Portugal assumiu a presidência da EUWMA – União Europeia de Associações de Gestão da Água para o período de 2024/2025 através da FENAREG, que representa um marco significativo devido à importância crescente da gestão e armazenamento da água no contexto das alterações climáticas. Este tema é crucial para garantir a resiliência hídrica, essencial para a segurança alimentar, competitividade e coesão social e territorial na Europa. A escolha deste tema pela FENAREG destaca a necessidade de armazenar água durante períodos de abundância para utilizá-la em tempos de escassez. Quem o afirma é o presidente da FENAREG, José Núncio, em vésperas da realização das XV Jornadas da FENAREG – Encontro do Regadio 2024, que decorrem nos dias 26 e 27 de novembro, no Fundão.

Entrevista a José Núncio, Presidente da FENAREG – Federação Nacional de Regantes

Portugal assumiu a presidência da EUWMA – União Europeia de Associações de Gestão da Água para o período de 2024/2025 através da FENAREG. O que significa este marco?

A presidência da EUWMA para o período de 2024/2025, assumida por Portugal representa um marco significativo devido à importância crescente da gestão e armazenamento da água no contexto das alterações climáticas. Este tema é crucial para garantir a resiliência hídrica, essencial para a segurança alimentar, competitividade e coesão social e territorial na Europa.

A escolha deste tema pela FENAREG destaca a necessidade de armazenar água durante períodos de abundância para utilizá-la em tempos de escassez. Cada país enfrenta desafios distintos na gestão da água, desde a irrigação à drenagem, da gestão de barragens aos diques de proteção. A presidência portuguesa visa promover uma estratégia comum de resiliência hídrica na União Europeia, influenciando a criação de políticas europeias que priorizem a gestão sustentável da água.

Este marco sublinha a necessidade de ação urgente e coordenada entre todos os países europeus para enfrentar os desafios hídricos, que as alterações climáticas nos apresentam, garantindo que a água seja uma prioridade política, estratégica e financeira para a União Europeia.

A gestão e o armazenamento da água é o tema eleito pela FENAREG para a presidência da EUWMA. Qual a razão?

As alterações climáticas estão a tornar os padrões de precipitação mais imprevisíveis, mais curtos e mais intensos, aumentando por isso a necessidade de armazenar água durante os períodos de abundância para ser utilizada nos períodos de maior necessidade, normalmente quando faz mais calor e há mais escassez por consequência. Portugal tem uma baixa capacidade de regularização hídrica, pelo que é fundamental promover a resiliência hídrica para enfrentar os desafios futuros e para uma melhor adaptação ao clima.

Sendo a água imprescindível para a agricultura e como tal é essencial que seja bem gerida para garantir a segurança alimentar, especialmente em regiões que dependem do regadio. Por outro lado, uma gestão adequada contribui para a coesão territorial, assegurando o acesso equitativo a este recurso essencial. É com base nestes fatores que a FENAREG pretende contribuir para que criem políticas europeias que priorizem a gestão sustentável da água e a resiliência hídrica a nível europeu.

Durante a recente reunião da EUWMA foi anunciado pela presidente da Comissão Europeia ter voltado a colocar a Estratégia de Resiliência Hídrica na agenda. Esta é uma prioridade máxima no contexto da União Europeia?

A União Europeia está a fazer importantes esforços para priorizar a água, como se vê pelo facto de a Presidente da Comissão Europeia ter incluído a Estratégia da Resiliência Hídrica na agenda estratégica para 2024-2029.

A resiliência hídrica tornou-se uma prioridade máxima devido ao aumento das secas, à escassez de água e às inundações em várias regiões da Europa. Cerca de 20% do território europeu e 30% dos europeus sofrem anualmente com o stress hídrico. Este é um facto que tem um impacto económico significativo tanto ao nível da agricultura, como dos ecossistemas.

Consideramos a gestão da água e o regadio dois pilares fundamentais para cimentar e desenvolver a coesão dos territórios e para assegurar a sustentabilidade da agricultura quer em Portugal, quer na Europa, respondendo aos desafios da segurança alimentar e das alterações climáticas. É por isso importante desenvolver uma Estratégia Europeia para a Água, a médio e longo prazos, que permita acompanhar a evolução dos setores, incluindo o setor do regadio, enquanto fator estratégico para a adaptação da agricultura às alterações climáticas. Acreditamos que é possível desenhar um caminho robusto e sustentável para a resiliência hídrica a longo prazo na União Europeia, sendo para tal necessário conhecimento, modernização e tecnologia, mas, e acima de tudo: investimento e vontade política.

Falando propriamente na ação da FENAREG em termos nacionais, quais são as grandes linhas de atuação atualmente?

