Ana Sofia Santos • Diretora do FeedInov

A paixão de Ana Sofia Santos é a nutrição animal, que considera um processo extraordinário onde a eficiência e o bem-estar dos animais se conjuga com a anatomia e a fisiologia digestiva e com os alimentos disponíveis. Lida com animais desde cedo e fez carreira nesta área, tando no ensino como na investigação. Está à frente do Laboratório Colaborativo FeedInov, onde a investigação e a produção se encontram e tem como objetivo posicionar a pecuária, e o setor de alimentação animal em particular, como pilar estratégico na sustentabilidade da agricultura portuguesa através de inovação científica e transferência de conhecimento e tecnologia. É no FeedInov que todo o seu percurso científico, aliado ao conhecimento das instituições científicas e experiência das empresas deste Laboratório Colaborativo, pode contribuir para a mudança do paradigma económico e ecológico do setor agropecuário.

Ana Sofia Santos • Diretora do FeedInov

Antes do FeedInov, falemos da Investigadora Ana Sofia Santos. Qual o seu percurso até aqui? Com que visão aceitou o cargo de diretora-geral do Laboratório Colaborativo?

Sou natural de Lisboa, a mais velha de três irmãos e quando tinha 16 anos os meus pais mudaram de vida e trocaram a cidade pelo campo, quando adquiriram uma quinta na Lousã. Desde cedo lidei com animais por isso, trabalhar com eles, em particular com animais de produção, sempre foi para mim uma certeza. Em 1994 ingressei no curso de Engenharia Zootécnica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Mais tarde, tirei o Mestrado em Produção Animal na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, e posteriormente o Doutoramento em Ciência Animal na UTAD. Ao longo deste percurso fui também docente e investigadora. Lecionei nos cursos de Engenharia Zootécnica e Medicina Veterinária e desenvolvi atividades de investigação com particular interesse em nutrição animal. O meu percurso de investigadora é sobretudo na área da produção e nutrição equina, tendo sido Presidente da Comissão equina da Federação Europeia de Zootecnia de 2014 a 2020. Em 2018 fui eleita Presidente da Associação Portuguesa de Engenharia Zootécnica, estando agora no segundo mandato. Mais recentemente, em 2020, fui convidada a integrar a Animal Task Force como Vice-presidente, onde represento as entidades de investigação. Em julho de 2020 candidatei-me ao lugar de Diretora do FeedInov, um desafio fantástico que desejava abraçar e que veio a concretizar-se.

Apesar da experiência anterior, nestas funções há cerca de um ano, qual a sua perceção em relação à pecuária nacional e quais os principais obstáculos com que se depara?

A pecuária portuguesa é diversa. Nos últimos 20 anos uma profissionalização do setor que é atualmente altamente tecnológico e eficiente. Temos uma multiplicidade de sistemas produtivos que permitem satisfazer as necessidades cada vez mais exigentes do consumidor, e criamos produtos de elevada qualidade e segurança alimentar, com preocupações ambientais. A produção conseguiu continuar a gerar, com padrões de exigência mais elevados, melhorias significativas ao nível das instalações e equipamentos, bem-estar animal, maneio reprodutivo e melhoramento genético. Todos estes elementos conjugados levam a uma maior eficiência alimentar nos animais e, portanto, reduzem as necessidades de consumo de alimento para a produção de uma mesma quantidade de produto final (seja ela 1 kg de carne, leite ou ovos).

No entanto, apesar de todos os avanços, a conjuntura atual é bastante complexa e deparamo-nos com problemas sérios. É incontornável o peso do aumento significativo dos custos de produção no caso da alimentação animal (da ordem de 20% ou mais), no valor da energia, dos combustíveis, na escalada dos preços dos materiais necessários para a reparação e manutenção de alojamentos e instalações, etc.. Se juntarmos a este aumento a manutenção ou, até mesmo em alguns casos, a diminuição do preço pago aos produtores pelos produtos que geram, temos aqui um grande problema de sustentabilidade.

O setor enfrenta uma encruzilhada onde o seu presente está em causa e precisa de um aliado forte que traga outras formas de encarar estes problemas para que sejam transformados em oportunidades. Esse é o papel da ciência. O Laboratório Colaborativo FeedInov tem apenas uma palavra de ordem: colaboração. Estamos sempre abertos a ir ter com os industriais, com os produtores, a escutar e avaliar o setor para construir em conjunto as soluções mais personalizadas. É do nosso interesse ajudar o setor porque, enquanto associação privada sem fins lucrativos financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pela CCDR Alentejo, é com problemas e informações das dificuldades do setor que podemos investigar e melhorar o setor no seu conjunto.

Quais as necessidades que estiveram na base da criação do Laboratório Colaborativo?

A estratégia e a motivação do FeedInov CoLab têm por base os diferentes desafios colocados ao setor agroalimentar e que têm sido exigidos pelos diferentes operadores da cadeia de valor, em função da crescente procura pelo consumidor por produtos sãos, saudáveis, sustentáveis e simultaneamente inovadores. A segurança, qualidade e sustentabilidade dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios de origem animal, a sustentabilidade e competitividade dos setores da indústria dos alimentos para animais, bem como a contabilização dos impactos e valorização ambiental que este setor tem, são algumas das necessidades identificadas e que estiveram na génese do nosso CoLab.

