Jorge Rita • Presidente da Federação Agrícola dos Açores
A atividade agropecuária contribui em 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) da Região Autónoma dos Açores e gera 11% do emprego. O setor assenta essencialmente na pecuária de leite e carne e, para além da maioria da área que é constituída por pastagens permanentes, a restante superfície é ocupada por culturas temporárias forrageiras e ocupações culturais com destaque para a vinha na ilha do Pico, merecendo ainda menção a área florestal. Em 1992 foi fundada a Federação Agrícola dos Açores que ao longo dos seus 30 anos tem vindo a acolher organizações de produtores das 9 ilhas do arquipélago em todos os setores de atividade. Neste momento a FAA conta com 23 associadas e é presidida pela Associação Agrícola de São Miguel, liderada por Jorge Rita, que em Entrevista nos retrata as dificuldades mas também as potencialidades da atividade agrícola no Arquipélago.
Como se caracteriza o setor agrícola do Arquipélago dos Açores?
O setor agrícola na Região Autónoma dos Açores assenta essencialmente na pecuária de leite e carne. As explorações pecuárias ocupam 75% da SAU, sendo a maioria da área constituída por pastagens permanentes. A restante superfície é ocupada por culturas temporárias forrageiras (maioritariamente prados temporários e milho forrageiro e ocupações culturais (culturas temporárias não forrageiras, culturas permanentes e hortas familiares) com a relevância para a vinha na ilha do Pico. A floresta tem também uma grande importância no arquipélago.
A agricultura é fundamental no desenvolvimento da região, constituindo um fator agregador da coesão entre ilhas. Tal, como se sabe, reveste-se de grande complexidade, face a vários fatores que influenciam diretamente as atividades que se desenvolvem nelas, como as suas dimensões e a ausência de efeitos de escala, a sua dispersão, orografia e os transportes marítimos que são sempre uma grande adversidade que daí decorrem ou os climas difíceis que condicionam qualquer atividade.
Qual o contributo desta atividade para a economia da RAA?
A atividade agropecuária contribui em 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Açores, 11% do emprego, embora cerca de 50% da população ativa trabalhe direta ou indiretamente na agricultura, pelo que este é o setor com maior relevância no nosso contexto socioeconómico.
O setor agrícola apresenta um grande potencial de exportação e expedição, porque produzimos bens transacionáveis. Em 2021 a comercialização de produtos lácteos valeu 346 milhões de euros, dos quais somente 9,1% ficaram na região e o restante foi expedido, principalmente para o continente (representa 78,6%). O restante é expedido para a Madeira e exportado para países da União Europeia e países terceiros. Refira-se que nesta vertente da expedição e exportação, a carne é também muito importante.
As regiões ou países valem pela sua capacidade de exportação ou expedição de produtos, e o leite, no caso dos Açores, assume uma importância decisiva.
A agricultura também contribui para a fixação da população e garante a coesão social e territorial do arquipélago. Se não existisse agricultura a redução da população em algumas ilhas seria ainda mais significativa.
Sendo um dos princípios da FAA o desenvolvimento dos interesses das suas associadas, falemos um pouco destas associações. Quem são e que setores representam?
A Federação Agrícola dos Açores (FAA) foi fundada a 10 de setembro de 1992, sendo que nestes 30 anos tem vindo a acolher organizações de produtores das 9 ilhas do arquipélago em todos os setores de atividade. Associações de produtores de leite e carne bovina, do setor hortofrutícola e flores, assim como de produtores de pequenos ruminantes e silvicultores, contando também com uma associações de produtores em modo de produção biológico.
Quais são os principais desafios que os agricultores açorianos enfrentam?
Enfrentamos vários desafios, desde logo a nossa condição geográfica de ultraperiferia em relação ao continente europeu e a dispersão territorial em 9 ilhas que por um lado condicionam a produção e por outro o acesso aos mercados. Contudo, os agricultores têm sido resilientes ao longo dos séculos pela habilidade de se adaptarem às mudanças.
As alterações climáticas são uma preocupação constante, não só da sociedade mas também dos agricultores, que são quem cuida e preserva o ambiente, porque é daí que retiram rendimento. Nesta área os Açores estão na linha da frente a caminho da descarbonização que vem ao encontro das orientações da nova PAC.
Falar nos Açores é falar na produção de leite. Qual é o estado deste setor?
É a principal atividade agropecuária da RAA representando cerca de 35% da produção nacional e 50% dos queijos a nível nacional.
Tal como no restante território nacional também nos Açores vivemos uma crise que tem vindo a arrastar-se não apenas pela conjuntura dos mercados internacionais, mas essencialmente pelas indústrias regionais que insistem na depreciação da excelente qualidade do leite que aqui se produz, assim como numa limitação na diversificação e inovação de produtos lácteos e das estratégias, ou falta das mesmas, no estabelecimento de mercados comuns ou da procura de outros de maior valorização.
Temos o valor mais baixo da União Europeia. Como exemplo, temos o célebre Queijo da Ilha de São Jorge – DOP cujo preço ao produtor é um dos mais baixos dos Açores, pelo que vemos com grande preocupação o abandono da sua produção, principalmente por jovens agricultores. Mas a situação alastra-se às ilhas do Faial e Pico, cujas indústrias já possuem capacidade instalada acima da produção local ou o caso da ilha das Flores que está em fase de extinção da produção leiteira e em reconversão para a produção de carne bovina.
É também uma região bastante rica no que respeita a produtos com nomes protegidos (DOP, IGP..), que mais-valia para os produtores e para a região daí têm advindo?
A região autónoma dos Açores tem 8 produtos com qualificação, 6 dos quais com Denominação de Origem Protegida (i.e. Queijo São Jorge, Ananás dos Açores, Maracujá de Açores; Mel dos Açores, Queijo do Pico e Carne Ramo Grande) e 2 com Indicação Geográfica Protegida (i.e. Carne dos Açores e Meloa de Santa Maria). Para além destes aguardamos a aprovação pela Comissão Europeia para o Alho da Graciosa – IGP e a Manteiga dos Açores – DOP.
As DOP e IGP são um veículo importante na preservação de modos particulares de produção e do saber fazer das nossas gentes, sendo uma marca identitária dos Açores que se preserva. Contudo, a escala de produção, na maioria dos produtos, e a nossa condição geográfica são naturalmente handicaps a uma maior valorização ao produtor, sendo que o nicho local, com enfoque no fluxo turístico e canal “horeca”, são vias privilegiadas para as produções com menor escala.
Relativamente à Carne dos Açores IGP que a Federação gere, qual tem sido a sua evolução? Quantos produtores fazem parte deste Agrupamento? Quais as raças de eleição? Como e para onde é comercializada a carne?
A certificação da produção teve início em 2007 com apenas 250 carcaças tendo ao longo dos anos evoluído positivamente com uma média anual acima das 2.000. Neste momento temos mais de 800 produtores em todas as ilhas.
O modo de produção Carne dos Açores – IGP assenta no sistema extensivo com o uso de vacas aleitantes numa típica exploração de carne. São utilizadas várias raças quer em linha pura quer no cruzamento com destaque para as exóticas continentais (i.e. Charolesa, Limousine e Simmental), assim como a precoce Aberdeen-Angus.
Cerca de 90% da produção segue para as grandes superfícies comerciais, particularmente no território continental (…).
→ Leia a entrevista completa na edição de agosto/setembro 2022 da Revista Voz do Campo.