O projeto CAEA-AGRI, uma parceria entre a ANPROMIS, a ANSEME, o COTHN e o INIAV (Banco Português de Germoplasma Vegetal), surgiu com o intuito de encontrar os melhores biótipos de milho e de couves para o novo clima.

Autoria: Violeta Lopes1, Carlos Gaspar1, Ana Maria Barata1

1 BPGV/Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P./CNCACSA 

Enquadramento

E se os nossos métodos atuais de produção de plantas já não forem eficazes? E se as nossas plantas morrerem? E se as culturas mudarem a sua fenologia? Quais as novas épocas de colheita? E se tivermos de reaprender a planificar a produção? Será que podemos reorganizar os sistemas produtivos? As novas ideias não aparecem por acaso. Há sempre uma ligação. O conhecimento é transmitido e herdado. Tudo muda, muito pode mudar, mas não partimos do nada. Alguns criam novas variedades, enquanto outros conservam o material genético e recolhem, conservam, arquivam e trabalham informação com projeção no futuro. São os bancos de germoplasma.

O projeto CAEA-AGRI incidiu no estudo das variedades tradicionais e regionais, conservadas no BPGV, de Milho e Brássicas (couves portuguesas), dadas a sua riqueza nutricional, representatividade nas explorações agrícolas e na gastronomia portuguesa.

Um dos objetivos, fruto das alterações climáticas, foi a identificação e seleção de variedades regionais de Zea Mays L. (Milho), que melhor se adaptam às novas condições de produção e, com base na coleção das couves portuguesas, avaliar o potencial das variedades tradicionais na integração de sistemas produtivos hortícolas sustentáveis.

As culturas não fornecem apenas rendimentos e produções, as suas características e atributos também desempenham um papel significativo na regulação dos ecossistemas agrícolas, afetando as biotas locais, o balanço hídrico, os nutrientes e o ciclo do carbono.

Qual será o ideotipo de planta para uma agricultura sustentável, que poderia inspirar a criação de culturas herbáceas polivalentes, da mesma forma que os ideotipos da Revolução Verde inspiraram a criação de variedades de elite para aumentar os rendimentos da convencional (?).

Culturas alvo do projeto

O milho (Zea mays L.) é a cultura cerealífera mais cultivada a nível global, possuindo diversas aplicações na alimentação humana, alimentação animal e na indústria, sendo essencial para a alimentação diária e nutrição de milhões de pessoas. Com alto valor energético, rico em fibras e diversas proteínas e minerais, o seu principal uso é destinado tanto para a alimentação animal, em formas de rações, quanto humana, podendo ser consumido de várias formas, como o exemplo do Xarém, ou Xerém, que consiste em papas feitas com farinha de milho, um prato tradicional do Algarve. Ou sendo utilizado na indústria como componente na fabricação de farinhas, pães – a broa em Portugal, nomeadamente, Alto Minho, Basto, Vale do Sousa e Avintes, são as regiões onde a broa artesanal é fabricada por pequenos agricultores e agregados familiares, bolos, chocolates, óleos, xarope e etc… Outra vertente do uso do milho no país é a medicinal (barbas de milho), como se regista em muitos estudos de etnobotânica e reconhecido para a higiene feminina, o sistema renal e urinário, devido às suas propriedades diuréticas e anti-inflamatórias.

A versatilidade do milho vai além do setor alimentício (Fig. 1). O grão também é utilizado para a produção de etanol, utilizado para limpeza doméstica, aditivo de gasolina e também como biocombustível para automóveis. O amido derivado do milho também é utilizado na fabricação de medicamentos, cosméticos, resinas, produtos de limpeza, plásticos, tintas e até fogos de artifício.

Mas não pense que é somente o grão que é aproveitado. O carolo e a palha também são muito utilizados no artesanato. O carolo, por exemplo, pode ser utilizado na plantação de orquídeas pois é rico em nutrientes remanescentes dos grãos e possui uma boa drenagem da água. A palha de milho, por sua vez, é uma excelente matéria-prima para a produção de artesanato de forma geral, muito utilizada para fazer bonecas, cestas, chapéus, bolsas e várias outras decorações. Também é uma grande aliada na conservação do solo com a técnica de sementeira direta, em que a palha permanece no solo, cobrindo e protegendo o mesmo contra a erosão, proporcionando nutrientes e valorizando a agricultura sustentável.

