As alterações climáticas estão a transformar rapidamente o ambiente, afetando os ecossistemas naturais, a agricultura e a segurança alimentar, a nível global. A produtividade agrícola, a eficácia dos agroquímicos, e a emergência de novas pragas e doenças têm de ser vistas noutra perspetiva.

A interconexão entre saúde humana, animal e ambiental, reconhecida pelo conceito de One Health, (Uma só saúde) é essencial para enfrentar estes desafios, mas, carece da integração formal da sanidade vegetal. Este novo pilar da uma só saúde, afeta várias dimensões da saúde humana, desde o ar, a água e o solo, até aos sistemas alimentares e meios de subsistência. O conhecimento integrado da biologia, ecologia e evolução dos organismos nocivos, e da sua interação com os hospedeiros é fundamental para compreender a incidência e gravidade das doenças e os seus impactos socioeconómicos. As alterações climáticas irão ter um efeito potenciador dos, já grandes, impactos ambientais que estão a acontecer na produção agrícola, afetando a produtividade, a eficácia dos agroquímicos, as pragas e doenças e a erosão do solo. A agricultura já é responsável por quase um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa, e as alterações climáticas podem intensificar essas emissões tanto direta quanto indiretamente. Poderemos enfrentar um forte ciclo de feedback positivo dos gases de efeito estufa através de múltiplas vias, como o maior uso de agroquímicos, devido ao aparecimento de novos organismos nocivos e a irrigação intensiva, agravando ainda mais os desequilíbrios do nosso planeta.

As mudanças erráticas nos padrões de temperatura e precipitação têm vindo a alterar a distribuição geográfica e a densidade populacional dos vetores disseminadores de doenças. As variações fenológicas que se têm vindo a verificar têm a capacidade de induzir discrepâncias nos ciclos de vida dessas espécies, impactando, substancialmente, as taxas de transmissão e a prevalência total das doenças.

São já exemplos de desequilíbrios provocados pelo aumento de temperatura e precipitação globais, o exemplo dos gafanhotos do deserto, que são considerados uma das pragas migratórias mais destrutivas do mundo. As suas rotas migratórias e distribuição geográfica têm-se expandido, resultando em surtos mais frequentes e intensos. Também a Spodoptera frugiperda, um inseto que tem cerca de 350 potenciais hospedeiros de diversas famílias, nomeadamente, Poaceae, Asteraceae e Fabaceae, sendo as principais culturas, o milho, o sorgo, algodão e soja, tem vindo a dispersar-se devido à existência de condições ideais que aceleram seu ciclo de vida, e que têm como consequência o aumento da população e a área de infestação. A Cigarrinha-do-Milho (Dalbulus maidis) que dissemina o espiroplasma, corn stunt spiroplasma (Spiroplasma kunkelii), o fitoplasma maize bushy stunt phytoplasma (MBS) e o vírus maize rayado fino virus (MRFV), está a disseminar-se pela América Europa e África, inclusive em regiões mais frias, devido ao aumento das temperaturas médias. A mosca-branca, Bemisia tabaci, detetada em Portugal em 1992, veicula uma miríade de vírus, sendo um dos organismos nocivos com maior número de intercepções, em comércio transfronteiriço, em material vegetal e produtos de base vegetal (EUROPHYT). Tem-se adaptado bem às nossas condições climáticas tendo como hospedeiros diversas espécies vegetais que contribuem para a sua persistência e expansão. Mais recentemente na Europa, deste 2014, que a Xylella fastidiosa, uma bactéria que se dissemina por um inseto vetor e por material para plantação, já infeta cerca de 700 espécies vegetais. Esta bactéria vai encontrando novos hospedeiros e vetores em regiões anteriormente não afetadas, devido à sua capacidade de adaptação genética que lhe permite prosperar em diferentes condições ambientais, tornando-a difícil de controlar, aumentando o número de surtos, nomeadamente em Portugal, que já conta com 20 zonas demarcadas.