A FENAREG tem desenvolvido um conjunto de estudos muito relevantes ao longo dos anos, para a resiliência hídrica e sustentabilidade do regadio, e que permitiram identificar, como principais linhas de atuação:

Promover um regadio eficiente e ambientalmente sustentável em termos de uso da água, estimulando a adoção de novas tecnologias.
Estimular um uso mais eficiente da água.
Aumentar a capacidade de armazenamento de água nas bacias hidrográficas com maior carência de água e deste modo mitigar alguns impactos ambientais causados pelas alterações climáticas, assegurando igualmente maior resiliência hídrica numa abordagem transversal a todos os setores.
Melhorar a qualidade da água, através do conhecimento e das novas tecnologias associadas à agricultura de precisão.
Estimular a coesão social e territorial, criando emprego e oportunidades para as populações, beneficiando áreas com elevada aptidão para o regadio, em particular em zonas mais desfavorecidas do país.
Aumentar a eficiência energética e o consumo de energias renováveis.
Contribuir para uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos. Este objetivo só será atingido quando articulado com o aumento da capacidade de armazenamento e da ligação em rede das diversas infraestruturas existentes. Portugal tem uma oportunidade ímpar para avançar para a concretização da resiliência hídrica nacional com a recentemente anunciada estratégia interministerial “Água que Une”, com o novo Governo nacional e a nova Administração na Europa, aliados aos também renovados rumos e vontades, à situação económica e financeira do país em recuperação, ao novo quadro comunitário e aos outros instrumentos financeiros disponíveis, bem como à revisão do tratado ibérico sobre a gestão da água, e aos estudos efetuados e modelos de financiamento identificados.

Quais são os principais constrangimentos que enfrenta o setor no nosso país neste momento?

A falta de um plano estratégico para o regadio, que englobe uma estratégia para a água, em particular, para o seu armazenamento, visto que as albufeiras do nosso país apenas conseguem armazenar 20% do total das afluências anuais.

Para redução de perdas, é necessário apostar na eficiência dos sistemas de rega e na modernização das infraestruturas públicas de rega, porque um terço da área agrícola incluída nos regadios públicos, têm mais de 40 anos.

Os elevados custos da energia são um dos principais constrangimentos na agricultura de regadio, com a passagem de sistemas em gravidade para sistemas em pressão que consomem mais energia, mas que são mais eficientes a nível hídrico. Neste sentido, a FENAREG identifica medidas que podem impulsionar a modernização do regadio, como por exemplo, a aplicação de contratos de eletricidade sazonais, a substituição de fontes de energia convencionais por renováveis, a criação de um programa de eficiência energética do regadio, assim como o desenvolvimento de Comunidades de Energia Renovável nos sistemas de regadio coletivo e individuais.

Os investimentos em regadio têm sido insuficientes face às necessidades identificadas pela FENAREG quer para o regadio público, quer para o regadio privado. Importa por isso garantir os recursos financeiros necessários, nomeadamente através do PEPAC, assim como o recurso a outras origens de financiamento (PRR, Banco Europeu de Investimento, Fundo de Coesão, FEDER e Fundo Ambiental), para apoiar a construção e beneficiação de barragens, de reservatórios e de charcas, a realização de furos de captação de água e a instalação ou reconversão de sistemas de rega, tendo como principal foco a melhoria da eficiência e o aumento da sustentabilidade energética.

Como vê o novo Plano Nacional da Água (PNA 2035)?

O novo PNA 2035 deverá ser uma estratégia crucial e transversal a vários setores. É com grande otimismo que vemos a água ser colocada como prioridade do governo. Existe uma necessidade urgente em modernizar e gerir a água de forma mais eficiente e em criar uma rede interligada para a agricultura, nomeadamente para o armazenamento e distribuição eficiente de água.

Para o PNA2035, a FENAREG defende uma visão mais holística e abrangente, com o propósito de assegurar a resiliência hídrica nacional, através do aumento da capacidade de armazenamento e da criação de uma rede hídrica nacional.

É imperioso que se caminhe no sentido de uma estruturação em rede das diversas infraestruturas de armazenamento e distribuição de água (existentes e a construir) e para uma maior capacidade de armazenamento de água e de regularização interanual, através do alteamento de algumas barragens já existentes e da construção de novas em bacias hidrográficas mais generosas e com potencial, numa abordagem sustentada de fins múltiplos e de ligação em rede entre bacias hidrográficas.

Qual é o foco da FENAREG no curto-médio prazo?

A curto-médio prazo o nosso foco são políticas públicas que no nosso entender devem defender o desenvolvimento e a sustentabilidade do regadio, tendo como prioridade a gestão eficiente dos recursos hídricos em Portugal.

