Portugal dispõe de uma elevada diversidade de recursos genéticos animais (RGAn) para a alimentação e agricultura, representada atualmente por 52 raças autóctones das espécies pecuárias, 11 raças de cães e 1 de abelhas.

As raças autóctones são componentes fundamentais dos sistemas de produção animal em equilíbrio com o meio ambiente, imprescindíveis para a satisfação das necessidades do Homem. Elas contribuem para a fixação de populações no espaço rural e para a sua gestão sustentável, e representam um reservatório de variabilidade genética, que permitirá responder a novas necessidades da sociedade e a desafios essenciais para a Humanidade.

Em 2014 Portugal apresentou oficialmente o Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais (Plano Nacional RGAn), tendo em consideração o Plano Global de Ação da FAO para os RGAn e as prioridades estratégicas para o país, determinadas a combater a erosão da diversidade genética animal e a promover a utilização sustentável dos RGAn. Este Plano é um documento orientador para o funcionamento do setor, para o estabelecimento de compromisso sobre os RGAn e a uniformização dos procedimentos relacionados com a sua caracterização, conservação, melhoramento, promoção e utilização sustentável em Portugal.

A Prioridade Estratégica nº 2 do Plano Nacional RGAn refere-se à utilização e desenvolvimento sustentável dos RGAn, na perspetiva de promover sistemas de produção que adequados a uma gestão adequada dos RGAn e à manutenção dos agroecossistemas e a sua sustentabilidade.

A Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento do Plano Nacional RGAn, para além da análise e debate permanente do estado atual dos RGAn em Portugal, tem-se focado na sua promoção e divulgação

São múltiplos os benefícios dos sistemas agrícolas que utilizam raças locais, referindo-se o fornecimento de bens e serviços, gestão paisagística e ambiental, atividades culturais e patrimoniais, justificando-se o seu reconhecimento e defesa da sua conservação. No entanto, o conceito de Serviços do Ecossistema é raramente utilizado para realçar os benefícios da utilização dos RGAn.

Os Serviços do Ecossistema ou Serviços Ambientais representam os benefícios que a humanidade obtém dos ecossistemas, que podem incluir bens materiais ou serviços imateriais

Podem dividir-se em serviços de aprovisionamento (p.e., produção de alimentos), de regulação (p.e., ciclo o carbono), culturais (p.e., turismo) ou de suporte (manutenção do espaço rural). Este conceito está implicitamente relacionado com a interdependência das diversas funções dos ecossistemas e com a sua biodiversidade. Desta forma, a conservação da biodiversidade, na qual se inclui a diversidade genética das raças de animais, é fundamental para a manutenção dos serviços do ecossistema.

O conceito de Serviços do Ecossistema tornou-se mais conhecido e debatido no início deste século e, segundo “https://florestas.pt o que são os serviços do ecossistema”, diversos relatórios e projetos internacionais (Ecosystem Services and Biodiversity e Millennium Ecosystem Assessment, entre outros) foram determinantes para realçar como as alterações nos ecossistemas podem afetar o bem-estar da Humanidade. Foram entretanto propostos vários métodos para definir e avaliar os serviços do ecossistema, mas segundo esta Entidade, o sistema de classificação proposto pelo CICES (Common International Classification of Ecosystem Services) em 2009, permitiu uma abordagem mais integradora e holística, que permitir o cálculo económico do valor dos serviços do ecossistema e inclui-lo no Sistema de Contabilização Económico e Ambiental, criado pelas Nações Unidas e usado pela Agência Europeia do Ambiente.

A biodiversidade das raças autóctones e a multiplicidade de sistemas de produção são essenciais para as três principais categorias de Serviços do Ecossistema definidas pelo CICES: 

• Serviços de Provisão ou Aprovisionamento – as raças autóctones proporcionam uma elevada variedade de alimentos, produtos tradicionais com denominação protegida, diversos materiais (peles, fibras, estrume, etc.), incluindo produtos biológicos (albumina, hormonas, fios de sutura, etc.)

• Serviços de Regulação e Manutenção – os sistemas de produção das raças autóctones contribuem para a fixação de populações no espaço rural, para limpeza arbustiva e para a redução de risco de incêndio. Enquadram-se em sistemas de agrosilvopastorícia, contribuindo para a gestão de montados e baldios, ou para a regulação do clima por via do sequestro de carbono e para a proteção da biodiversidade do solo e prevenção da erosão. Alimentados a partir de pastagens naturais, pastagens semeadas biodiversas, potenciam a diversidade e complementaridade das espécies de plantas.

• Serviços Culturais e de Recreio – as raças autóctones estão presentes em inúmeras atividades culturais, turísticas, de lazer, educativas, terapia e de contemplação da paisagem. São evidentes as interações físicas, culturais, intelectuais, educativas e desportivas que os animais proporcionam, atualmente em setores mais sensíveis, como crianças, idosos ou cidadãos portadores de deficiência, através dos equídeos e da hipoterapia. Atualmente está consensualizado que a degradação dos ecossistemas, a perda de biodiversidade e as alterações climáticas podem comprometer a capacidade dos ecossistemas de fornecer esses serviços essenciais para o bem-estar da Humanidade. Contudo, em muitas situações e em muitas zonas do território nacional, as raças autóctones poderão ser a pedra chave para a manutenção dos Serviços do Ecossistema.

→ Artigo publicado na Revista Voz do Campo: edição de fevereiro 2024

Autoria: Nuno Carolino, Pedro Vieira, Rui Dantas, Pedro Espadinha, Samuel Pinto, Claudino Matos, Andrea Cortinhas, José Pedro Araújo, António Vicente

Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento do Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais. nuno.carolino@iniav.pt