Em Portugal, esta espécie possui uma elevada relevância económica, correspondendo a sua produção a mais de 50% da produção total de cereais no território nacional. Com as alterações climáticas, torna-se cada vez mais relevante adaptar e modernizar os sistemas de produção de forma a minimizar os impactos destas, seja pela modernização das práticas culturais e/ou pela adaptação das variedades utilizadas. Neste último aspeto, as variedades regionais, fontes de adaptação local, são fundamentais para a adaptação e valorização das variedades comercializadas, quer pela descoberta de características que forneçam resistência a stresses provocados por seca e/ou temperatura, quer pela descoberta de novos compostos que tragam a estas um valor acrescentado, sob a forma de nutrição e sabor.

A saúde humana e a saúde ambiental estão intimamente relacionadas, por conseguinte, estão a ser envidados esforços para melhorar a sua inter-relação. Neste contexto, foi identificada uma série de géneros de plantas que podem contribuir significativamente para a proteção do ambiente, bem como da saúde humana, nomeadamente, o grupo das brássicas. O cultivo de brássicas, em monocultura ou em consociação e/ou rotação controla processos importantes na rizosfera, solubilidade/biodisponibilidade e acumulação/remediação de contaminantes. As brássicas são espécies ricas em glucosinolatos, metabolitos secundários com propriedades benéficas para a saúde e com papel na defesa das plantas, aos stresses bióticos e abióticos.

O género Brassica constitui um grupo de espécies muito importante do ponto de vista agrícola em todo o mundo. Encontram-se presentes como componentes importantes da culinária de muitas culturas, representando uma fonte de vitaminas A e C, fibra e compostos antioxidantes. As espécies contempladas neste género também desempenham outros papéis, para além do consumo humano, como seja na alimentação animal, na produção de óleo, na produção de biocombustíveis, entre outros. No quadro das alterações climáticas as variedades tradicionais tornam-se recursos para a resiliência e adaptação do setor hortícola. Sujeitas à adaptação local, permitiu-lhes adquirir resistências a stresses bióticos e abióticos, e a seleção ao longo das décadas pelos agricultores proporcionou a existência de características únicas e de interesse comercial. No país as couves portuguesas, património herdado entre gerações, pertencem à matriz sociocultural do país: exemplo do uso medicinal registado em levantamentos etnobotânicos, como na Serra de Montejunto, e em Miranda do Douro; na gastronomia tradicional, que é em grande medida sustentável, e traz benefícios funcionais à dieta alimentar.

Universo de informação analisada no projeto

No BPGV, em 2021, encontravam-se conservadas 2041 variedades regionais de milho. Desde 1984, deste acervo foram caracterizadas, agro morfológica e fenologicamente, 1470 acessos, utilizando um conjunto de 82 descritores/características. E, estavam conservadas 1261 variedades regionais do género Brassica, mais especificamente 139 de B. napus L., 742 de B. oleracea L. e 380 de B. rapa L.. Desde 2011, deste acervo foram caracterizadas, agro morfológica e fenologicamente, 215 acessos: 29 de B. napus, 94 de B. oleracea e 92 de B. rapa, utilizando um conjunto de 54 descritores. As couves portuguesas têm uma diversidade interessante: altas e baixas; com folhas muito enroladas e simples; verde-azuladas, verde-amareladas e vermelhas; eretas e planas; em várias combinações e gradações destes caracteres.

Os locais de colheita destas variedades encontram-se dispersos por todo o território nacional, sendo que o número de variedades colhidas por região acompanha as principais regiões de cultivo das culturas, como é observável no mapa da Fig.2.

Existem provas claras de que as alterações climáticas em curso estão a mudar rapidamente o calendário dos principais acontecimentos recorrentes da vida – a fenologia das espécies – incluindo a floração das plantas, a emergência dos insetos ou a migração das aves. De facto, as mudanças fenológicas são uma das primeiras respostas dos organismos às alterações ambientais e, por conseguinte, um dos indicadores biológicos mais sensíveis das alterações climáticas, precedendo largamente outras respostas mais insidiosas, como extinções.