Entre os principais objetivos está a resiliência hídrica nacional, através do aumento do armazenamento de água e da criação de uma rede hídrica nacional, questões estruturais, visto que as albufeiras em Portugal permitem armazenar apenas 20% do total das afluências anuais e existem regiões com graves deficiências hídricas. Além disso, e de forma transversal, o nosso foco coloca-se na eficiência dos sistemas, com modernização do regadio e das infraestruturas públicas de rega já que 1/3 da área é abastecida por infraestruturas construídas há mais de 40 anos; e na transição para a descarbonização e sustentabilidade energética do regadio, potenciando a utilização de energias renováveis, criando contratos de eletricidade sazonais ajustados à atividade agrícola e potenciando a criação e desenvolvimento de comunidades de energia renovável, entre outros, diminuindo assim o impacto dos elevados custos da energia.

Por outro lado, o nosso foco está também no financiamento que assegure as necessidades de investimento no regadio público e privado, já que o atual financiamento não cobre as necessidades. O desinvestimento nestas áreas estratégicas – água e regadio coletivo, tem sido notório, registando-se um decréscimo significativo nos vários quadros comunitários. É necessário garantir os recursos financeiros adequados.

XV Jornadas da FENAREG/Encontro do Regadio 2024

Falando sobre as XV Jornadas da FENAREG/Encontro do Regadio 2024. O Fundão foi o local escolhido. Porquê?

As XV Jornadas da FENAREG, contam este ano com a colaboração da Associação de Beneficiários da Cova da Beira, associada da FENAREG desde 2022, um caminho recente, mas que tem evidenciado a importância da sua atividade no desenvolvimento da região. Desde a adesão à FENAREG que a Associação nos lançou este desafio, de realizar as Jornadas anuais nesta região e que agora concretizamos.

A realização das Jornadas nesta região que tem grande relevância e tradição agrícola, que é bem conhecida pela produção de cerejas e outros frutos, em que a rega é crucial para manter a produtividade e a qualidade destas culturas, com novas áreas de regadio planeadas e que procura uma gestão eficiente da água, irá certamente ajudar a focar as atenções nestas matérias.

Quais serão os grandes temas em debate? E porquê?

Os grandes temas em debate nas XV Jornadas da FENAREG são a “Água que Une”, destacando a sustentabilidade e a importância da água na coesão territorial e social; o “Plano Rega”, que foca a modernização e a eficiência no uso da água para a agricultura; o “Financiamento para o Regadio no Horizonte 2030”, abordando investimentos estratégicos para sustentabilidade agrícola” e a “Resiliência Hídrica”, como adaptação e mitigação às alterações climáticas. Temas escolhidos devido à sua relevância, atualidade e impacto direto na segurança alimentar e gestão sustentável dos recursos.

Pode desvendar um pouco o programa?

Este ano temos a honra de contar com a presença do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, na sessão de abertura solene das XV Jornadas da FENAREG, num programa que terá como principais temas a “Água que Une”, “Plano Rega”, “Financiamento para o Regadio no Horizonte 2030” e “Resiliência Hídrica”, que servirão de base para apresentações e debates da conferência do dia 26 de novembro, onde também serão debatidos projetos de aproveitamento hidroagrícola emblemáticos da região.

Já o dia 27 de novembro será marcado por uma sessão sobre sistemas de rega eficiente e a visita ao aproveitamento hidroagrícola da Cova da Beira, com destaque para a Barragem da Meimoa. Outras novidades surgirão até ao decorrer do evento.

Qual a expetativa da FENAREG em relação ao evento deste ano?

Sendo este um encontro anual sobre o regadio, é visto como uma oportunidade crucial para discutir a modernização e o financiamento para o seu futuro em Portugal, nomeadamente fazendo a ligação com os instrumentos de planeamento e de política pública que estão atualmente a ser desenvolvidos no âmbito da estratégia “Água que Une”, do PNA2035 e do Plano REGA, assim como a nível europeu, para a Estratégia de Resiliência Hídrica. Estamos certos de que serão recolhidos importantes contributos.

Estarão presentes no evento, para além dos membros do Governo e do poder local, as entidades gestoras dos aproveitamentos hidroagrícolas de todo o país, organizações de agricultores, autoridades e especialistas do setor, bem como agricultores e empresas. É por isso, uma oportunidade para o setor alinhar estratégias e para se promover a sustentabilidade 14 e a competitividade do regadio em Portugal.

→ Leia este e outros artigos completos na Revista Voz do Campo edição de novembro 2024, disponível no formato digital e impresso.


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