As palavras são do presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, Jaime Ferreira, que não vê o setor crescer ao ritmo que era esperado.

Jaime Ferreira, presidente da AGROBIO (Associação Portuguesa de Agricultura Biológica)

Porque assume muitas vezes um caráter multifuncional, a Agricultura Biológica tem um forte potencial de atração para as novas gerações quer de produtores quer de consumidores e as novas políticas europeias e mesmo nacionais, em particular, as relativas à Transição Climática e Energética poderão ter um papel fundamental de mudança.

Qual tem sido a evolução da Agricultura Biológica em Portugal nos últimos anos?

A situação atual da Agricultura Biológica em Portugal é preocupante, porque não tem crescido ao ritmo esperado (entre 2012 e 2018 cresceu 6,1 % – ver Fig.2) e está aquém de outros países, como por exemplo: Espanha (em igual período cresceu 27,9% – ver Fig.2) e Áustria (em igual período cresceu 19,9% – ver Fig. 2). Outro indicador de fraco desenvolvimento é o valor da área em conversão que é dos mais baixos na União Europeia.

A confirmar a situação a falta de políticas de apoio – a medida 7.1. Apoio à Agricultura Biológica, no PDR2020 só abriu em 2015; ou políticas de apoio erradas e enganadoras – ver anúncio recente de abertura de candidaturas-N.º 22/ Operação 3.2.1 / 2020. Agricultura Biológica. Investimento na exploração agrícola (em que basta que 50% do investimento elegível proposto seja em MPB ou pelo menos 50% da área afeta à candidatura esteja certificada. Ora como é possível dizer que o investimento é em Agricultura Biológica quando basta investir 50% do montante ou pior ter simplesmente uma parcela de terreno certificada em AB e não fazer qualquer investimento).

Em Portugal, o mercado tem vindo sempre a crescer, e há uma necessidade crescente de produção para o mercado de frutas e legumes e ainda de matérias-primas de base (cereais, arroz, leguminosas, etc.) para a agroindústria. As importações são também crescentes e há que substituir as importações por produção nacional.

Estamos a falar de que áreas, número de produtores…?

De acordo com dados da DGADR (Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural) em 2019, a superfície agrícola utilizada em agricultura biológica foi de 293 213 ha, o que corresponde a um acréscimo relativamente a 2018 (213.118 ha), de 27%. Também, a área em conversão em 2019 (20 055 ha) relativamente a 2018 (17.820 ha) subiu, porém distante da área verificada em 2017 (37.606 ha).

O número de operadores em 2019 (6408) relativamente a 2018 (5905) cresceu e corresponde a um acréscimo de 503 novos operadores. Os produtores aumentaram em 2019 (5637), isto é, 424 novos agricultores.

Há registar o decréscimo do interesse pela aquicultura biológica, tendo em 2018 sido registado cinco operadores, quando no ano anterior tinham sido registados 11. Há uma perda de operadores neste sector.

Em 2019 foram registados 933 processadores/ transformadores, mais 145 que em 2018.

Outro dado relevante foi o aparecimento de 11 novos exportadores, sendo o total em 2019 de 34 novos exportadores.

O efetivo pecuário total em 2018 (255 477), face a 2017 (242 001) aumentou 5,6%, sobretudo nas aves e bovinos, e apresentou uma quebra nos ovinos.

Qual ou quais as culturas mais representativas e porquê?

Por culturas, em 2018, as pastagens (58%), as forragens (14,2%) e as culturas arvenses (1,3%) representavam 73,5% da área total de agricultura biológica em Portugal. Em termos globais, e relativamente a 2017, a área total destas culturas diminui em 0,8%, mesmo assim o valor é esmagador 73,5% da área total. Estas culturas destinam-se a produção animal.

A produção para consumo humano, em 2018, continua a ser pouco expressiva, ocupando cerca de 25% da área total. Destaca-se o olival (8,3%), frutos secos (7,85%), uvas (1,71%), citrinos (0,12%), sendo que as hortícolas, apesar do aumento de 900 ha em 2018, só representam 1,55%.

