Manuel Ângelo Rodrigues¹, Almeida Sawimbo¹,², Julieta Moreira da Silva³, Carlos Manuel Correia4, Margarida Arrobas¹

¹ CIMO/SusTEC, Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
² Instituto Superior Politécnico do Cuanza Sul (ISPCS), Sumbe, Angola
³ Águas do Norte S.A., Vila Real, Portugal
4 CITAB, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal


1. Introdução

As lamas de ETAR são um recurso fertilizante que não deve ser menosprezado. São ricas em carbono orgânico e muitos outros nutrientes, em particular azoto e fósforo, pelo que têm elevado valor fertilizante. Por essa razão tem havido um importante debate no sentido de se poderem usar as lamas de ETAR na agricultura e reduzir as percentagens que são incineradas ou depositadas em aterro (Arrobas et al., 2024; Rodrigues et al., 2024).

O uso de lamas de ETAR na agricultura tem, contudo, alguns aspetos que devem ser considerados. Em primeiro lugar, o seu uso comporta riscos. As lamas de ETAR podem ser fonte de contaminação ambiental e das cadeias tróficas envolvendo o ser humano, uma vez que podem conter metais pesados, microrganismos patogénicos e compostos orgânicos tóxicos. Nos últimos anos tem sido preparada legislação que pretende estabelecer as orientações de base para um uso seguro destes materiais fertilizantes na agricultura (European Comission, 2023).

Este estudo teve o duplo objetivo de avaliar o valor agronómico e o risco de contaminação com metais pesados de lamas de duas estações de tratamento sob concessão da empresa Águas do Norte, S.A.

2. Materiais e métodos

Lamas de duas ETARs (Figura 1) receberam três tratamentos distintos, designadamente aplicação de óxido de cálcio, hidróxido de cálcio (ambos 40%; massa/massa) e ausência de tratamento de desinfeção. As lamas foram aplicadas de forma a introduzir 50 kg ha-1 de azoto, tendo em conta o teor de humidade e a concentração de azoto na matéria seca.

As lamas de ETAR foram colocadas num ensaio com mais três tratamentos, nomeadamente estrume convencional, nitrato de amónio (ambos aplicados também em dose equivalente a 50 kg ha-1 de azoto) e um tratamento testemunha sem fertilização. As características principais da composição das lamas e do estrume usados no ensaio são apresentadas no Quadro 1.

A cultura testada foi a alface cultivada em vasos durante duas estações de crescimento, entre maio e junho e de setembro a outubro de 2023 (Figura 2).

Figura 2. Esquema do ensaio mostrando a alface pós transplantação (esquerda) e pouco tempo antes da colheita (direita)

3. Resultados

No primeiro ciclo de crescimento da alface (Figura 3), a aplicação de nitrato de amónio (N50) originou a produção média de alface mais elevada, mas sem diferenças significativas para os tratamentos com lamas tratadas com óxido de cálcio. A aplicação de estrume, por seu lado, originou produção média inferior e sem diferenças significativas para a testemunha (N0).

No segundo ciclo da alface (Figura 4), o tratamento com fertilizante mineral (N50) originou uma produção significativamente mais elevada que a de qualquer outro tratamento. O estrume apresentou um valor médio mais baixo, mas significativamente mais elevado que o da testemunha.

As alfaces recuperaram mais de 75% do azoto aplicado como fertilizante mineral (Quadro 2). No tratamento que recebeu estrume, as alfaces recuperaram apenas 6,6% e 10,5 % do azoto nele contido no primeiro e segundo ciclo da alface, respetivamente. No caso das lamas, os valores de azoto recuperado foram mais elevados do que no estrume, variando entre 28% e 49% (…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de agosto/setembro 2024 (especial Olival & Azeite)