Introdução

O uso de algas marinhas como fertilizante agrícola é ancestral. Nas últimas décadas elas têm vindo a ser usadas sobretudo na forma de extrato para aplicação ao solo, na água de rega, ou por via foliar.

Figura 1. Amendoal de sequeiro instalado em solo de baixa fertilidade

As quantidades de nutrientes que se aplicam são mínimas, pelo que os efeitos esperados nas plantas não podem ser apenas devidos ao seu conteúdo em nutrientes. Nos últimos anos estes produtos têm vindo a ser designados de bioestimulantes. A designação de “bioestimulante para plantas” foi recentemente adotada pela União Europeia, que passou também a integrar produtos com microrganismos benéficos habitualmente designados de biofertilizantes.

O uso crescente de produtos comerciais contendo algas marinhas na agricultura justifica que a investigação lhe dê atenção para que os produtores possam tirar o melhor partido do seu uso. Esta é uma das linhas principais de investigação do grupo operacional EGIS – Estratégias para a Gestão Sustentável do Solo e da Água em Espécies Produtoras de Frutos Secos, tendo sido o reconhecimento da sua importância que justificou a preparação destes textos.

Utilização de algas marinhas como promotoras do crescimento das plantas

As macroalgas marinhas constituem um grupo vasto de mais de 10000 espécies, dispersas pelos grupos feófitas (algas castanhas, filo Ochrophyta), rodófitas (algas vermelhas, filo Rhodophyta) e clorófitas (algas verdes, Chlorophyta) (Goñi et al. 2020). Sendo autotróficas, têm um papel relevante na ecologia dos oceanos como alimento e abrigo de uma grande diversidade de outros organismos. A primeira evidência do uso humano de algas marinhas foi encontrada em restos orgânicos com 15000 anos no sul do Chile, onde um antigo grupo migratório de origem costeira se estabeleceu e terá utilizado algas na sua alimentação (Dillehay et al. 2008).

Textos antigos e estudos etnográficos diversos têm revelado que as algas marinhas foram usadas pelo homem ao longo dos tempos e em diversas civilizações não só na alimentação, mas também como medicamento, em cosméticos, tinturarias e como fertilizante agrícola (Battacharyya et al. 2015). Em Portugal, o seu uso como fertilizante agrícola terá sido, contudo, o mais generalizado (Pereira e Cotas 2020).

O valor fertilizante reconhecido às algas marinhas tem vindo a aumentar o seu uso na agricultura e diversificado as formas de utilização. Para além da sua aplicação como corretivo orgânico diretamente ao solo, a partir da segunda metade do século XX ganhou importância o uso de extratos à base de algas para aplicação por via foliar, na água de rega ou em hidroponia. Com extratos usam-se quantidades muito pequenas de matéria-prima o que permite generalizar o seu uso a regiões afastadas das zonas costeiras. No formato de extratos, a quantidade de nutrientes aplicados por unidade de área é insignificante para poder influenciar o crescimento das plantas pelo seu conteúdo em nutrientes. Contudo, tem vindo a ser demonstrado que os extratos de algas marinhas têm capacidade para estimular o crescimento das plantas, sendo os seus efeitos mediados por promotores de crescimento e elicitores (Rouphael e Colla 2020).

Algumas algas marinhas contêm diversos compostos com atividade hormonal, designadamente auxinas, citoquininas, giberelinas, ácido abscísico, poliamidas, polissacáridos e compostos fenólicos (du Jardin et al. 2020). Para além disso, há também evidência de que os efeitos hormonais dos extratos de algas marinhas se explicam, em grande medida, por regulação negativa e positiva (down and upregulation) dos genes de biossíntese das hormonas nos tecidos das plantas e em menor extensão pelo conteúdo hormonal original dos extratos de algas (du Jardim 2015; De Saeger et al. 2020).

As algas marinhas como bioestimulante

As algas marinhas utilizadas na forma de extrato para aplicação ao solo ou em caldas foliares não devem ser vistas como fertilizantes, devido à reduzida quantidade de nutrientes que contêm. Estes produtos são normalmente incluídos no grupo dos bioestimulantes. O conceito “bioestimulante das plantas” tem sido difícil de estabelecer, embora venha sendo utilizado há alguns anos a esta parte em contextos variados. Nele se têm incluído para além de extratos de algas, ácidos húmicos e fúlvicos, extratos de plantas, hidrolisados de proteínas e outros compostos azotados (com grande destaque para aminoácidos), quitosano e outros biopolímeros e compostos inorgânicos diversos (fosfito, silício, …).

Recentemente tem sido defendido que o conceito deve incluir produtos contendo microrganismos benéficos (bactérias e fungos), habitualmente referidos como biofertilizantes. Assim, um bioestimulante das plantas é um produto que contém substâncias e/ou microrganismos cuja função, quando aplicado às plantas ou à rizosfera, é estimular processos naturais que beneficiem a absorção e a eficiência de uso de nutrientes, a tolerância a stresses abióticos e/ou a qualidade das plantas (Colla e Rouphael 2015; Shukla et al. 2019; du Jardin et al. 2020).

A União Europeia reconheceu recentemente os bioestimulantes das plantas como uma categoria distinta dentro dos produtos fertilizantes, em regulamento publicado em 25 de junho de 2019 no jornal oficial da União Europeia [Regulamento (UE) 2019/1009, de 5 de junho]. De acordo com a nova regulamentação, um bioestimulante para plantas é um produto fertilizante cuja função é estimular os processos de nutrição das plantas, independentemente do teor de nutrientes do produto, com o único objetivo de melhorar pelo menos uma das seguintes características das plantas ou da sua rizosfera: a) eficiência na utilização de nutrientes; b) tolerância ao stresse abiótico; c) características de qualidade; ou d) disponibilidade de nutrientes no solo ou na rizosfera. Dos bioestimulantes para plantas não se espera uma ação direta sobre pragas ou doenças ainda que se tenha verificado que alguns podem melhorar a tolerância das plantas a stresses bióticos (Gunupuru et al. 2019; Patel et al. 2020).