Quais as principais razões que levam o consumidor a optar pelos produtos biológicos?

As novas gerações, o interesse por estilos de vida saudáveis e mesmo a existência crescente de pessoas afetadas por doenças como a diabetes, hipertensão (doenças cardiovasculares) e o cancro, fomentam o consumo destes produtos.

A necessidade e o desejo da população portuguesa em ter alimentos mais saudáveis e produzidos de forma mais responsável (Alimentos Biológicos), é mencionado no II Grande Inquérito à Sustentabilidade – Instituto de Ciências Sociais / UL. 2019.

Por outro lado, sabe-se que a promoção da Agricultura Biológica vai cada vez mais ao encontro das preocupações dos consumidores que, estando progressivamente mais informados e esclarecidos, optam de forma consciente e crescente por produtos mais seguros para a sua saúde e obtidos de forma mais sustentável.

Outro reflexo do interesse dos consumidores são as novas políticas europeias e mesmo nacionais. Em particular, as relativas à Transição Climática e Energética.

A Comissão Europeia através do Pacto Ecológico Europeu, e da Estratégia da Quinta ao Prato (Farm to Fork – foca-se na necessidade de reduzir o uso e o risco de pesticidas, de antibióticos e fertilizantes, e aumentar a participação da agricultura biológica), da Estratégia da Biodiversidade aponta claramente para a necessidade de promover a Agricultura Biológica e coloca metas, como 25% da SAU em AB em 2030.

O Roteiro Nacional para a Neutralidade Carbónica (2050), considera a Agricultura Biológica, como “…principal driver para a descarbonização…” e, refere claramente que a expansão da Agricultura Biológica pode potenciar a diminuição dos gases com efeito de estufa.

Existe uma procura crescente por consumir bio, próximo e local, onde os mercados locais, como os Mercados Agrobio, são uma ótima resposta a este interesse.

Há uma certa ideia de que os produtos biológicos são mais caros que os provenientes de agricultura convencional, logo apenas acessíveis a alguns. Continua a ser assim? O que se pode fazer para tornar os produtos biológicos mais acessíveis?

De um modo geral, os produtos biológicos são mais caros porque há menor produção e a dispersão da produção e a logística aumentam os custos. No entanto, com o aumento da produção e uma logística mais eficiente, os preços vão baixar, o que já se assiste hoje. Aconselhamos a consumir produtos biológicos da estação e locais, porque são mais abundantes e assim acessíveis, com vantagem para o ambiente.

Como está a organização dos mercados de produtos biológicos?

Atualmente a AGROBIO gere 11 mercados (Mercados Agrobio) e ainda em co-gestão o Mercado do Lumiar+BIO.

Os produtores bio selecionados para os Mercados Agrobio têm de ser associados, têm de estar certificados, a sua produção deve ser próxima (com preferência até 50 km do mercado) e cumprir um regulamento específico criado para o mercado.

Existe uma procura crescente por consumir bio, próximo e local, onde os mercados locais, como os Mercados Agrobio, são uma ótima resposta a este interesse.

Os agricultores biológicos e as empresas de transformação estão atentas aos consumidores e apostam em produtos inovadores e diversos.

Que impacto teve a pandemia para estes produtores?

Da informação que pudemos recolher dos nossos associados produtores não foram referidos problemas relevantes e persistentes, embora no início da Pandemia tenha havido alguns Mercados Agrobio a fechar por ordem dos Municípios. Contudo, a Agrobio conseguiu reverter a situação justificando a importância da sua manutenção para o abastecimento direto dos consumidores de produtos biológicos, bem como para a sobrevivência dos pequenos e médios agricultores locais que têm estes mercados como um importante ponto de escoamento dos seus produtos. De facto, aprofundaram-se as redes de comercialização de proximidade (exemplo: entregas ao domicilio) e o comércio online teve um impulso decisivo também neste sector.

Qual o ponto de situação da Estratégia e do Plano de Ação para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica?