A crescente consciencialização da importância da fenologia no funcionamento e estabilidade dos ecossistemas desencadeou um renascimento da investigação fenológica nas últimas décadas, liderado pela investigação sobre a fenologia da floração.

Embora a floração seja fundamental para a polinização e a reprodução das plantas, a produção de sementes e frutos é pelo menos tão importante, pois é apenas durante este curto período que as plantas podem colonizar novos sítios ou suportar períodos de condições ambientais desfavoráveis através da dormência das sementes. De facto, o período de tempo disponível para a produção de frutos é um fator-chave dos padrões de diversidade global e é fundamental para compreender como estes podem ser afetados pelas alterações climáticas. Além disso, há provas de que os fatores que determinam o amadurecimento dos frutos não são necessariamente os mesmos que os que determinam a sua produção.

A fenologia das espécies – o momento em que ocorrem os principais acontecimentos da vida – está a ser alterada pelas alterações climáticas em curso, com consequências ainda subestimadas para a estabilidade dos ecossistemas. Embora a floração esteja geralmente a ocorrer mais cedo, sabemos muito menos sobre o período em que os frutos amadurecem, em grande parte devido à falta de conjuntos de dados abrangentes a longo prazo.

Estudos sobre a fenologia da floração e a fenologia da frutificação são particularmente necessários.

Consciente da necessidade e relevância, o projeto focou-se na identificação e interpretação de grupos agro morfológicos, grupos de variedades regionais agregados e descritos pela sua morfologia, fenologia e geografia do seu local de colheita, partindo dos dados de caracterização disponíveis na plataforma GRIN-GLOBAL (Germplasm Resource Information Network). Esta plataforma é uma ferramenta de gestão de dados utilizada por diversos bancos de germoplasma a nível global e permite congregar as informações recolhidas pelo BPGV sobre o germoplasma que conserva, entre outras funcionalidades.

A caracterização dos acessos conservados é um processo moroso, e consiste na descrição da morfologia (altura da planta e características da folha, entre outros), fenologia (dias até à floração, dias até maturação, características relacionadas com o ciclo da planta, …) e produção (como por exemplo, peso de mil grãos e número de folhas).

As análises sobre as características referidas foram: sobre a coleção de milho, um total de 39 descritores (características) foram considerados, obtidos a partir dos valores de caracterização de pelo menos 5 indivíduos (plantas); sobre a coleção de Brássicas os descritores foram 60 e obtidos em pelo menos 20 indivíduos.

No milho foram estudadas 59 932 entradas de dados e, 11 610 entradas de dados nas brássicas.

Resultados

Milho

Da análise efetuada sobre os acessos de Milho, concluiu-se que os fatores de maior variabilidade são a altura da planta e a forma da espiga. Verificou-se ainda que o material característico de altitudes mais elevadas tem ciclos mais curtos, sendo adaptável a novas condições de produção decorrentes das alterações climáticas, em que no caso da incidência de invernos mais longos pode permitir o atraso de sementeiras, ou assegurar a produção evitando os períodos de mais calor e maior temperatura.

Há variedades tradicionais de milho de ciclos culturais de variável duração, com maior ou menor grau de protandria que serão mais ou menos adequadas à obtenção de híbridos; variedades tradicionais de altura diversa (permitindo escolher as mais resilientes ao vento); Variedades com as espigas em altura, em número e com exposição mais ou menos benéficos para a fotossíntese e por essa via, a produção para silagem (taxa de folhas e dimensão das folhas) e a de grão (rapidez e grau de maturação) podem ser beneficiadas; dimensões de espiga e razão entre os diâmetros do carolo e espiga com maior potencial na produção de grão; grãos de tipicidade variada – dimensão, forma, cor, características do endosperma – dentado (mole), doce, flint (duro, vítreo), pipoca, farináceo (redondo).

Os 7 grupos reconhecidos, têm características que interferem ao nível da colheita mecanizada, ao nível da conservação em armazenamento, do ataque por pragas e, tipo de consumo:

Flint, de altitude, de espigas curtas e grossas – Este grupo de acessos, com origem em territórios de maior altitude, caracteriza-se por espigas pequenas e grossas, por um período de maturação e de floração mais longo. Têm menos grãos por espiga e são mais baixos em altura da planta. Este grupo tende a ser constituído por variedades mais tardias.

