Introdução

A metodologia adoptada pelo Economic Research Service (ERS) do United States Agricultural Department (USDA) no cálculo do TFP (total factor productivity), permite-nos estabelecer uma relação entre as evoluções verificadas:

  • no volume da produção agrícola;
  • na superfície agrícola produtiva (SAP);
  • na produtividade parcial da terra;
  • na quantidade dos factores de produção, trabalho, capital e bens intermédios utilizados por hectare de SAP;
  • na produtividade total dos factores (TFP) de produção utilizados.
Autoria: Francisco Avillez, Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGROGES e Gonçalo Vale, Colaborador Técnico

A base de dados disponibilizada por esta instituição possibilita uma análise comparativa da evolução destas quatro variáveis, entre 1961 e 2020, para 179 países e territórios.

O objectivo deste artigo vai ser o de se proceder à análise comparativa da evolução da produção e da produtividade agrícolas nas últimas décadas para os países que integram a Europa do Sul: Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Malta.

Para o efeito, foram levados em consideração os quatro seguintes períodos:

  • Um primeiro, que corresponde às duas décadas que vão dos anos 60 do século XX até ao início do processo de integração europeia e que considerámos mediar entre os triénios “1962” e “1982”.
  • Um segundo período, que corresponde à primeira década após a nova integração na CEE e que considerámos mediar entre os triénios “1982” e “1992”.
  • Um terceiro período, que corresponde a duas décadas caracterizadas pelo processo de reforma da PAC iniciado em 1992 e continuado após 2003, e que admitimos ir do triénio “1992” ao triénio “2012”.

Um último período, entre os triénios “2012” e “2020”, que corresponde aos anos que vão desde a intervenção da Troika até ao início da invasão da Ucrânia.

Metodologia

Com base nestes dados é possível decompor as variações estimadas para o TFP nas seguintes diferentes origens da variação da respectiva produção (Figura 1):

  • variação da superfície agrícola utilizada ajustada para as respectivas capacidades produtivas;
  • variação da superfície agrícola de regadio
  • variação do volume de trabalho, capital e bens intermédios utilizados por hectare de área utilizada;
  • variação do TFP, resultante da inovação e evolução tecnológica.

É de realçar os diferentes tipos de medidas de políticas que são determinantes para as alterações incentivadoras do crescimento do volume da produção agrícola que consta da Figura 1.

A relação entre a evolução da produção e da produtividade agrícolas de um dado país j e período t pode ser estabelecida com base na seguinte expressão:

Por seu lado, a evolução da produtividade parcial da terra pode ser expressa pela seguinte igualdade:

Da conjugação destas duas expressões (1) e (2) resulta a igualdade que relaciona as quatro variáveis anteriormente identificadas.

Para estabelecermos as diferentes taxas de rendimento médio anual, o ERS procede do seguinte modo em relação aos diferentes componentes das expressões em causa.

Os volumes da produção agrícola foram medidos pelos respectivos valores da produção a preços constantes do triénio 2014-16 em US$ PPP, sendo os dados de cada país baseados nas estatísticas da FAO de 2023.

No que diz respeito aos dados referentes aos factores de produção, as fontes de informação utilizadas foram as da FAO, do ILO e do USDA de 2023, tendo sido levados em consideração os seguintes aspectos.

Os dados referentes ao factor terra foram ajustados do ponto de vista da sua capacidade produtiva (quality-adjusted), o que foi feito através da ponderação das áreas ocupadas pelas culturas temporárias e permanentes de sequeiro e de regadio e pelos prados e pastagens permanentes, de acordo com as respectivas produtividades relativas.

O factor trabalho foi medido com base no número de activos utilizados anualmente pelas explorações agrícolas.

O factor capital corresponde ao valor acumulado ao longo do tempo dos investimentos em edifícios, máquinas, efectivo animal e plantações, líquido das respectivas amortizações.

Os bens intermédios integram os volumes utilizados anualmente de sementes e plantas, adubos e correctivos, alimentos para animais, produtos fitossanitários e assistência veterinária.

Os volumes utilizados dos diferentes factores foram calculados com base nos respectivos valores a preços constantes e agregados num índice composto que corresponde à média ponderada das taxas de crescimento de cada um dos factores em causa, cujos ponderadores são os respectivos pesos no custo total dos factores, os quais foram estimados para cada país e região a partir de diferentes fontes de informação.

No que diz respeito às t.c.m.a. do TFP o seu cálculo resulta da diferença entre as t.c.m.a. dos volumes da produção agrícola e do conjunto dos factores terra, trabalho, capital e bens intermédios utilizados em cada ano t por cada país i.

Evolução da produção e produtividade agrícolas

No que diz respeito à evolução do volume da produção e produtividade agrícola nos diferentes Países da Europa do Sul, ao longo das últimas décadas, importa realçar.

Em primeiro lugar, que a produção agrícola em Portugal cresceu, em média, entre 1962” e “2020” a um ritmo de, apenas, +0,68%/ano, inferior ao verificado para a média dos países da Europa do Sul (+1%/ano) e inferior a todos, com excepção para a Itália (+0,25%/ano). É de realçar, no entanto, que esta evolução desfavorável da produção agrícola em Portugal se caracterizou pela existência de dois períodos em que o seu ritmo de crescimento foi superior à quase totalidade dos outros Países da Europa do Sul, tendo atingido +2,09%/ano na década imediatamente após o início do processo de integração europeia e +2,75%/ano nos últimos anos do período em análise (Quadro 1).