A Estratégia Nacional e Plano de Ação para o desenvolvimento da Agricultura Biológica (ENAB e PA) (2017-27) na proposta inicial tinha um orçamento associado. Foi retirado da versão aprovada com o argumento de que o QCA (PDR2020) já estava em curso e por isso não se podiam alocar verbas que não tinham sido previstas. Mesmo assim, do ponto de vista, administrativo a execução foi decorrendo, mas claramente faltam as medidas de investimento enunciadas no ponto anterior, com a discriminação positiva para as áreas que os consumidores mais preferem.

Neste ponto, e não menos importante, são as metas estabelecidas, como é exemplo, a duplicação da SAU em Agricultura Biológica para 12% (em 2027), atualmente 5,9%. Falamos da necessidade de aumento da área em produção e do respetivo apoio / promoção. Não podemos esquecer que a meta apontada na Estratégia Farm to Fork ( Da Quinta ao Prato) é de 25% da SAU em AB ( em 2030) na UE.

Como vê a Agricultura Biológica na Agenda de Inovação para a Agricultura?

A inovação, conhecimento e, divulgação e disseminação de melhoramentos e novas técnicas são fundamentais para o progresso e desenvolvimento da agricultura biológica em Portugal. Porém, não encontramos na atual Agenda da Inovação esse reconhecimento e a definição de objetivos e metas a alcançar neste domínio.

A Agricultura Biológica é um modo de produção que visa produzir alimentos e fibras têxteis de elevada qualidade, saudáveis, ao mesmo tempo que promove práticas sustentáveis e de impacto positivo no ecossistema agrícola. Assim, através do uso adequado de métodos preventivos e culturais, tais como as rotações, os adubos verdes, a compostagem, as consociações e a instalação de sebes vivas, entre outros, fomenta a melhoria da fertilidade do solo e a biodiversidade.

Continuando nos temas políticos, qual a expectativa em relação à PAC pós 2020?

Apresentamos um conjunto de considerações/ propostas sobre a PAC pós 2020:

1. A definição clara no PEPAC da meta nacional de atingir 25% da SAU em Agricultura Biológica em 2030, contribuindo para o objetivo Europeu;

2. Os montantes financeiros associados a medidas de apoio à agricultura biológica (quer no pilar 1 ou 2) devem ser proporcionais à meta nacional;

3. Para dar impulso necessário à Produção Biológica Nacional, a nova PAC deve ter apoio orçamental suficiente no segundo pilar da produção biológica para a manutenção dos produtores atuais e para novas entradas de agricultores sem exclusões, bem como ter compatibilidade com os regimes-ecológicos do primeiro pilar, reconhecendo-o como o sistema regulado de produção de alimentos que melhor contribui para os novos desafios ecológicos da PAC;

4. Para atingir o objetivo de 25% da superfície na produção biológica em 2030, o desenho da nova PAC é a chave na qual as ações para atingir esse objetivo se devem basear, combinando por um lado, a manutenção da área atual em Agricultura Biológica, e por outro, dando um notável contributo à incorporação de novas áreas;

5. Além disso, para fornecer incentivos reais aos agricultores para que se convertam e permaneçam em Agricultura Biológica, essas medidas devem fornecer níveis mais elevados de pagamentos em comparação com medidas menos ambiciosas vinculadas a práticas únicas que não envolvem um redesenho do agroecossistema de toda a propriedade;

6. O status dos agricultores biológicos como “verdes por definição”, como no atual PAC, também deve fazer parte das ferramentas para fornecer uma vantagem comparativa à conversão para a agricultura biológica;

7. Para que possa ser potenciada a produção biológica as ações de promoção e promoção do consumo devem estar presentes na nova política;

8. Os serviços de consultoria agrícola para produtos biológicos devem ser apoiados;

9. Melhor adequação dos instrumentos aos objetivos da PAC;

10. Justificação dos apoios pela “produção de bens públicos de valor acrescentado no que diz respeito ao ambiente, clima e alimentação saudável;

