Numa altura em que não só em Portugal, mas em toda a Europa, e a nível global, os nossos decisores políticos assumem comportamentos inaceitáveis para o cidadão comum – falta bom senso e sobra radicalismo, polarização, o branco e o preto -, a ligação das nossas Associações às suas congéneres internacionais assume um papel ainda mais relevante, senão mesmo decisivo, até para alguma “contenção” nos diferentes Estados-membros. Mas a ligação dos países, para além da presença constante em Bruxelas, e a sua ligação às diferentes instituições internacionais, deveria dar a quem nos governa, mais “mundo” e responsabilidade, um discurso e posições mais realistas, e uma reconhecida capacidade de governar para o cidadão que os elege, ou seja, de aceitar a democracia, governar para servir. Infelizmente, o que temos visto é alheamento, posições que não são respeitadas, vendedores de sonhos e ilusões, a derrota do exercício de cidadania pelo cansaço e desesperança.
O que vemos são as Nações Unidas, infelizmente cada vez mais desunidas, o seu Secretário-Geral a fazer o que pode, com diferentes conflitos e vários fogos para apagar, uma Organização Mundial do Comércio que praticamente desapareceu desde a pandemia, e a Organização Mundial de Saúde e a NATO a ganharem tração.
Alguém me lembrava que vivemos o maior período de Paz na Europa e que a geração que nos governa, não tem a memória da Guerra. Seria suficiente olhar e ler a história, visitar museus (desde logo o do Holocausto ou ir a Auschwitz), ver os inúmeros filmes e documentários, testemunhos ainda vivos, mas infelizmente não aprendemos nada. A raça humana tem esta tendência para a autodestruição e, não raras vezes, para o negacionismo.
Nada disto é novidade, mas convenhamos que impressiona e desilude, a cada dia que passa!
Vem tudo isto a propósito dos impasses a que vamos assistindo, pese embora algumas notas positivas como as conclusões da COP28, “tiradas a ferros”, para que o encontro não fosse um fracasso. No capítulo das boas notícias temos, também, a Declaração em torno da Sustentabilidade e Resiliência, muito importante, mas há que olhar para as diferenças abissais nos níveis de desenvolvimento dos diferentes países e perceber, que quando comparado com as regras da União Europeia, há um longo caminho a percorrer e muita ajuda financeira para os menos desenvolvidos.
Mas o que esperar do fim dos combustíveis fósseis até 2050 e que compromissos foram assumidos para serem monitorizados, por exemplo, na China, EUA ou Índia, os maiores poluidores? E na próxima COP29, que se vai realizar em Baku, no Azerbeijão, de 11 a 22 de novembro de 2024, grande produtor de gás e petróleo, entre outras matérias-primas? Todos eles estarão disponíveis nesta Conferência do Clima para assegurar os mecanismos de transição necessários ou, em função da evolução da economia, iremos ter avanços e recuos, a Europa continuará a fazer as “despesas do jogo” e as Nações Unidas a não terem qualquer capacidade para influenciar esses países?
Não é justo para a União Europeia continuar a legislar (e bem) nesta perspetiva de combater as alterações climáticas, exigir aos seus Estados-membros metas e ambições, (muitas vezes irrealistas) e nada fazer para impor as mesmas regras aos seus parceiros no mercado mundial, nas trocas comerciais com esses países. E o dilema é: se os exige, as retaliações tendem a ser inevitáveis e a ocorrerem onde mais nos “dói”, no agroalimentar. Foi isso que aconteceu na época do Presidente Trump, com os conflitos no alumínio, no aço e na aviação comercial. Receamos a continuação desta linha com eventuais retaliações da China, da Índia ou do Brasil. Já para não falar das contradições ao nível dos direitos humanos. É que se a dependência da Rússia diminuiu significativamente, relativamente à China é exatamente o contrário, sobretudo nos aditivos para a alimentação animal e humana. Uma vez mais, a cadeia de abastecimento alimentar vai ser fortemente impactada.
Apesar disto, com alguma dose de realismo, percebemos que a segurança alimentar ou as alterações climáticas tenderão a passar para segundo plano, dado o contexto em que vivemos. No futuro próximo, a nível mundial, teremos eleições legislativas ou presidenciais em 7 países durante o primeiro semestre de 2024 (Finlândia, Portugal, Eslováquia, Lituânia, Bélgica, Rússia e Ucrânia), europeias em todos os Estados-membros, presidenciais nos EUA, em 5 de novembro de 2024, com uma influência decisiva em dois conflitos que afetam o planeta e condicionam as estratégias de curto e médio-prazo: a Guerra na Ucrânia, apoiada fortemente pelos EUA e UE, cujas ajudas poderão tender a diminuir e a situação, potencialmente explosiva, no Médio Oriente, neste momento congelada na questão do cessar-fogo.
Dois conflitos sem fim à vista, um dos quais já está a gerar uma terceira situação de tensão e danos colaterais: os sequestros de navios no Mar Vermelho, uma das consequências da guerra de Israel contra o Hamas e que têm sido atacados pelos Houthis, presume-se que com ligações ao Irão, numa rota por onde passa 10% do petróleo e da maior importância no comércio da Ásia para a Europa, para as trocas comerciais da China, por exemplo, sendo esta decisiva para o fornecimento de aditivos e outros ingredientes e muito relevante para as exportações para aquele país. O impacto nas matérias-primas deverá ser (ainda?) reduzido, mas noutros produtos vão ser inevitáveis os aumentos de preços, por via dos agravamentos dos fretes e seguros. Na Ucrânia, caso a situação se agrave, face a uma eventual redução nos apoios e no esforço de guerra, enfrentaremos o mesmo problema.
Por último, parecendo deslocado destas reflexões, o dossier da desflorestação e a sua (in)capacidade de implementação prática.
Sem respostas concretas do ponto de vista da Comissão Europeia ou dos Estados-membros que estão a trabalhar num projeto-piloto para 2024, começam a surgir rumores de que as grandes empresas que operam no mercado mundial não irão fazer contratos para 2025 porque não têm ideia (muito menos a Comissão que entregou à DG ENVI esta legislação) dos custos logísticos e operacionais para dar resposta às novas exigências.
Não podemos permitir que o ónus de uma legislação – sobre a qual deixámos inúmeros alertas, sempre ignorados – nos penalize perante a opinião pública, porque queremos combater a desflorestação e a degradação florestal, mas com regras claras, equilibradas e exequíveis.
Seria, assim, muito sensato, adiar a implementação da EURD, assegurar um período de transição mais longo e, sobretudo, discutir com os nossos principais fornecedores e parceiros – EUA, Brasil, Argentina, Paraguai, Canadá, Malásia… – como vamos aplicar a nova Lei, sem correr riscos de disrupções ou ruturas nas cadeias de abastecimento.
Com tanta instabilidade, incerteza e volatilidade, não precisamos de mais achas para a fogueira, mas quando falta liderança e consensos, e se não governa no interesse das pessoas, é inevitável que os extremismos ganhem maior dimensão.
Da minha parte, ainda tenho esperança de que sejam contidos os radicalismos!
Votos de um Santo Natal e Festas Felizes para todos.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA