A equipa do projeto MOVERCULOSIS, liderada por Sara Santos – investigadora do MED, está a utilizar tecnologias como coleiras GPS e armadilhas fotográficas para seguir os movimentos de javalis e bovinos numa área de estudo em Barrancos, com o objetivo de entender como estas interações podem influenciar a propagação da bactéria Mycobacterium bovis, responsável pela tuberculose bovina, e mitigar os riscos para a saúde do gado. Leia o texto redigido por Ana Sampaio, técnica do projeto Moverculosis e fique a conhecer melhor este projeto.

O QUE É A TUBERCULOSE BOVINA?

A tuberculose bovina é uma doença contagiosa causada pela bactéria Mycobacterium bovis. Embora o nome latim desta bactéria faça referência ao gado bovino, esta bactéria poderá contagiar uma grande variedade de mamíferos selvagens tais como o javali, o veado e o texugo, sendo estes reservatórios naturais desta bactéria.

Montagem das armadilhas no campo

A tuberculose bovina origina lesões graves no trato respiratório e em outras partes do corpo de animais contagiados. A sua principal via de transmissão é a inalação de aerossóis contaminados com a bactéria, isto é, pequenas partículas suspensas no ar após terem sido excretadas (tosse, espirros). Contudo, há registos de transmissão desta doença por ingestão de material contaminado, tal como excrementos, leite, pasto e ração. Estudos recentes sugerem que a bactéria após ser excretada poderá sobreviver entre dias a poucos meses, dependendo de fatores como a estação do ano e o tipo de superfície onde se deposita. Desta forma, o contágio poderá dar-se não só a partir de contactos diretos entre animais, mas também pelo contacto indireto, ou seja, pelo uso do espaço partilhado entre animais numa janela temporal adequada à sobrevivência da bactéria.

Captura de animais para seguimento

O QUE SE TEM FEITO PARA COMBATER ESTA DOENÇA?

Os países desenvolvidos têm vindo a aumentar o esforço a fim de controlar e erradicar esta doença, realizando campanhas de vacinação obrigatórias e testagem frequente do gado bovino. No entanto, é de extrema importância não descurar o potencial efeito das espécies selvagens que compartilham o espaço com o gado, pois elas podem efetivamente transmitir a bactéria e causar novos surtos da doença em populações saudáveis de bovinos.

COMO SURGE ESTE PROJETO?

É no cenário da lacuna no conhecimento sobre as interações indiretas entre o gado e os animais selvagens que surgiu o projeto MOVERCULOSIS, liderado pela bióloga Sara Santos do MED-UÉvora. Este projeto, financiado pela FCT1 e com a participação da FCiências ID 2, visa estudar como o comportamento dos animais selvagens e os seus movimentos na paisagem poderão influenciar o risco de transmissão da tuberculose bovina.

A área de estudo do projeto localiza-se em Barrancos, próxima da fronteira de Espanha, mais especificamente, na Herdade da Coitadinha e nas Herdades das Russianas. As tarefas envolvem a aplicação de um grande leque de metodologias diferentes de diversas áreas disciplinares, desde a ecologia, a microbiologia, a deteção remota e sistemas geográficos, tais como o uso de máquinas fotográficas com sensor de movimento, coleiras de seguimento por GPS e testagem de bactérias no ambiente.

COMO SEGUIMOS O GADO?

Uma das tarefas mais recentes tem sido o seguimento de gado e de animais selvagens através de coleiras com GPS. Por meados de março, em dia de vacinação e rastreio de tuberculose bovina, foram colocadas as primeiras coleiras no gado da Herdade da Coitadinha. As últimas coleiras foram colocadas em setembro em indivíduos de uma raça autóctone ameaçada em Portugal, a Garvonesa. Além disso, as vacas nas Herdades das Russianas também foram equipadas com coleiras. Desde então, estão a ser seguidas 21 vacas das raças Alentejana, Mertolenga, Garvonesa e cruzadas.

COMO SEGUIMOS OS ANIMAIS SELVAGENS?

A tarefa de colocar coleiras GPS em animais selvagens foi sem dúvida a mais ardilosa e logisticamente mais complexa de se realizar. De forma a maximizar a captura de animais selvagens, foi dada prioridade a espécies comuns na área e com maior potencial de interação com o gado, nomeadamente o javali e o veado. Em colaboração com investigadores do CESAM3 da Universidade de Aveiro, foram cedidas 5 armadilhas cilíndricas que já tinham sido utilizadas para capturar javalis com sucesso na Serra da Lousã e na Arrábida. Em inícios de abril, as armadilhas foram colocadas nas duas herdades juntamente com máquinas fotográficas providas de sensor de movimento e com capacidade de enviar fotografias por WIFI. Desta forma, foi possível monitorizar a atividade dos animais selvagens nas semanas anteriores às capturas. A fim de atrair os animais selvagens foram utilizados vários iscos, entre eles milho, amêndoas e atrativos olfativos comerciais.

As capturas decorreram nos meses de junho, julho e setembro e tiveram o acompanhamento de dois veterinários e de um técnico da EDIA4Este esforço resultou num total de cinco javalis adultos capturados, dois machos e três fêmeas. Além disso, observaram-se outras espécies selvagens a entrar nas armadilhas, desde texugos, veados, raposas e sacarrabos.  Nesta fase do trabalho, as máquinas fotográficas WIFI foram cruciais, pois permitiram obter informação sobre os animais capturados em tempo real.

A fim de colocar as coleiras de forma segura e, respeitando o bem-estar dos animais capturados, estes foram sedados com dardos tranquilizantes pelo veterinário. Para além da colocação da coleiras, foram registadas uma série de medidas biométricas; recolhidas amostras de sangue e carraças; e avaliado do estado de saúde geral dos indivíduos. No fim do processo, os animais eram recolocados na armadilha e só libertados após recuperarem a consciência e voltarem a mover-se naturalmente. De um modo geral, o processo levava cerca de duas horas por animal, desde a sedação até à libertação. Todos os animais reagiram bem ao processo e tudo correu como esperado e de forma expedita.

Os dados dos movimentos do gado e do javali irão proporcionar um aumento do conhecimento dos padrões de interação destas espécies e das áreas de maior risco de transmissão da bactéria, mas também irão auxiliar os gestores das herdades a delinear ações de saneamento focadas nas áreas onde se encontra o gado.

Veados e javalis observados nas armadilhas a partir de fotoarmadilhagem

Este trabalho foi realizado pelos investigadores: Sara Santos, Rui Lourenço, Eduardo Ferreira, Ana Sampaio, Mariana Tomaz, Vasco Mendes (MED) e Mónica Cunha (FCiências.ID). Um especial agradecimento aos veterinários Dr. Pedro Melo da Vetnatura e Dra. Carla Fino, ao técnico Luís Garcia Guerreiro e ao Eng. José Carlos Ruivo da EDIA, assim como à Engª Inês Fialho e ao técnico Luís Branquinho Guerreiro da Herdade das Russianas.

(1) Fundação para a Ciência e a Tecnologia: projeto MOVERCULOSIS; 2022.06014.PTDC; (2) Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências; (3) Centro de Estudos do Ambiente e do Mar; (4) Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva S. A.