A produção animal, nomeadamente de ruminantes, possui uma importante contribuição para a emissão de gases com efeito de estufa, sendo de salientar o papel do metano e do óxido nitroso.
O metano, produzido principalmente por fermentação entérica e armazenamento de estrume, tem um efeito sobre o aquecimento global 28 vezes superior ao do dióxido de carbono. O óxido nitroso, resultante do armazenamento de estrume e da utilização de fertilizantes, tem um efeito 265 vezes superior ao do dióxido de carbono. Num contexto nacional com um auto-aprovisionamento que varia entre 50% para a carne de bovino e 80% para a de ovino e caprino e importação significativa de países nos quais são comuns processos de desflorestação, uma simples redução da produção nacional não se apresenta como solução. É assim necessária uma optimização do processo de produção nacional, onde o extensivo poderá assumir um papel de destaque. O aumento das áreas activamente pastoreadas permite a recuperação de pastagens degradadas e a redução de áreas de matos, diminuindo assim a carga combustível que alimenta os incêndios. Adicionalmente, uma gestão adequada do sistema solo-pastagem-animal potencia o sequestro de carbono pelo solo e evita emissões de gases com efeito de estufa pela redução da necessidade de alimento concentrado.
Para este fim, a Terraprima, spin-off do Instituto Superior Técnico, tem vindo a trabalhar com o sistema de pastagens semeadas biodiversas. Estas pastagens, originalmente desenvolvidas pelo Eng. David Crespo, são compostas por até 20 espécies ou variedades de legumes e gramíneas cuja escolha reflecte as características locais, nomeadamente no que respeita ao solo e clima. Estas pastagens permitem uma optimização da produção de biomassa, quer aérea, quer radicular. O aumento da biomassa aérea permite um aumento do encabeçamento.
O aumento da biomassa radicular contribui para um aumento do teor de matéria orgânica no solo. Deste último aumento, 58% corresponde a carbono originalmente retirado da atmosfera através da fotossíntese. O aumento do encabeçamento permite uma maior sustentabilidade económica. O aumento do teor de matéria orgânica no solo traduz-se no sequestro de carbono, serviço de ecossistema chave para o combate às alterações climáticas. Estas pastagens, pela sua resiliência e capacidade de adaptação, são aptas para ocupar áreas previamente abandonadas e ocupadas por matos ou pastagens naturais de baixa produção, estimulando assim a gestão activa de áreas e combate à propagação de incêndios.
A Terraprima desenvolveu, entre 2009 e 2014, um projecto financiado pelo Fundo Português de Carbono, no âmbito do qual foram semeados 50 000 novos hectares de pastagens semeadas biodiversas contribuindo com a remoção de 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Os 1 000 agricultores que providenciaram este serviço ambiental foram remunerados, tornando este projecto a primeira demonstração, a larga escala, de como a sociedade pode compensá-los pelos benefícios ambientais gerados por uma boa prática agrícola. Este projecto foi o vencedor europeu do concurso “Um Mundo que me agrada, com um Clima de que gosto” em 2013.
A contabilização do sequestro de carbono, parâmetro chave para a avaliação do impacto na mitigação das alterações climáticas, depende da avaliação contínua do teor de matéria orgânica no solo. Adicionalmente, este apresenta-se como crucial para a capacidade de retenção de água no solo, a resistência à erosão e a biodiversidade. Apesar da sua relevância, menos de 10% das explorações nacionais realizam análises de matéria orgânica do solo, o que pode ser explicado pela dificuldade da amostragem, processo moroso com custo elevado. Assim, e no âmbito do Grupo Operacional “GO SOLO”, liderado pela Terraprima e financiado pelo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, são operacionalizadas abordagens alternativas ao método tradicional que pretendem baixar o custo de amostragem. Para cumprir o objectivo, o projecto conta com o uso de equipamento automático de recolha de amostras, espectroscopia de reflectância no visível e infra-vermelho próximo, medidores de condutividade elétrica aparente do solo e imagens de satélite. A premissa do GO SOLO é a de que, baixando o custo das análises de solo, será possível aumentar a periodicidade, densidade e cobertura espacial da amostragem e análise. Tal permitirá aos agricultores conhecer o impacto das suas opções de gestão e aos decisores políticos e técnicos uma mais eficaz regulação, assim como um apoio mais adequado ao sector agrícola e/ou à promoção informada de práticas de gestão.Com um mínimo de 30% de leguminosas, as pastagens semeadas biodiversas fixam naturalmente o azoto atmosférico e incorporam-no no solo, tornando a aplicação de fósforo um aspecto determinante para a manutenção da pastagem. A grande maioria dos solos nacionais apresenta teores em fósforo baixos, pelo que as fertilizações são indispensáveis. Devido ao custo associado, quer por compra de fertilizante ou perda de produção da pastagem, verifica-se relevante uma optimização do fósforo adicionado. Existem recomendações quanto à fertilização, mas são essencialmente genéricas e não fundamentadas na variabilidade espacial da disponibilidade de fósforo no solo. De acordo com as práticas comuns e mais divulgadas junto dos agricultores, esta variabilidade espacial só pode ser conhecida através de amostragem exaustiva de solo, incomportável face aos custos e ao tempo envolvidos. Assim, e no âmbito do Grupo Operacional “GO FÓSFORO”, liderado pela Terraprima e também financiado pelo Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, é testada a aplicabilidade de tecnologias de detecção (próxima e remota) na aquisição de dados para a produção de mapas de prescrição e aplicação diferenciada de fósforo, utilizáveis com tecnologias de aplicação variável.
Uma vez delineado o caminho para a optimização da pastagem, a Terraprima olha agora para o pastoreio. Pretende-se optimizar a ingestão de pastagem, minimizando a necessidade de incluir alimento concentrado. Esta medida contribui para a sustentabilidade económica da exploração, mas também para uma optimização ambiental ao evitar o impacto associado à produção e transporte de alimento concentrado. Neste âmbito, os trabalhos iniciaram-se com a monitorização animal através de coleiras com informação GPS. Uma vez conhecida a localização dos animais, é possível optimizar o pastoreio, encaminhando os animais para as parcelas que, por meio da avaliação de dados de detecção remota, apresentam melhor condição, evitando o sub- e sobrepastoreio.
De modo a permitir ao agricultor uma visão integrada da sua exploração, a Terraprima desenvolveu uma ferramenta online de gestão. Com informação geograficamente diferenciada, o agricultor pode aceder à informação da sua exploração com vista à melhoria de gestão (por exemplo, através de mapas para fertilização diferenciada). Uma vez caracterizada a exploração, a ferramenta efectua o cálculo da pegada de carbono com identificação das principais categorias que para ela contribuem. Está assim aberto o caminho à melhoria ambiental no que respeita à emissão de gases com efeito de estufa, permitindo às explorações nacionais de produção animal tomarem a dianteira na batalha para a mitigação das alterações climáticas.
→ Leia o artigo completo na edição de fevereiro de 2021
Autoria: Tatiana Valada e Tiago Domingos Terraprima
*Escrito ao abrigo do Anterior AO
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