É evidente que, com a inesperada demissão do Governo e a incerteza do que aí vem, num cenário provável de estagflação na União Europeia e de menor crescimento do PIB em Portugal, as consequências económicas e sociais que decorrem da crise governativa, desde logo nas expectativas das empresas, não deixam de ser preocupantes.

Jaime Piçarra – Secretário-Geral da IACA

Provavelmente, todos estaremos de acordo na conclusão de que os acontecimentos do dia 7 de novembro e os desenvolvimentos que marcaram estes últimos dias, em nada prestigiam os poderes político e judicial – as instituições democráticas –   e que não vão deixar de influenciar e condicionar o futuro do país nos próximos meses.

Pelo que lemos até na imprensa internacional, a atração do investimento estrangeiro, de que tanto necessitamos, não será afetada por estes “danos reputacionais”, mas existem certamente lições a tirar, tendo em vista uma governação transparente, de confiança, entre eleitores e eleitos, recusando-se os populismos, venham eles de onde vierem, mas com a noção de que no espaço público todos devem ser escrutinados.

Tudo isto assume ainda maior importância numa altura em que a conjuntura internacional, relevante para as nossas exportações, não é a mais saudável nos principais destinos, podendo ser de recessão ou de arrefecimento económico (Alemanha, Angola, China) em 2024. Por outro lado, o consumo interno apresenta uma tendência de descida acentuada, e com a eliminação do IVA ZERO no cabaz de alimentos essenciais a partir de janeiro, no quadro do orçamento de Estado, os preços tenderão a aumentar, a inflação poderá não corrigir tão cedo e os consumidores não deixarão de enfrentar dificuldades acrescidas, pela perda de poder de compra.

Com a aprovação do Orçamento, a situação do IVA nos alimentos compostos para animais deverá ser prorrogada para o próximo ano, como previsto. Esta medida é uma mais-valia para as empresas ao nível da gestão de tesouraria. Trata-se de uma medida pela qual pugnámos, e da maior importância, até porque o comportamento dos preços das principais matérias-primas continua bastante volátil e com tendências indefinidas. A situação é semelhante para a energia e para os fertilizantes, pelo que é aconselhável, e desejável, que sejam contidos os custos de produção da agricultura e pecuária, com mais apoios financeiros (e atempados) e, também, com medidas de gestão de crise mais robustas, como tem sido discutido em Bruxelas. De referir, ainda, que não podemos esquecer os custos da mão-de-obra, certamente em alta, bem como os juros, que, embora tendam a diminuir, condicionam os investimentos em inovação e modernização.

Por outro lado, há que olhar com atenção para Espanha, o nosso principal mercado. A instabilidade da situação política e a bipolarização/radicalização a que assistimos na sociedade, apresenta contornos que se poderão refletir negativamente na economia, penalizando algumas produções em Portugal.

Com uma guerra na Ucrânia sem fim à vista, não se perspetivando um acordo no Mar Negro no curto prazo, um conflito no Médio-Oriente que não sabemos se vai ser contido ou se irá “contaminar” toda a região, e com as eventuais tensões geopolíticas entre os principais blocos, designadamente pelo posicionamento do denominado Sul global perante as instituições supranacionais, teme-se que a incerteza e a instabilidade marquem claramente o ano de 2024. Para a fraca previsibilidade acerca do que nos traz o novo ano contribui, também, o facto de as eleições no Parlamento Europeu originarem, necessariamente, um novo ciclo, tal como poderá acontecer nos Estados Unidos da América com a 60ª eleição presidencial agendada para 5 de novembro.

Neste quadro deseja-se para Portugal e para a União Europeia um maior multilateralismo, face a um protecionismo que, num passado não muito distante – os conflitos do alumínio e do aço e da aviação comercial – criou enormes problemas nas relações transatlânticas, que ganharam um novo e significativo impulso nestes últimos quatro anos.

Mas as ameaças do protecionismo são um sério risco em muitas geografias.

A visão sobre a Estratégia de Autonomia Aberta, apresentada pela presidência espanhola da União Europeia e cuja discussão irá decorrer certamente nos próximos meses, representa uma resposta aos enormes desafios que temos pela frente.

Enquanto isso, em Bruxelas continuamos a discutir dossiers relevantes para o setor agroalimentar, sejam as cadeias livres de desflorestação, o bem-estar animal, a Lei do restauro da natureza, a utilização sustentável dos pesticidas ou as Novas Técnicas Genómicas, para além do acompanhamento e monitorização dos PEPAC, que, infelizmente, estão muito longe da prometida simplificação. Relativamente a estes últimos, é cada vez maior a burocracia – veja-se o exemplo dos ecoregimes – e corre-se o risco de serem pouco atrativos para os seus beneficiários.

Como ficou claro no debate hoje realizado na TSF,  no quadro de uma parceria com o CIB, os impactos de algumas propostas legislativas da União Europeia no comércio internacional – nomeadamente na aprovação, ou não, das novas técnicas genómicas – podem originar disrupções no aprovisionamento de matérias-primas, custos mais elevados e distorções de concorrência, ou seja, problemas de abastecimento e de segurança alimentar.

Espera-se da parte da presidência espanhola uma posição comum até final do ano, pelo que pode ainda ser possível a aprovação da proposta durante a presidência belga e antes do final da legislatura do atual Parlamento Europeu. Tal como foi assumido publicamente pelos governantes portugueses – Ministra da Agricultura e Alimentação e Secretário de Estado da Agricultura – contamos com o apoio de Portugal a uma tecnologia que se assume como ferramenta essencial para a competitividade e sustentabilidade da Agricultura.

Os nossos parceiros e concorrentes, como os EUA, Brasil ou Argentina, não vão esperar pela Europa. Por isso, tal como na desflorestação, é tão importante a cooperação internacional.

A União Europeia representa o maior mercado mundial nas exportações e importações, pelo que importa reforçar esse posicionamento, não só para equilibrar os preços no mercado interno, mas também para desempenhar um papel relevante no abastecimento global perante uma população em crescimento.

Aliás, recorde-se o discurso da Presidente da Comissão Europeia no Estado da União, em que elogiou o papel do setor na produção de alimentos, na preservação do ambiente, na resiliência e capacidade de enfrentar os desafios, priorizando a segurança alimentar e lançando o diálogo para o futuro da agricultura e da alimentação.

O futuro da agricultura e alimentação vai muito além da dimensão agrária. Implica, igualmente, a logística, ou seja, todo o circuito necessário para que determinada matéria-prima se transforme em produto final à disposição do consumidor, o que, no nosso setor, passa naturalmente pelas infraestruturas portuárias, as que esta semana, regressaram às notícias devido a problemas de armazenagem. E aqui recordamos a SILOPOR, cujo contrato de concessão termina em 30 de junho de 2025. Convém que muito antes desse prazo seja encontrada uma solução.

Com o Primeiro-Ministro a acumular a pasta das Infraestruturas nos próximos meses, esperamos que seja possível assistir a uma outra perceção política de um dossier que é estruturante para o nosso país.

Tal como acontece em Bruxelas, temos de conseguir afirmar a Indústria agroalimentar, líder da indústria transformadora, como um setor estratégico e prioritário para Portugal.

Esse deve ser o nosso grande objetivo para os próximos meses!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA

Notas da semana: Queremos ser mobilizados? ❝Jaime Piçarra