomar de amendoeira em sistema intensivo, de Ferreira do Alentejo

O enrelvamento na entrelinha tem sido uma das práticas culturais mais usadas, com ou sem mobilização do solo, através da gradagem e ripagem.

A maioria dos amendoais de Ferreira do Alentejo são novos, não tendo ainda atingido a velocidade de cruzeiro dos 5 anos. De acordo com as diferentes idades dos pomares a produção anual de miolo varia atualmente entre as 0,5 e as 1,9 ton/ha. No entanto, a estimativa será de atingir produções que podem ir até 2,5-3 ton/ha semelhantes às já alcançadas em outras regiões de Portugal e Espanha (Miarnau 2016; Doll et al. 2021) (Figura 2).

Figura 2: Fase de secagem e descasque da amêndoa, na Unidade Fabril

A escolha das variedades, bem adaptadas ao sistema de cultivo usado e às condições edafo-climáticas da região, é de importância vital para o sucesso da plantação. É nessa sequência que apresentamos as características do germoplasma que se encontra em cultura neste território.

Caracterização das variedades

No Concelho de Ferreira do Alentejo os amendoais monitorizados são de variedades mediterrânicas de amêndoa doce, de casca dura, de floração tardia e autoférteis, ou seja, auto-compatíveis, capazes de fecundar o seu próprio pólen. Pela sua grande capacidade produtiva e regularidade na produção, neste território tem-se apostado em variedades comerciais que foram desenvolvidas e selecionadas em programas de melhoramento em Espanha (Antoñeta, Bellona, Guara, Soleta e Vairo) e em França (Lauranne) (Tabela 1), em detrimento das variedades tradicionais portuguesas.

Estas últimas, apesar da sua diferenciação em termos nutricionais (Oliveira et al, 2019), não têm sido melhoradas e selecionadas no que respeita à produtividade nos novos sistemas de cultura, com intensificação e regadio, requerendo maioritariamente a existência de polinização cruzada. Muitas das variedades em cultura são protegidas pelo que só podem ser multiplicadas em viveiros licenciados.

Caracterização dos porta-enxertos

A escolha do correcto binómio porta-enxerto versus variedade a usar é importante para a otimização da produtividade e o sucesso da plantação. O porta-enxerto fornece as características do sistema radicular da árvore e consequentemente a sua maior ou menor adaptação da planta ao solo, podendo conferir resistência a doenças e pragas do solo. O desenvolvimento de mapas genéticos e a sequenciação de genomas de várias espécies do género Prunus (Jung et al 2019) permitiu à genómica comparativa perceber a estrutura genómica similar que existe entre espécies do género Prunus. Este grande nível de sintonia entre múltiplos genomas é responsável pela elevada compatibilidade entre porta-enxertos interespecíficos e a variedade que existe neste género Prunus.

Neste seguimento, porta-enxertos híbridos resultantes do cruzamento P.dulcis x P.persica conferem bastantes vantagens relativamente aos porta-enxertos de amendoeira, como é o caso do híbrido GF677 desenvolvido no INRA, em França, entre 1944-50. Este porta-enxerto interespecífico é amplamente utilizado nesta região, por ser extremamente vigoroso, com grande afinidade com as variedades de amendoeira, conferindo elevado rendimento e adaptado a sistemas de intensificação. É um porta-enxerto que tolera bem solos calcários e com deficiência de ferro, tolera moderadamente a salinidade e é adequado a solos pouco férteis e secos (Monticelli et al., 2000). No entanto, temse mostrado susceptível a Phytophtora, à Agrobacterium tumefacien, a nemátodos e a solos compactos e passível de sofrer alagamentos (Zarrouk et al, 2006). É propagado vegetativamente com sucesso por cultura in vitro conferindo uma maior homogeneidade ao pomar o que se traduz numa vantagem do ponto de vista agronómico. É considerado uma boa opção para solos bem drenados e livres de nemátodos (Rubio-Cabetas et al, 2017).

Com vigor e produtividades semelhantes ao GF677 os porta-enxertos RootpacR e Granem (GxN-15) são igualmente usados na região de Ferreira do Alentejo, mas numa percentagem muito menor, 20 e 10%, respectivamente. O Garnem apresenta resistência aos nemátodos que atacam o Prunus, nomeadamente Meloidogyne arenaria, M.hapla, M.hispanica, M.incognita, M.javanica, mas apresenta baixa tolerância à asfixia radicular e susceptibilidade ao A.tumefaciens. A principal vantagem do porta-enxerto Rootpac R relativamente aos outros reside na sua adaptabilidade a solos de textura argilosa, apresentando alta tolerância à asfixia radicular e uma elevada sobrevivência ao ataque de nemátodos e podridões radiculares originadas por Rosellinia necatrix. A escolha adequada de um porta-enxerto a usar deverá ser acompanhada por uma avaliação correta do solo (ver Tabela 2).

