É um hábito, e muito saudável, desejarmos no final de cada ano, votos de sucessos, pessoais e profissionais, um Novo Ano cheio de paz, esperança, felicidade, e que seja bem melhor que o anterior. Mas todos sabemos que o ano de 2024 se prepara para ser “esquisito, diferente”, talvez pior que o de 2023. Pelo menos, mais incerto, inseguro e com mais preocupações, embora não pretendamos ser pessimistas.

A avaliar pelos primeiros dias do ano que agora começou, não se vislumbram muitos sinais de que seja tão “próspero” como desejámos nas mensagens de Boas Festas: as guerras na Ucrânia e no Médio-Oriente não têm um fim à vista, a escalada a que temos assistido não augura nada de bom, a situação no Mar Vermelho, que afeta 12% do comércio mundial não dá tréguas, os BRICS tendem a reforçar-se e a pôr em causa a “ordem internacional”, tal como hoje a conhecemos. Infelizmente, é evidente a fragilidade (e contradições?) das Nações Unidas, manifesta-se, também, a ausência de impacto político e económico de organizações internacionais como a Organização Mundial do Comércio, os apelos do Secretário-Geral da ONU e do Papa Francisco são, aparentemente, ignorados, mas temos de ter esperança: EUA e China celebraram agora os 45 anos de relações diplomáticas, com mensagens de prosperidade, e sabemos que a diplomacia internacional não para. Não pode parar.

Mas ainda como notas de incerteza temos as eleições, legislativas em Portugal, europeias nos 27 Estados-membros, e presidenciais nos Estados Unidos. As europeias e as presidenciais nos EUA têm o potencial de despoletar consequências nos alinhamentos geoestratégicos mundiais, imprevisíveis, correndo-se também o risco de uma paralisação na Europa nos próximos meses, devido ao período de campanha eleitoral, que decorrerá de junho e até ao fim do ano, pela transição para um novo Parlamento Europeu e uma outra Comissão Europeia.

Pelo meio, na UE, existem duas presidências, a da Bélgica, que promete reforçar a estabilidade e a democracia europeia, e a da Hungria, de quem não se espera que contribua para a coesão da Europa, isto numa altura em que a Polónia apela ao reforço da indústria de defesa (e da NATO) e em que se assiste, por parte dos países vizinhos da Ucrânia, a continuadas manifestações de agricultores, e outros atores, contra os impactos das exportações deste país no escoamento dos seus produtos.

Mais apoios e subsídios permitirão resolver as tensões?

Ainda nestes dias o Governo belga abordou a necessidade de um reforço do Orçamento da União, ou seja, um maior esforço financeiro da parte dos Estados-membros, numa conjuntura que não é propriamente de prosperidade. Mais apoios seriam certamente bem acolhidos por Portugal, pois, sendo certo que a inflação tem tendência para diminuir em 2024 (dos 5,3% em 2023, para 3,6% de acordo com o Banco de Portugal), o crescimento do PIB tende a desacelerar para 1,5% e as exportações, previsivelmente, perdem peso face ao ano anterior porque os principais destinos enfrentam riscos de recessão ou relativa estagnação.

Vem tudo isto a propósito do fim do IVA ZERO, que termina hoje, por mera decisão política e que, em nossa opinião, poderia ter sido alargada pelo menos para mais um semestre como aconteceu com Espanha, o nosso principal parceiro comercial.

Talvez o Governo, estivesse mais preocupado com as “contas certas” e sem dúvida que para um País como o nosso, fortemente endividado, mais exposto à conjuntura internacional, esse objetivo não deixa de ser importante, como já vimos no passado.

Provavelmente, com os dados que conhecemos hoje – excedente orçamental que pode representar 1,1% do PIB e valores na ordem dos 6 mil milhões de € – talvez fosse possível acomodar o impacto desta medida, com mais ajudas aos agricultores e beneficiando os consumidores, desde logo a inflação e melhorando o poder de compra. Em janeiro, com os aumentos que as famílias vão ter de suportar, os juros (ainda) a subir e com menos turistas – que como sabemos têm sido decisivos no desempenho da nossa economia, e continuarão a ser em 2024 – vão agravar-se os custos dos produtos alimentares, pelo menos nos 46 bens essenciais e, indiretamente, nos seus derivados. Com impacto direto na redução do consumo.

De resto, a continuidade do IVA ZERO para 2024 foi uma das medidas que defendemos no âmbito do Orçamento de Estado, tal como a prorrogação da isenção do IVA na alimentação animal e nos fatores de produção que foi uma medida muito acertada, contribuindo para mitigar os custos de produção dos agricultores. Infelizmente, não foi acolhido, na sua plenitude, o pedido de redução do IVA nos petfood (apenas para as Associações de proteção animal, o que é positivo), nem outras medidas de natureza fiscal que têm de ser analisadas na futura legislatura, nomeadamente um alinhamento face a Espanha.

Numa altura em que a volatilidade dos preços e das disponibilidades das matérias-primas continua a condicionar o mercado, tal como o aumento dos valores dos seguros e fretes e a fragilidade das operações portuárias, que originam atrasos e os consequentes custos com sobreestadias, pensamos que a leitura que o Governo fez da medida tem pouca adesão à realidade atual. Por exemplo nos produtos de origem animal, denota-se uma tendência de quebra nos preços aos produtores, ainda com custos de produção relativamente altistas, pondo em causa a viabilidade de muitas explorações agropecuárias e, por arrastamento, o setor da alimentação animal. Estando a decisão já tomada, cabe-nos a nós explicar as suas consequências. E assim o faremos.

Neste momento de pré-campanha eleitoral, em que surgem diariamente novos casos, que só alimentam o populismo, fazemos votos para que a campanha não seja “suja” e que todos estejam à altura do que os portugueses merecem: seriedade, verdade, transparência. Desejamos, também, conhecer as propostas dos partidos políticos, de preferência as medidas que tomarão perante os reais problemas de Portugal e o seu enquadramento na Europa e no mundo.

Não percamos tempo no passado e olhemos para o futuro.

Importa saber que propostas têm para a Agricultura, para o Agroalimentar, para o Mundo Rural.

Continuar nesta linha a que temos assistido nos últimos dias, só vai aumentar a indiferença e a abstenção, ficando apenas para votar os radicais e os oportunistas. E iremos ver e ouvir, na noite das eleições, os comentadores a lamentarem-se do costume, que temos de mudar, ouvir os cidadãos, abrir os partidos aos independentes, à Sociedade Civil…até às eleições seguintes.

É também por tudo isto que a medida do IVA ZERO devia ter sido prorrogada, pelo menos por mais 6 meses. Provavelmente poderia ter sido considerada eleitoralista, mas certamente era coerente e alinhada com as incertezas que dominam o cenário internacional.

Só resta esperar que, neste jogo de empurra, não sejam os agricultores e a indústria agroalimentar a suportar os custos para travar a inflação.

Existia um outro caminho, agora há que assumir as responsabilidades. Talvez em março tenhamos a resposta.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA