Introdução

Os citrinos são frutos que amadurecem na árvore. Esse processo de maturação é gradual e consiste na mudança de cor do fruto de verde para alaranjado e numa alteração do conteúdo da polpa em que o teor de ácidos vai diminuindo e o teor de açúcares vai aumentando. Com esta evolução, o fruto torna-se mais agradável à vista e ao paladar. Toda a gente conhece essa evolução, mas muitas vezes surgem dúvidas sobre qual o ponto do processo em que devemos colher a fruta, isto é, qual deve ser a data de colheita dos frutos.

Trabalho realizado na Universidade do Algarve

Procurámos responder a essa pergunta num projeto desenvolvido há alguns anos na Universidade do Algarve, em cooperação com as organizações de citricultores da região.

A resposta é, desde logo, bastante complexa. A evolução da maturação depende da variedade, do porta-enxerto, do tipo de solo em que está o pomar, das condições climatéricas durante o processo e das práticas culturais. Por isso, é sempre necessário ir analisando os frutos, para sabermos como está a evoluir a sua maturação. Nessas análises determinamos o teor de sólidos solúveis (sobretudo açúcares) e de ácidos (sobretudo ácido cítrico) e calculamos o índice de maturação, que corresponde à relação entre açúcares e ácidos. É geralmente aceite que esse índice é o valor que melhor se correlaciona com a sensação de doçura que os consumidores percecionam. Seria agora necessário saber qual o índice de maturação acima do qual os consumidores consideram que os citrinos têm um bom sabor ― com tal índice seria então identificado o tempo/momento ideal para realizar a colheita.

Procurámos estabelecer essa relação através de um painel de consumidores que apreciavam amostras de frutos de um amplo conjunto de variedades, cujos índices de maturação conhecíamos. Ficou assim determinado para cada variedade qual o índice de maturação a partir do qual a maioria dos consumidores considera que os frutos estão suficientemente doces. Sabemos que a Indicação Geográfica Protegida (IGP) “Citrinos do Algarve” é uma marca que só deve ser usada em frutos de elevada qualidade e cujo, sabor os consumidores relacionam com os frutos produzidos nesta região. Sendo assim, os consumidores foram questionados quanto à correspondência entre os frutos que estavam a provar e o que esperavam de um citrino com tal etiqueta. Dessa forma determinámos para cada variedade qual o índice de maturação a partir do qual os frutos poderiam ser comercializados com a etiqueta de IGP “Citrinos do Algarve”.

A tângera ‘Carvalhais’ a meados de novembro ainda apresenta tons esverdeados, mas já está suficientemente doce para ser colhida. Porém, os consumidores consideram que neste ponto de maturação ainda não deve ser vendida com a IGP “Citrinos do Algarve”.

Otimização da data de colheita

Conhecidos os limites referidos no ponto anterior, importa saber se a data de colheita deve ser determinada apenas em função desses limites. Na verdade, a decisão sobre a data de colheita deve atender a diferentes vontades/interesses. Para a generalidade dos consumidores, a colheita deveria ocorrer quando os frutos estivessem muito doces, o que implicaria deixar os frutos na árvore até atingirem um elevado índice de maturação, muito acima do limite mínimo admitido. Porém, os produtores estão interessados em antecipar a colheita tanto quanto possível, na medida em que uma colheita antecipada diminui a perda de frutos pelo ataque de pragas (sobretudo pela mosca da fruta) e por queda natural. Além disso, o atraso na colheita leva muitas vezes a uma redução da produção do ano seguinte. Resta ainda salientar que um fruto muito maduro tem uma casca mais branda e resiste menos ao transporte, o que leva a maiores perdas no tratamento pós-colheita e durante a comercialização. Por isso, os agentes da cadeia de comercialização preferem trabalhar com frutos que não se encontrem em adiantado estado de maturação.