Figura 3: Variedade Soleta antes da colheita do fruto maduro

Conclusões e Perspetivas futuras

Os novos sistemas de cultivo tornaram a cultura da amêndoa em Portugal, e sobretudo no Alentejo, mais atraente do ponto de vista económico. As crescentes tendências e exigências do consumidor na busca de produtos associados à dieta mediterrânica, à base de alimentos tradicionais e saudáveis, e por produtos diferenciados, a que a indústria alimentar tenta dar respostas constantes com novas utilizações da amêndoa, como as bebidas vegetais, a pasta e o óleo de amêndoa, têm ajudado a elevar a demanda por este fruto, em Portugal e no resto do mundo.

No entanto, é importante acompanhar o crescimento da cultura com estudos devidamente estruturados e eficientes. Devido às características químicas únicas e ao grande valor nutricional que a amêndoa possui (Oliveira et al, 2019), está a decorrer o primeiro estudo a nível nutricional e genético da amêndoa produzida no Alentejo (Gonçalo et al. 2021). Por outro lado, a aposta em novas variedades bem adaptadas ao território, com uma maior tolerância a determinadas doenças e a stress hídricos e de temperatura, deverão ser estudadas e selecionadas através de um programa de melhoramento continuado que alie a produtividade à qualidade da amêndoa tradicional, constituindo uma aposta nacional de um amendoal mais competitivo, revertendo o deficit na balança comercial do produto, seguindo-se na direção da valorização da amêndoa nacional.

Autoria:
Rita Martins1,2,3, Ana Faustino1,3, Sérgio João1, Eliana Jerónimo1,3, Liliana Marum1,3
1Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (CEBAL) / Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), 7801-908 Beja, Portugal
2CTT – Centro de Transferência de Tecnologia do CEBAL – Unidade de Ferreira do Alentejo, Edifício Ninho de Empresas, 7900-571 Ferreira do Alentejo
3MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development, CEBAL – Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo, 7801-908 Beja, Portugal
* liliana.marum@cebal.pt

Financiamento/Referências →

Financiamento: Trabalho realizado no âmbito da ação do Centro de Transferência de Tecnologia do CEBAL – Unidade de Ferreira do Alentejo, financiado pela Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo no âmbito de um protocolo de cooperação estabelecido entre as duas entidades em outubro de 2018. Trabalho igualmente integrado no âmbito do projeto Inov-Amendo-AL – Microenxertia in vitro de amendoeiras selecionadas para a promoção do amendoal no Alentejo, financiado pelo Programa Operacional Regional do Alentejo (Alentejo 2020) – Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica – Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (IC&DT), através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Os autores agradecem também à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do projeto UIDB/05183/2020 (MED), e do contrato programa CEECINST/00131/2018 (LM).

Referências:
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Doll D, Andrade JF, Serrano P (2021). Produção de amêndoa em Portugal. Tendências de plantação e desafios de produção num setor em desenvolvimento. IV International Symposium on Horticulture in Europe. 8-12 Março de 2021, Stuttgart, Alemanha.
INE (2021), Recenseamento Agrícola – Análise dos principais resultados – 2019. Instituto Nacional de Estatística, I.P., Lisboa, Edição de 2021 (ISSN: 0870-8916). Jung S, Lee T, Cheng C, Buble K, Zheng P, Yu J, Humann J, Ficklin SP, Gasic K, Scott K,
Frank M, Ru S, Hough H, Evans K, Peace C, Olmstead M, DeVetter LW, McFerson J, Coe M, Wegrzyn JL, Staton ME, Abbot AG, Main D (2019). 15 years of GDR: New data and functionality in the Genome Database for Rosaceae. Nucleic Acids Research 47:
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Kodad O, Company RS, Alonso JM (2018). Genotypic and Environmental Effects on Tocopherol Content in Almond. Antioxidants 7: 6.
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Oliveira I, Meyer AS, Afonso S, Aires A, Goufo P, Trindade H, Gonçalves B (2019). Phenolic and fatty acid profiles, á tocopherol and sucrose contents, and antioxidant capacities of understudied Portuguese almond cultivars. Journal of Food Biochemistry
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Zarrouk O, Gogorcena Y, Moreno MA (2006). Graft Compatibility Between Peach Cultivars and Prunus Rootstocks. HORTSCIENCE 41(6):1389–1394.

Artigo completo publicado na edição de janeiro de 2022 da Revista Voz do Campo.