A União Europeia através do Regulamento 2019/1702, identifica quais as pragas prioritárias às quais se deve dar mais atenção e meios de gestão.

Identifica-as com base em 2 critérios chave. O primeiro, serem pragas de quarentena em que a sua presença no território da União Europeia não é conhecida ou é conhecida numa parte limitada desse território ou trata-se de presenças escassas, irregulares, isoladas e pouco frequentes; o segundo é o seu potencial impacto económico, ambiental ou social, que é considerado como de maior gravidade no que diz respeito ao território da União Europeia. Estas pragas constam de uma lista de pragas prioritárias publicadas no Regulamento 2019/1702 que complementa o Regulamento (UE) 2016/2031 do Parlamento e Conselho Europeus.

Esta lista contempla as seguintes pragas: Agrilus anxius, Agrilus planipennis, Anastrepha ludens Anoplophora chinensis, Anoplophora glabripennis Anthonomus eugenii, Aromia bungii, Bactericera cockerelli, Bactrocera dorsalis, Bactrocera zonata Bursaphelenchus xylophilus, Candidatus Liberibacter spp., (Huanglongbing), Conotrachelus nenuphar, Dendrolimus sibiricus, Phyllosticta citricarpa, Popillia japonica, Rhagoletis pomonella, Spodoptera frugiperda, Thaumatotibia leucotreta e a Xylella fastidiosa. São maioritariamente insetos, que “viajam à boleia” de material vegetal e produtos de base vegetal, nas trocas comerciais, e transportes privados e comerciais, como é o caso dos vetores da Xylella fastidiosa, maioritariamente o Philaenus spumarius, conhecido como Cigarrinha dos Prados. Em 2015, na região de Apúlia (Itália), onde foi identificado o primeiro surto, verificou-se que praticamente todas as estações de serviço para abastecimento de combustível, que tinham pequenos jardins, ou apenas plantas infestantes, as espécies suscetíveis encontravam-se infetadas pela Xylella fastidiosa.

Os ventos fortes são também um fator importantíssimo na disseminação de pragas e doenças por várias regiões. As secas e inundações, podem enfraquecer as plantas, tornando-as mais suscetíveis a infeções. Este fenómeno pode levar ao aparecimento e estabelecimento de doenças em áreas anteriormente não afetadas, e em hospedeiros ainda não identificados como suscetíveis a determinadas pragas e doenças. Esta situação apresenta desafios sem precedentes para os sistemas agrícolas em escala global.

Os mecanismos de vigilância, notificação e alerta rápidos, de vária ordem, são a chave para a deteção precoce dos organismos nocivos e a sua erradicação. O Sistema de Alerta Rápido para Alimentos para Consumo Humano e Animal (RASFF – Rapid Alert System for Food and Feed) é um sistema de alerta para a área da segurança alimentar, que assegura os fluxos e informação para garantir uma resposta rápida quando são detetados riscos para a saúde pública na cadeia alimentar. No caso das plantas, o EUROPHYT (‘European’ e ‘Phytosanitary’), é um mecanismo de alerta e notificação da União Europeia para a saúde das plantas, que recolhe e partilha dados sobre intercepções de plantas e produtos vegetais que apresentam riscos fitossanitários, provenientes dos sistemas de trocas transfronteiriças. Este sistema é fundamental para controlar e prever as dinâmicas das pragas e doenças em todo o mundo.

Os dados das intercepções estão disponíveis desde 2011. Como exemplo, em 2023, identificaram-se 1109 intercepções de material vegetal infetado com destino a países europeus, sendo dos organismos nocivos intercetados, a Bemisia tabaci, a mosca-branca a que encabeça o maior número de interceções, contabilizando 12,4% do total. É proveniente maioritariamente da Tailândia, Israel e Laos e da África do Sul. Logo a seguir, o Tomato brown rugose fruit virus que afeta culturas como o tomate e os pimentos, é detetado em material vegetal importado, principalmente sementes, de Israel, Turquia, Peru e China, com um número de ocorrências que se reflete em 11,2% do total das intercepções.