O consumidor tem sempre razão

A venda de frutos que não satisfaçam os consumidores conduz a uma diminuição do consumo. É conhecido o fenómeno de retração das vendas após o início da campanha, em quase todos os países. Quando aparecem os primeiros citrinos de cada campanha, ocorre uma boa venda devido à novidade do produto. Como muitas vezes esses frutos estão ainda muito ácidos, os consumidores sentem-se enganados e, durante uma semana ou duas, evitam adquiri-los. Após esse período recupera-se o nível de vendas. Claro que este fenómeno pode ser mais ou menos acentuado, dependendo dos índices de maturação com que se inicia a campanha. Em alguns anos, a maturação dá-se com algum atraso e há maior tendência para iniciar a campanha com fruta demasiado ácida, o que acentua a subsequente queda de vendas.

Ora, todos os agentes da fileira citrícola, desde o produtor ao retalhista, estão interessados em ter um elevado volume de vendas, pelo que é do interesse de todos evitar inícios de campanha com fruta demasiado ácida.

O prestígio dos “Citrinos do Algarve”

A fruta portuguesa é conhecida por ter um sabor melhor que o da fruta importada. No caso dos citrinos, é conhecido o prestígio da produção do Algarve. Foi justamente esse prestígio que fundamentou a criação da IGP “Citrinos do Algarve”. O nível superior de qualidade dos citrinos do Algarve deve-se às condições edafoclimáticas da região e a um tipo de produção pouco intensivo, em que a produtividade é relativamente baixa e a qualidade é excelente. Mas a doçura dos citrinos do Algarve também se deve a uma colheita relativamente tardia, comparada com outros países produtores. No Algarve a fruta conserva-se na árvore, mesmo depois de atingir o índice mínimo de maturação. Isto acontece sobretudo com as laranjas serôdias ‘Valencia Late’ e ‘D. João’, que são habitualmente colhidas num adiantado estado de maturação. Alterar essa prática pode levar a uma perda de prestígio dos citrinos portugueses e particularmente dos do Algarve, que é a zona onde se concentra a maior parte da produção nacional de citrinos.

Variabilidade de preferências/gostos

Todos sabemos que as preferências variam de pessoa para pessoa e que o que para uns é um fruto demasiado ácido, para outros é um fruto demasiado doce. Na verdade, o trabalho que realizámos revelou que essas diferenças entre consumidores é muito superior ao que nós esperávamos. Foi enorme a disparidade de avaliações de diferentes consumidores relativamente à mesma amostra de fruta.

Ao iniciar a campanha de acordo com os índices mínimos de maturação que determinámos, haverá sempre consumidores descontentes quer por considerarem os frutos demasiado ácidos quer por nunca os encontrarem suficientemente ácidos. A percentagem de descontentes pode chegar frequentemente a trinta ou quarenta por cento. Talvez seja, por isso, de equacionar a possibilidade de incluir nas etiquetas que acompanham os frutos alguma informação qualitativa sobre o estado de maturação interna dos mesmos, como, por exemplo: “frutos com acidez moderada”, “frutos superdoces” ou outras. Pode ainda colocar-se na etiqueta um valor aproximado do índice de maturação dos frutos de cada lote. Em qualquer dos casos permitiríamos que os consumidores pudessem escolher os frutos com o nível de maturação da sua preferência.

Variabilidade no pomar e escolha de frutos

Quando determinamos o índice de maturação de um determinado pomar, fazemo-lo com uma amostra de frutos recolhida aleatoriamente. Porém, sabemos que o índice de maturação varia muito dentro de um mesmo pomar e até muitas vezes na mesma árvore ― os frutos maiores têm uma acidez mais baixa; os situados no lado sul são mais doces que os do lado norte; os frutos que se encontram numa árvore com baixa produção são mais saborosos que os que foram produzidos numa árvore muito carregada de fruta. Por isso, mesmo que o índice de maturação da média dos frutos seja adequado, há alguns demasiado ácidos e outros demasiado doces. Avanços tecnológicos recentes têm permitido encontrar métodos não destrutivos de determinação do índice de maturação dos frutos. Dentro de pouco tempo, teremos sensores incorporados nas linhas de seleção de fruta que permitirão escolher os frutos segundo o índice de maturação de cada um, obtendo deste modo lotes de fruta mais homogéneos quanto ao seu sabor.

Artigo completo publicado na Revista Voz do Campo n.º 200 (janeiro 2017).

AUTORIA:

Amílcar Duarte Centro para os Recursos Biológicos e Alimentos Mediterrânicos (MeditBio) aduarte@ualg.pt

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