Quadro 1 – Análise comparativa da evolução do volume da produção1) agrícola dos Países da Europa do Sul nas últimas décadas

Em segundo lugar, que de acordo com o anteriormente referido, o ritmo da evolução da produção agrícola é determinado pelo ritmo de evolução da superfície agrícola produtiva e o da produtividade parcial da terra, cujos valores para os diferentes períodos em análise e países da Europa do Sul constam, respectivamente, dos Quadros 2 e 3.

Da análise dos valores em causa pode-se concluir que para a grande maioria das situações o ritmo de crescimento da produção agrícola foi influenciado negativamente pela evolução da superfície agrícola produtiva (Quadro 2), tendo, portanto, dependido, no essencial, do comportamento da produtividade parcial da terra (Quadro 3).

Importa, neste contexto, sublinhar que com excepção para as duas décadas anteriores à nossa adesão à CEE, a t.m.c.a. da produtividade parcial da terra em Portugal atingiu valores, em média, superiores aos da maior parte dos restantes países da Europa do Sul, com especial relevo para os períodos entre os triénios “1982” e “1992” e os triénios “2012” e “2020”.

Quadro 2 – Análise comparativa da evolução da superfície agrícola produtiva (SAP)2) dos Países da Europa do Sul nas últimas décadas

Quadro 3 – Análise comparativa da evolução da produtividade parcial da terra3) dos Países da Europa do Sul nas últimas décadas

Em terceiro lugar, que de acordo com o explicitado na expressão (2) anteriormente apresentada, os ganhos de produtividade parcial da terra pela agricultura portuguesa dependeram na maioria dos períodos, mais da evolução do TFP do que da evolução do volume, por hectare de SAP, do conjunto dos factores trabalho, capital e bens intermédios (Quadro 4 e 5). Esta conclusão, que se confirma para a maioria dos restantes países da Europa do Sul, significa que o crescimento da produtividade da terra foi, em Portugal e na generalidade das outras agriculturas, mais dependente do processo de inovação tecnológica do que dos ganhos de eficiência alcançados no contexto das tecnologias existentes.

Quadro 4 – Análise comparativa da evolução do volume do conjunto dos factores de produção trabalho, capital e bens intermédios4) por hectare de SAP dos Países da Europa do Sul nas últimas décadas

Quadro 5 – Análise comparativa da evolução da produtividade total dos factores (TFP) ⁵⁾ dos Países da Europa do Sul nas últimas décadas

Em quarto e último lugar, pode-se concluir que em relação à agricultura portuguesa e às dos restantes Países da Europa do Sul, o desempenho mais positivo da respectiva produção, foi consequência, maioritariamente, dos ganhos alcançados pela produtividade total dos factores (TFP), o que foi particularmente significativo, no caso português, para os períodos “1982”-“1992” e “2012”-“2020”, cujas t.c.m.a. foram as mais elevadas para a evolução quer do volume da produção agrícola, quer do TFP agrícola.

Conclusões

São as seguintes as principais conclusões a retirar da análise comparativa da evolução da produção e da produtividade agrícolas entre Portugal e os restantes países da Europa do Sul.

Primeiro, o ritmo de crescimento da produção agrícola em Portugal foi mais favorável do que na generalidade dos restantes países da Europa do Sul na década após a adesão à CEE e nos últimos anos do período analisado, mas menos favorável nas outras quatro décadas levadas em consideração.

Segundo, a evolução da produtividade parcial da terra foi o factor mais determinante para o aumento da produção agrícola em Portugal e na generalidade dos restantes países da Europa do Sul, tendo mais que compensado a evolução menos favorável da superfície agrícola produtiva.

Terceiro, que na generalidade dos países da Europa do Sul e em particular no caso português a evolução da produtividade parcial da terra dependeu de forma mais significativa da evolução do TFP do que da redução do uso dos factores trabalho, capital e bens intermédios por hectare de superfície agrícola produtiva, o que significa que os ganhos de produtividade decorrentes da promoção de páticas e tecnologias inovadoras foram mais relevantes que as melhorias alcançadas no uso das tecnologias existentes.

Neste contexto, é de realçar a relevância que esta conclusão assume para a agricultura portuguesa no período “2012”-“2020”, cujas t.c.m.a. atingiram os valores mais favoráveis para a generalidade dos casos analisados em relação, quer ao aumento do volume da produção agrícola (+2,75%/ano), quer à evolução da superfície agrícola produtiva (+0,13%/ano), quer ao crescimento de produtividade parcial da terra (+2,62%/ ano), quer à evolução em volume por hectare de SAP do conjunto dos factores trabalho, capital e bens intermédios (-1,07%) e quer, principalmente, ao crescimento alcançado pela produtividade total dos factores (+3,82%/ ano).

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Autoria:

Francisco Avillez
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGROGES

Gonçalo Vale
Colaborador TécnicoO artigo foi originalmente divulgado pela AGRO.GES.


Artigo (I) relacionado:

Evolução da produção e da produtividade agrícolas nas últimas décadas (I) →Portugal