A propósito de mobilização e de estarmos disponíveis para a defesa das causas em que acreditamos, seja qual for a idade, alguém me dizia que “é o contra que nos faz agir”, sair da nossa “zona de conforto”.

Jaime Piçarra – Secretário-Geral da IACA

Ser “do contra” parece ser a energia que nos revigora, rejuvenesce. A ser assim, num Setor envelhecido como o nosso, não raras vezes desanimado e angustiado, tantas são as incertezas e a instabilidade, desde logo o clima, com fenómenos cada vez mais extremos e perturbadores, as tensões geopolíticas que nos apresenta uma Europa que não domina nem influencia, estaria justificada a relativa apatia, falta de empenho, incapacidade de nos mobilizarmos ou de nos envolvermos nos processos de decisão. Designadamente, nas consultas públicas que são hoje um instrumento muito relevante na política europeia.

“Temos de saber comunicar” é o que mais ouvimos por aí.

Comunicar o quê, para quê ou quem? Quantas vozes existem numa só voz? Porque falhamos nas petições, nas causas que (teoricamente) deveríamos abraçar? Como chegar à opinião pública e publicada, de uma forma coerente e com maior frequência, como acontece com outras áreas da Sociedade, quando não conseguimos (aparentemente) convencer os que estão à nossa volta?

Com este enquadramento, trazemos hoje à reflexão duas questões importantes que não nos podem passar ao lado. Que devem servir de lição para o futuro.

A primeira, a Iniciativa de Cidadania sobre o Mundo Rural, lançada pela plataforma European Livestock Voiceda qual muitas organizações nacionais fazem partecomo por exemplo a IACA, através da FEFAC; a segunda, a consulta pública da Comissão Europeia, relativa às Novas Técnicas Genómicas, aberta até ao próximo dia 5 de novembro, a que podem aceder aqui.

Sobre a Iniciativa de Cidadania destinada a proteger a Herança Rural da Europa, escrevemos em 20 de janeiro deste ano – “Disponíveis para defender aquilo em que acreditamos?” – a propósito da importância destas Iniciativas e de sermos ouvidos pelas instituições europeias,  Parlamento e Comissão Europeia.

Se os “outros” conseguem, porque não nós? De resto foi assim que os movimentos que sistematicamente se opõem aos nossos (legítimos) interesses, que negam tudo aquilo que fazemos –  e temos feito tanta coisa, tantos exemplos de excelência em prol do ambiente, da saúde e do bem-estar animal – conseguiram levar as suas petições à Europa, se mobilizaram e conseguiram ter na agenda política não só a biotecnologia, mas, sobretudo, o fim da Era das gaiolas, tema que volta a ganhar uma dimensão relevante no âmbito das normas do bem-estar animal.

Mais de 1,4 milhões de cidadãos assinaram a petição, entre 2018 e 2020, levando o tema ao Parlamento Europeu, cuja resolução foi posteriormente adotada pela Comissão Europeia. O horizonte será 2027, prevendo-se um período de transição. Muito poderá ainda mudar, mas o olhar para o bem-estar animal, como ficou demonstrado numa recente sondagem do Eurobarómetro, seja, ou não, uma questão de perceção, nunca mais será o mesmo. Em nome dos avanços civilizacionais. Mas também em seu nome, os cidadãos europeus exigem que as normas se apliquem também nas importações de países terceiros.

Numa outra reflexão, no rescaldo da Feira Nacional da Agricultura, este ano dedicada aos superalimentos, com o ovo em particular destaque, lançávamos o repto para a petição “Defesa do Mundo Rural? À distância de um clique”. Parecia ser tão fácil, bastava ir ao site que tantas vezes divulgámos, como muitos colegas de Associações do setor. Necessitávamos “apenas” de um milhão de assinaturas…das quais 14 805 em Portugal. Até dia 2 de novembro. O resultado foi desanimador e frustrante: a petição foi retirada por falta de adesão, nem se cumpriu o “sonho” de 2 de novembro. Afinal, a distância de um clique era demasiado longa, tão longínqua que em Portugal não atingimos sequer mil cidadãos (quantos somos na Fileira Agroalimentar?) mas o retrato europeu não é muito melhor, não fomos capazes de mobilizar 10 000 pessoas. Espanha, Alemanha, França, Itália, o mesmo desencanto. Na Grécia, Polónia e Hungria, mais a Leste, talvez devido ao conflito na Ucrânia, a mobilização foi superior. Se o que interessa é o que se conseguiu, falhámos rotundamente. Eu falhei e assumo aqui a minha culpa, a minha quota-parte de responsabilidade.

Pessoalmente, pedi à FEFAC, ao COPA/COGECA e ao ELV, uma profunda reflexão sobre a forma como decorreu a campanha e onde podemos melhorar nas futuras iniciativas, fazer diferente. E têm sido promovidas tantas iniciativas por esta plataforma! Vale a pena visitar o www.meatthefacts.eu

Quanto ao segundo exemplo, o da discussão pública sobre as Novas Técnicas Genómicas que aqui temos defendido e que é vital para a competitividade e sustentabilidade da agricultura e do agroalimentar. Há cerca de uma semana, tivemos a surpresa de ouvir a Ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, numa excelente iniciativa comemorativa dos 25 anos do Clube de Produtores do Continente, a defender (e bem) estas técnicas de melhoramento de plantas como instrumento de sustentabilidade da agricultura portuguesa. Sendo importante a declaração da Ministra e o voto favorável de Portugal, não é suficiente à escala da União Europeia porque as vozes contam, e todos contamos na atual discussão pública. Quando escrevemos estas Notas, a consulta pública registava cerca de 3 300 opiniões, sobretudo de França e da Alemanha, Portugal contabilizava 16 respostas. Existem fundados receios de que a maioria das pessoas que se envolveram neste processo tenham posições contra estas novas técnicas genómicas.

Será que o resultado vai contar na decisão final? Não sabemos. Apenas que pode influenciar, ou pelo menos não deixará de ser mais um foco de pressão sobre os decisores. Quando hoje a generalidade dos Governos europeus necessita de coligações e de consensos, de cedências, para assegurarem a necessária estabilidade, nem que seja, no muito curto prazo, tudo conta. Ainda temos dois dias para fazermos parte da consulta pública. Uma vez mais, à distância de um clique.

Infelizmente, esta incapacidade de trazermos os interessados a envolverem-se nas questões que a todos dizem respeito não é apenas nossa, mas coloca-se ao nível da União Europeia.  Cansaço, falta de confiança nas organizações, nas instituições, a forma como comunicamos…teremos certamente muitos temas de reflexão e seria importante fazê-lo numa altura em que nos aproximamos das eleições europeias, porque a Europa é demasiado importante para o nosso futuro para nos alhearmos.

Pessoalmente, continuo a pensar que temos de ser nós a escrever a nossa narrativa, não podemos permitir que outros, os que têm “boa imprensa”, construam esse caminho, sob pena de não termos sequer um futuro em perspetiva.

A indiferença dói, magoa, destrói, desespera, desencanta, conduz-nos à desistência. Mas essa não pode ser a opção. Até por isso, em nome das gerações futuras, há que acreditar.

Sim, é possível mobilizarmo-nos, temos de o fazer.

Afinal, qual é a alternativa?

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA

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