De qualquer forma, a legislação europeia considera que os bioestimulantes são por natureza mais semelhantes aos produtos fertilizantes do que à maioria dos produtos fitofarmacêuticos. Os seus efeitos complementam os fertilizantes e têm por objetivo otimizar a eficiência destes e reduzir as quantidades de fertilizantes a aplicar.

De uma forma global, espera-se que o mercado dos bioestimulantes das plantas cresça a uma taxa de 12,3% ao ano e que possa atingir o valor de 5,5 mil milhões de dólares em 2027 (Carmody et al. 2020). No presente, os extratos de algas de uso mais generalizado são obtidos a partir da espécie Ascophyllum nodosum (L.) Le Jolies. Vasta literatura tem evidenciado que os extratos destas algas podem beneficiar as plantas em diversos aspetos, aumentando a sua tolerância à salinidade (Shukla et al. 2019), a temperaturas elevadas (Carmody et al. 2020), a stresse hídrico (Xu and Leskovar 2015; Goñi et al. 2018) e/ou aumentar a produtividade e a qualidade dos produtos (Taskos et al. 2019; Viencz et al. 2020). Referências relativas à redução da incidência de doenças também são comuns. Gunupuru et al. (2019), por exemplo, reportaram redução de incidência de podridão cinzenta em ameixeiras e Patel et al. (2020) uma melhor ativação das defesas do feijoeiro contra o oídio. É também frequente um produto bioestimulante comercial conter misturas de diversas substâncias ou o mesmo produto ser recomendando tanto para aplicação foliar como ao solo, obtendo-se por vezes sinergismos benéficos para as plantas no uso destas misturas (Sandepogu et al., 2019).

Utilização potencial de extratos de algas marinhas em amendoal de sequeiro

No interior Norte de Portugal, o setor dos frutos secos, com particular destaque para a amendoeira, está instalado em solos de fertilidade muito reduzida (Figura 1). As principais fragilidades edáficas são causadas por um declive geralmente elevado das parcelas habitualmente destinadas a estes pomares, cujos solos, devido a erosão contínua, apresentam espessura efetiva muito reduzida, bem como teores de argila e matéria orgânica muito baixos.

Daqui resulta o principal constrangimento ao desenvolvimento das árvores que é a reduzida capacidade de armazenamento de água, tendo em conta que esta é uma agricultura quase integralmente de sequeiro. Os aspetos referidos, associados à acidez dos solos e à reduzida disponibilidade de alguns nutrientes importantes, fazem com que estes agro-sistemas tenham fraca produtividade primária. Deve também acrescentar-se que no contexto do aquecimento global é expectável que as condições ambientais se agravem, com aumento das vagas de calor e redução da precipitação anual (Quinteiro et al., 2019). Neste cenário, a técnica cultural deve estar em permanente adaptação a um ambiente em mudança (Correia e Rodrigues, 2020).

Os extratos de algas marinhas são conhecidos por melhorarem o desempenho das plantas sobretudo em situações de stresse abiótico. No plano teórico, os pomares de sequeiro poderiam beneficiar com a utilização destes fatores de produção tendo em conta as fortes restrições ecológicas em que são cultivados. Contudo, grande parte da investigação que tem sido feita com algas marinhas ocorreu em ambiente muito controlado, em vasos ou em estufa. Em escala comercial é mais difícil obter resposta das plantas à aplicação destes produtos.

Na aplicação em escala comercial há muitos aspetos que têm de ser otimizados para que se possa tirar partido efetivo da sua utilização. Pouco ou nada se sabe sobre as melhores datas (estados fenológicos) e momentos (hora do dia) de aplicação ou por quanto tempo persiste o efeito do produto e qual a melhor frequência de aplicação. A gama de produtos no mercado também é muito diversa, dependendo das marcas, não sendo crível que todos tenham efeito similar. É também comum em produtos comerciais a combinação de várias substâncias com efeito bioestimulante, o que dificulta a avaliação separada de cada constituinte podendo mesmo haver efeitos sinérgicos entre eles. Por outro lado, os produtos têm um custo de mercado tendencialmente elevado. Tem sempre de se avaliar se o retorno em produtividade ou no valor da produção compensa o investimento no produto e na sua aplicação.

No Grupo operacional EGIS, estratégias para a gestão do solo e da água em espécies produtoras de frutos secos (Iniciativa ID 91), está instalada uma rede de ensaios em que se utilizam bioestimulantes para as plantas à base de extrato de algas em concorrência com outras técnicas de cultivo. Em breve, a equipa estará em condições de divulgar resultados de utilidade para os produtores nacionais de amêndoa com destaque para os que cultivam em sequeiro.

Tendo em conta a similaridade ecológica em que o olival tradicional é cultivado, espera-se que os resultados experimentais obtidos na amendoeira possam ser extrapoláveis para o olival (…).

→ Leia o artigo completo na edição de janeiro de 2021.

Autoria:

  • M. Ângelo Rodrigues1, Carlos M. Correia2 e Margarida Arrobas1
  • 1CIMO, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal
  • 2CITAB, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal

Agradecimento

Grupo Operacional Novas práticas em olivais de sequeiro: estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas (Iniciativa ID 278). Grupo Operacional EGIS, estratégias para a gestão do solo e da água em espécies produtoras de frutos secos (Iniciativa ID 91).

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