Faleceu esta semana, no dia 27 de dezembro, com 98 anos, uma das personalidades de referência, quiçá das mais marcantes da construção europeia, Jacques Delors, que liderou e moldou a Comissão Europeia no período de 1985 a 1995. Nunca ninguém tinha desempenhado as funções durante tanto tempo, em três períodos, e depois dele, apenas Durão Barroso e em circunstâncias completamente diferentes, durante dois mandatos.

Em janeiro de 1985, Jacques Delors assume a Presidência da Comissão Europeia (CE), graças ao apoio de François Mitterrand e Helmut Kohl, dois grandes estadistas.

É inegável que sob a sua liderança assistimos a grandes transformações no bloco comunitário europeu, marcado pela assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, que constituiu a União Europeia, e pela criação do Mercado Único, em janeiro de 1993, que assegura a livre circulação de pessoas, mercadorias, capitais e serviços na União Europeia.

Jacques Delors presidiu igualmente ao Comité para o Estudo da União Económica e Monetária entre 1988 e 1989. O relatório então produzido, denominado “relatório Delors”, lançou as bases para a criação do Euro, adotado formalmente por 11 países da União Europeia em 1999, entre os quais Portugal. No entanto, como sabemos, apenas em janeiro de 2002 tivemos o contacto com a moeda única europeia.

Ficou intimamente ligado ao processo de negociação da integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, em 1986, sendo considerado como um “amigo” do nosso País, reconhecendo as especificidades da agricultura portuguesa.

Uma das formas de concretização desta “amizade” foi um envelope de contrapartidas financeiras dadas a Portugal, considerado por alguns como generoso, graças precisamente à intervenção do Presidente da Comissão que o atribuiu como medida compensatória pela aceleração de uma das etapas da transição para o Mercado Único, designadamente pela segunda etapa que deveria finalizar em 1995, terminou em 1992. Apesar disso a medida não foi alheia a críticas, uma vez que alguns a consideraram insuficiente para compensar a exposição aos mercados europeus, até então protegidos por quotas e outros instrumentos de regulação.

Ainda assim, foi nesta altura, em 1993, que a Indústria recebeu um montante de 12,6 milhões de ECU (1993-1995) pelo desmantelamento do elemento fixo de proteção, tendo sido reconhecidos os esforços desenvolvidos pela IACA. Foi igualmente neste ano, consequência das nossas diligências, em Bruxelas e para com o Governo de então, do Prof. Anibal Cavaco Silva, que Portugal passou a beneficiar de um contingente de 500 000 tons de milho provenientes de países terceiros.

Quando olhamos para os futuros alargamentos, desde já à Ucrânia e Moldávia, é bom recordar que Portugal precisou de um período de 8 anos de negociações, desde o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia, em 1977, até à assinatura do Tratado, em 1985, para que a entrada se concretizasse.

Jacques Delors assistiu à queda do Muro de Berlim, em 1989 e à reunificação alemã, tendo então manifestado profundas preocupações e receios do que poderia ser a Europa, consciente de que esse processo iria conduzir inevitavelmente a um alargamento ao Leste europeu. Esta abertura viria a concretizar-se mais tarde, em 2004, com a adesão de 10 países entre os quais se encontravam vários da Europa de Leste e, posteriormente, a reforçar-se em 2007, com a entrada da Bulgária e da Roménia. É, ainda relevante recordar que Jacques Delors defendia a teoria dos “círculos concêntricos”, ou seja, a integração por etapas, segundo os níveis de desenvolvimento, o “ponto de partida”, e cumprimento do “acervo comunitário” dos diferentes candidatos.

Também é de destacar, em 1992, a primeira Presidência de Portugal na então Comunidade Económica Europeia e a primeira grande reforma da PAC, finalizada, tal como a atual, na liderança portuguesa, pelo então Ministro da Agricultura Arlindo Cunha, numa reforma que ficou conhecida como a reforma MacSharry, ligada a este Comissário da Agricultura irlandês. Esta nova PAC tinha como objetivo reduzir o orçamento global e abandonar a política dos preços garantidos sem limites, alinhando os preços europeus aos preços mundiais, com ajudas aos agricultores, e reconhecendo a multifuncionalidade da agricultura, ou seja, reconhecendo a atividade como produtora de alimentos e bens públicos, como promotora do equilíbrio dos ecossistemas ambientais.

As múltiplas intervenções e homenagens que ocorreram nos últimos dias testemunharam a relevância deste Homem que preferiu a Europa aos nacionalismos e o multilateralismo ao protecionismo, até nos momentos mais tenebrosos e sensíveis como por exemplo a crise financeira, momento em que estivemos à beira de uma implosão. Jacques Delors sempre acreditou na capacidade de coesão da Europa, nos seus valores e referências.

Numa altura em que enfrentamos tempos de instabilidade e incerteza no quadro europeu e mundial, com eleições em 2024 e dois conflitos que podem ameaçar a construção da União Europeia e a estabilidade da Europa, tal como a conhecemos, o melhor tributo que devemos prestar a este Estadista, é falarmos da União Europeia, dos seus objetivos a todos os cidadãos, com clareza e transparência, participar nas eleições europeias e não permitir que a indiferença, pela abstenção, continue a ser o principal partido em Portugal e na União da qual ele era um defensor inabalável.

Não esqueçamos o seu legado. Da nossa parte, obrigado Jacques Delors. Obrigado, Senhor Europa!

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA

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