Flint, de baixa altitude, de alto rendimento – Os acessos têm em comum o facto de serem provenientes de altitudes mais baixas, terem rendimentos acima da média e serem milho amarelo com valor agronómico e potencial produtivo – espigas mais grossas e longas com maior número de carreiras de grão por espiga, produção e peso de mil grãos acima da média, e maior comprimento e largura das folhas.

Flint, do Sul, de espigas longas – Estes acessos tem uma folha mais longa e mais larga, mais grãos por carreira, plantas mais altas e espigas mais longas. Tem menos espigas por planta, uma bandeira mais curta e amadurece mais cedo. A cor do grão é variável.

Flint, do Norte – Este grupo é maioritariamente de milho branco e tem plantas mais altas, com uma bandeira mais comprida e que demoram mais tempo a amadurecer do que os outros grupos. Tem também mais grãos por linha e um ciclo de crescimento mais longo.

Flint, do Sul, de espigas curtas – Os acessos de milho em causa apresentam uma coloração amarela e um número de espigas por planta superior à média. No entanto, apesar deste número de espigas superior à média, a amostra total apresenta uma produção inferior à média.

Flint, de grão pequeno e elevada conicidade – Acessos com espigas com uma conicidade acima da média, grãos pequenos, baixa altura de planta, baixo rendimento e maturidade precoce.

Flint, do Sul, pipoca – Este grupo tem mais milho de pipoca do que os outros. Estas plantas têm mais espigas, carreiras de grãos e grãos por carreira. Também têm mais folhas abaixo da primeira espiga, mas as espigas são mais pequenas e mais grossas. O peso de mil grãos é mais baixo.

Brássicas (couves portuguesas)

O fator mais diferenciador entre as Brássicas é a morfologia das variedades regionais e em particular características interessantes do ponto de vista da produção de folhas (couves de folhas) – o diâmetro e altura da planta, dimensão das folhas, mas também ocupando maior área de solo competindo com as infestantes, e a dimensão dos pecíolos que facilita a produção de IV gama e duração em prateleira, características das síliquas – mais ou menos deiscentes, o que é importante na produção de semente por exemplo para a agroindústria, para além dos ciclos vegetativos (precoces a tardios; anuais, bianuais, sete anos) que como foi referido têm impacto na resiliência aos desafios ambientais.

Quanto a potenciais usos, para além uso tradicional na produção de nabo, nabiça e grelo, as Brássicas estudadas revelaram um elevado potencial para a produção de microgreens e baby leaf, em particular, os grupos de B. napus (couve nabiça) e B. rapa (nabo).

Para as couves portuguesas do grupo olerácea (galegas, tronchas, pencas), foram identificados 3 grupos:

Couves de pé curto da costa Norte – Os acessos com síliquas mais longas e de plantas mais pequenas e com folhas menores são ideais para as cadeias curtas e para grelos de couve. Poderiam mesmo ser melhoradas para a IV Gama.

Couves de maiores dimensões da zona Centro – As plantas são mais altas, mais largas e têm pecíolos mais compridos. São as típicas couves galegas. Estas plantas podem ser utilizadas para a alimentação animal e humana. Estão no campo há três ou quatro anos. Crescem de forma indeterminada.

Couve portuguesa das montanhas do Norte – Os acessos têm síliquas mais pequenas e plantas maiores com folhas mais largas do que no litoral. Estas couves portuguesas, tronchas, são adequadas para o consumo humano e animal e podem ser cultivadas a grandes altitudes.

Impacto

A identificação e a interpretação das análises realizadas foram um dos resultados importantes do Projeto e a melhor forma de atingir os objetivos previamente estabelecidos – a identificação de populações ou variedades adaptadas a novas condições de produção, decorrentes das alterações climáticas.

Havemos muitas potenciais variedades, que podem servir objetivos mutáveis no tempo.

Agradecimentos a Tiago Machado, bolseiro do projeto génese deste artigo, CAEA-AGRI-Caminhos de Adaptação de Espécies Agrícolas ás Alterações Climáticas, que realizou, sob orientação, as análises estatísticas do conjunto de dados com recurso à plataforma R.

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