11. Apoios ao rendimento “desligados” da produção, baseados em “direitos históricos” (?) improdutivos devem ser plafonados e consideravelmente reduzidos, a favor do incremento aos apoios ligado à produção dirigida às novas solicitações e tendências dos consumidores europeus; devem também possibilitar o aumento da “reserva nacional”, para disponibilidade de direitos par os novos agricultores ( entre eles os de idade até 40 anos- jovens agricultores);

12. Aumentar a participação da agricultura biológica em Portugal será possível pela criação de condições de acesso à atividade pelos “novos e jovens agricultores”, mais do que pela desejada e rápida “conversão” dos agricultores “ convencionais/ químicos”, menos sensíveis às mudanças necessárias de modos de produção e práticas impactantes;

13. Reequilibrar as relações nas cadeias de valor alimentares e reduzir a atual assimetria nos poderes negociais, com estrangulamento dos rendimentos dos agricultores pela concentração a jusante, deverá ser conseguida mais por medidas de apoio à organização dos produtores e sua progressão nas atividades a jusante, que pelas regulamentações e regras de concorrência, comprovadamente ineficazes;

14. A melhoria das condições de viabilidade e competitividade da “pequena agricultura” e dos “novos agricultores” (incluindo aqui os “jovens agricultores”) exige a correção das “falhas de mercado”, nomeadamente no acesso à terra e aos apoios ao rendimento da “ reserva nacional”, através da dinamização de uma “bolsa de terras” funcional, dinamizada pela alocação de terras com níveis inadequados de utilização ou abandono ( incluindo de propriedade ou gestão dos organismos do Estado) e correção dos atuais instrumentos de ajuda aos “rendimentos históricos” injustificados na atual situação da economia e do país; neste domínio deverão, ainda, ser apoiadas e dinamizadas as Sociedades de Agricultura de Grupo (SAG) que, na atual legislação, já podem responder a alguns estrangulamentos de viabilização da pequena agricultura;

15. Os riscos inerentes à atividade, que sempre fizeram parte do “modus vivendi” dos agricultores tradicionais ( que sempre souberam fazer as devidas compensações entre os bons e os maus anos) poderão ser minimizados pelos apoios base, mas não pela “criação de uma reserva de uma parcela dos pagamentos base” a favor de um qualquer “veículo financeiro” que representará mais um “outro serviço” a onerar sistematicamente a atividade;

16. Criar condições para a instalação de empresas em zonas rurais exigirá articulação com outros fundos comunitários, nomeadamente programas operacionais e estratégias de desenvolvimento regional que possibilitem vantagens para Novas Empresas em Espaço Rural (NEER), tendo como objetivo o estabelecimento de “cadeias curtas de transformação” para além das de comercialização;

17. É fundamental dinamizar os instrumentos e apoios ao investimento (DLBC), através de reformas no atual modelo da Rede Rural, que deverão incluir novos operadores, controlo dos planos de atividades anuais e metas quantificadas em função dos objetivos da PAC.

Na Europa, a Agricultura Biológica é alvo de legislação específica. Os produtos são reconhecidos pelo logótipo europeu de Agricultura Biológica.

O que é que falta para incentivar mais produtores a aderirem ao Modo de Produção Biológico?

Porque assume muitas vezes um caráter multifuncional, a Agricultura Biológica tem um forte potencial de atração para as novas gerações. A sua promoção e o incentivo para uma adesão à atividade agrícola por parte de novos agricultores, para além de poder contribuir decisivamente para a nossa segurança e soberania alimentar, pode traduzir-se em coesão territorial diminuindo as desigualdades entre o interior e o litoral, ou seja, combatendo de forma eficaz o abandono do interior do país.

Sobretudo faltam verdadeiras políticas públicas que incentivem a: aumentar a Produção Biológica nacional; fomentar o apoio técnico específico à Agricultura Biológica; promover, sensibilizar e informar sobre a Produção Biológica; a adesão de novos e jovens agricultores; criação de cadeias curtas de comercialização e também alocar recursos financeiros à execução plena da Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica (ENAB) e Plano de Ação (PA) 2017-27.

→ Leia a entrevista completa na edição de janeiro de 2021

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