A Phyllosticta citricarpa, um fungo que afeta maioritariamente os citrinos, infeta material com proveniência da Africa do Sul e do Zimbabwe, contabilizando 7% das intercepções. O inseto Thaumatotibia leucotreta que ataca fruteiras, mas também o milho e feijão é transportado em material vegetal a partir de África, nomeadamente Uganda e Kenya, com um número de ocorrências total de 74, e a Spodoptera frugiperda, que é uma praga altamente polifágica que afeta uma ampla variedade de plantas hospedeiras, que é intercetada 57 vezes em material, do Egito e Peru.

Comparativamente com 2024, verifica-se que o número de intercepções é maior nos meses de Junho a agosto, e que apenas até agosto tinham sido identificadas cerca de 1000 ocorrências, em que se repetem os organismos nocivos com maior número de intercepções como Tomato brown rugose fruit vírus (188), a Bemisia tabaci e Thaumatotibia leucotreta (83), sendo evidenciadas outros alertas para as interceções dos fungos Elsinoë spp (86), que causam a sarna dos citrinos e foram detetados em material vegetal proveniente do Brasil e da Colômbia, maioritariamente em fevereiro, junho e julho e a Ralstonia solanacearum (60 intercepções), que é um complexo de bactérias que afeta principalmente solanáceas, mas também outras culturas como feijão, abobora, ervilha foi, até agosto, intercetada em material do Egito, em 60 amostras.

Como é possível verificar, 4 organismos nocivos interceptados com maior número de ocorrências pertencem à lista das 20 pragas prioritárias da lista do Regulamento 2019/1702 EU, mostrando o esforço que é feito na deteção destas pragas e ao mesmo tempo a dificuldade de diminuir o número de ocorrência. Apesar do incentivo que é feito junto dos países exportadores para melhorarem os seus controles fitossanitários, os números de interceções anuais de organismos nocivos prioritários não variam muito, e têm origem nos mesmos países exportadores.

Com a informação gerada anualmente, o EUROPHYT apoia o desenvolvimento e implementação de legislação fitossanitária comunitária, e também as ações de emergência e restrições comerciais, tentando garantir que as exportações futuras cumpram os requisitos da UE.

Outro ponto crítico de controlo são os viveiros, onde a gestão das pragas é complicada devido à heterogeneidade dos sistemas de produção típicos dos viveiros, a maior parte deles a céu aberto. Gerem numa grande diversidade de material vegetal cultivado, com vários métodos culturais, e um grande espetro de microambientes. Mas estes, são os locais de eleição para rastreabilidade primária de pragas e doenças.

A identificação de todos os organismos nocivos detetados nas amostras provenientes de material destinado a importação e exportação, e também nas amostras colhidas em todo o país no âmbito dos Planos Nacionais de Controlo anuais, incluindo viveiristas, é feita no Laboratório Nacional de Referência de Sanidade vegetal, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV).

Este laboratório tem como atribuição principal o diagnóstico e investigação nos organismos nocivos, sejam eles, fungos, bactérias e vírus, e ácaros, insetos e nemátodes e ainda plantas infestantes, desempenhando uma missão absolutamente decisiva na proteção do nosso país, relativamente à vigilância e prevenção da introdução de organismos nocivos, ao estudo da sua epidemiologia e no desenvolvimento de métodos para o seu controlo (…).

→ Leia este e outros artigos completos na Revista Voz do Campo  edição de dezembro 2024, disponível no formato impresso e digital.

Autoria: Paula Pereira
Laboratório de Crises Fitossanitárias-Xf, Laboratório Nacional de Referência para a Sanidade Vegetal, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P.

GREEN-IT- Bioresources4Sustainability, Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, Universidade Nova de Lisboa