Gabriela Cruz Presidente da APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo

Gabriela Cruz é engenheira agrónoma pela Universidade de Lisboa e mestre pós-graduada em gestão agrícola pelo Wye College da Universidade de Londres. Nos últimos 32 anos tem gerido a exploração agrícola da sua família no Alentejo, e desde 2000 é presidente da APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo. Na sua atividade adota práticas de gestão sustentável como a agricultura de conservação, a produção integrada e o uso eficiente da água nas culturas de trigo, cevada dística, ervilha, trevo, milho grão, pastagens biodiversas e na produção pecuária – atualmente a produção de bovinos e de porco alentejano estão em modo de produção biológico. Nesta Entrevista fala-nos não só da atividade da Associação como da visão que tem para o futuro em relação à Agricultura de Conservação.

Gabriela Cruz, Presidente da APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo

O que é hoje a APOSOLO, isto é, quais são as suas principais atividades?

A APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo, fundada em 1999, é uma associação privada sem fins lucrativos de agricultores, investigadores, empresas, estudantes e outros interessados na adoção, em Portugal, de práticas da Agricultura de Conservação (AC). A APOSOLO sempre se focou no desenvolvimento, experiência e transferência de conhecimento da AC; e no acompanhamento das políticas nacionais e da UE relativas à utilização do solo pelo sector agroflorestal.

Atualmente a APOSOLO participa no projeto CAMA – Abordagens participativas baseadas na investigação para a adoção da Agricultura de Conservação na Região Mediterrânica, financiado pela União Europeia (o projeto CAMA faz parte do programa PRIMA, apoiado pelo programa de investigação e inovação Horizonte 2020 da União Europeia, ao abrigo do contrato de financiamento nº. 1912), e colabora no LIFE AGROMITIGA e no ISOmapForragem – Tecnologias Normalizadas na Produção de Forragens (ALT20-03-0246- FEDER-000062) cofinanciado pelo FEDER, através do Programa Operacional Regional do Alentejo do Portugal 2020.

A APOSOLO é membro da Comissão Coordenadora da PPS – Parceria Portuguesa para o Solo, e é sócia fundadora da ECAF – Federação Europeia de Agricultura de Conservação que completou este ano 22 anos de existência.

Quais os principais obstáculos que tem enfrentado ao longo deste percurso?

Entre os obstáculos encontrados destaco: (1) a evidência da necessidade de demonstrar/ de ter exemplos em campo “reais” das práticas de AC, e as dificuldades associadas a essa exigência; (2) a existência de culturas em Portugal para as quais não é possível fazer AC ou não há experiência consolidada em Portugal e/ou no Mundo, sendo necessário desenvolver experimentação e investigação com a colaboração das partes interessadas como agricultores, agroindústria e instituições de investigação aplicada; (3) a falta de meios humanos e financeiros necessários para a divulgação conveniente das práticas de AC; e (4) a consequente desmotivação da adoção das práticas de AC por parte dos agricultores portugueses.

Quem são os seus associados e que serviços lhe presta a Associação?

Tal como referido anteriormente, os associados da APOSOLO são agricultores, investigadores, empresas, estudantes e outros interessados na adoção, em Portugal, da AC. A Associação apresenta 4 tipologias de sócio – estudante; ordinário/comum; protetor de âmbito regional; e protetor de âmbito nacional. Em primeira instância, os sócios da APOSOLO promovem/apoiam as atividades da APOSOLO, tendo como garantia a dedicação de uma entidade nacional às práticas da AC. Neste contexto, os serviços diretos prestados aos sócios são a organização de workshops, dias de campo, seminários e congressos nacionais e internacionais; a publicação periódica da newsletter Conservar a Terra – enviada para mais de 1450 contactos; a disseminação dos resultados dos projetos nos quais a APOSOLO participa; e a divulgação de eventos relacionados com a AC e o recurso solo. A APOSOLO tem desde a sua primeira hora a preocupação consistente de transferir informação aos agricultores para que se sintam motivados na adoção das práticas sustentáveis da AC.

Qual é o retrato que pode fazer-se do solo português? E que contributo pode ter o solo numa produção sustentável?

Ao longo do território português regista-se uma variação das características dos solos, sendo de referir que os solos com elevada capacidade de produção de biomassa são escassos. De acordo com Nuno Cortez e Maria Manuela Abreu1, professores do Instituto Superior de Agronomia, os solos com maior capacidade produtiva totalizam aproximadamente 4% da área total de Portugal, e são os classificados (Classificação Portuguesa) como Barros, ocupando pequenas áreas sobre o Complexo-vulcânico de Lisboa e também no Baixo Alentejo (Barros de Beja), e Aluviossolos, desenvolvidos sobre aluviões localizadas em zonas adjacentes a linhas de água.

Em Portugal Continental, as três pressões sobre o solo identificadas no documento de Diagnóstico2 do Objetivo Estratégico 5 do PEPAC – Plano Estratégico da PAC 2023-2027 – são o Índice de Aridez, o Teor Total de Carbono nos Solos Agrícolas e a Erosão do Solo pela Água. As pressões referidas resultam, essencialmente, das condições edafoclimáticas, e das práticas culturais desadequadas.

Sabemos que as pressões referidas ocorrem para além do território português, tal como referido por Nuno Cortez e Maria Manuela Abreu (2008), baseando-se numa comunicação da Comissão das Comunidades Europeias, na Europa 115 milhões de hectares, equivalentes a 12% do território europeu, estão sujeitos à erosão hídrica e que 45% do solo europeu apresenta um teor de matéria orgânica demasiado baixo.

Na nossa exploração agrícola, no Alentejo, os solos são pesados, muito argilosos, que arrefecem facilmente, e, alguns deles, com uma camada impermeável a 30 cm. Estas características, que dificultavam e encareciam a mobilização dos solos, foram determinantes para em 1998 adotarmos a sementeira direta em culturas de outono-inverno – cereais e leguminosas – e a mobilização na linha para o milho, o girassol e a soja.

Sendo a sementeira direta e a cobertura do solo dois dos princípios da agricultura de conservação, qual tem sido a adesão dos agricultores portugueses a estas práticas?

A Agricultura de Conservação/Regenerativa (AC) assenta em 3 princípios: (1) distúrbio mínimo do solo/sem mobilização; (2) cobertura permanente do solo; (3) diversificação de culturas. As práticas referidas na pergunta são exemplos dos princípios de distúrbio mínimo do solo e da cobertura permanente do solo. Atualmente, consideramos a adesão dos agricultores portugueses (área e número de beneficiários) à medida agroambiental de Conservação do Solo (PDR 2020 operações 7.4.1 e 7.4.2), como o proxy – indicador indireto – mais indicado para contabilizar a área dedicada à AC, embora suspeitemos de que a área em AC poderá ser 10% maior, e de existam agricultores que não se candidatam à medida.

Durante o referido período, verificou-se um decréscimo de adesão à medida, explicado através dos compromissos e flexibilidade inerentes à própria medida. Todavia, a partir de 2021 registou-se um aumento devido à possibilidade do início de um novo ciclo de compromissos à medida de Conservação do Solo, representando uma área, nas candidaturas ao Pedido Único em 2022, de aproximadamente 2,9% da Superfície Agrícola Útil (SAU) de Portugal Continental – considerando a SAU do Recenseamento Agrícola 2019 (…).

→ Leia a entrevista completa publicada na edição de novembro 2022 da Revista Voz do Campo.