A visão e coragem dos nossos associados, em particular os empresariais, de abraçar e se envolverem neste Laboratório é prova do investimento que o setor está a fazer na busca de soluções inovadoras que assentam nos benefícios e contribuições potenciais que a alimentação animal pode trazer para enfrentar os desafios sociais, económicos e ambientais.

De uma forma geral, como se define o FeedInov e quais as suas áreas de atuação?

Como é que está organizado e como funciona? O FeedInov CoLab define-se como a estrutura de interface de referência entre a indústria de alimentos compostos, as entidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) e os produtores.

A combinação única de conhecimento e experiência em sistemas de produção e nutrição para alimentação animal, com tecnologias emergentes, é o eixo principal deste CoLab que é impulsionado pela indústria de alimentos compostos. Promover uma relação de proximidade entre os nossos parceiros de I&D com a indústria é uma das nossas maiores mais-valias, uma vez que unindo sinergias conseguimos ter capacidade única de I&D na área da produção animal. Conhecemos as melhores práticas científicas e as inovações que se avizinham, impostas ao setor através de obrigações legais vindas da Europa e das exigências do consumidor, e sabemos o que é que o mesmo precisa para se tornar competitivo e sustentável. Desta forma, temos uma oportunidade única de tirar partido destas sinergias permitindo o crescimento e o desenvolvimento deste CoLab inovando e disseminando soluções multidisciplinares para enfrentar os desafios atuais e futuros do setor.

As nossas principais áreas de atuação estão alinhadas com diferentes desafios colocados ao setor agroalimentar e que têm sido exigidos pelos diferentes operadores da cadeia de valor, em função da crescente procura pelo consumidor por produtos saudáveis, sustentáveis e simultaneamente inovadores.

O FeedInov tem atualmente uma Diretora científica, uma gestora para a Ciência e um conjunto de investigadores e colaboradores atualmente dispersos pelas áreas de sistemas de produção integrados, saúde e biotecnologia, apoio à indústria e comunicação. Esta é a equipa executiva do FeedInov que apoia e é apoiada pelos associados do CoLab. O FeedInov CoLab apresenta-se como a plataforma para aumentar e alavancar colaborações adicionais entre os seus associados e outros atores do setor, potenciando uma maior competitividade global da produção animal portuguesa. Basta contactarem-nos através da nossa página: www.feedinov.com e nós entramos em campo.

Quais os principais objetivos a que se propõe?

O FeedInov tem três objetivos principais. 1) Ser a infraestrutura de interface entre o tecido industrial e associativo e as entidades de I&D, com o objetivo de promover a inovação, difusão de tecnologia e criação/ crescimento de novos negócios associados aos setores de indústria da alimentação animal e da pecuária, promovendo a sua competitividade. 2) Estimular as relações institucionais entre empresas, associações de produtores, e entidades nacionais e internacionais de I&D, para a implementação de parcerias em projetos de I&D e para a promoção da capacidade de incorporar o conhecimento e as novas tecnologias geradas. 3) Identificar, apoiar e promover a disseminação e transferência de conhecimento científico e tecnológico;

Propomos uma abordagem coordenada, sistemática, com base em: (i) inovação e soluções baseadas em ciência, e (ii) transição para sistemas ainda mais sustentáveis e cadeias de valor suportadas por abordagens inclusivas e inovadoras.

Podemos dizer que temos três grandes eixos em torno da produção e alimentação animal: 1) matérias primas e circularidade, 2) saúde 3) zootecnia4.0

Tudo isto é possível de ser alcançado com um foco no setor da alimentação animal, elemento chave no bom desempenho do setor pecuário, através do fornecimento de alimentos que serão eficientemente transformados em produtos de origem animal.

Assim, os critérios de qualidade e segurança são preponderantes numa abordagem europeia integrada para o fornecimento de alimentos para animais em quantidade suficiente, seguros e de elevada qualidade, para a produção de produtos de origem animal (ovos, leite e carne) igualmente seguros, de elevada qualidade e ao encontro das expectativas dos consumidores. Representam também oportunidades crescentes de exportação. É possível produzir mais e melhores produtos de origem animal, com menor recurso a fontes edíveis e menor desperdício. Existe um elevado potencial na valorização de fluxos de resíduos orgânicos, resíduos não utilizados e de novos subprodutos da cadeia da alimentação humana, através do desenvolvimento de novas tecnologias, mas também das atualmente existentes, o que inclui a reutilização de resíduos de bioindústrias (onde estes têm potencial para produzir nutrientes e energia valiosos), a fim de otimizar a sua utilização em toda a cadeia de valor.

A indústria de alimentação animal, impulsionada pela investigação e conhecimento científico, pelo FeedInov CoLab, é um parceiro fundamental para um setor pecuário competitivo, sustentável e ambientalmente positivo (…).

→ Leia a entrevista completa na edição de fevereiro 2022 da Revista Voz do Campo.