PATOGÉNIOS BACTERIANOS DE PLANTAS, UMA PREOCUPAÇÃO GLOBAL.

À medida que a população mundial aumenta para uma estimativa de 9,6 mil milhões de pessoas até 2050, torna-se imperativo um aumento significativo da produção alimentar. Este crescimento da população traduz-se num aumento previsto da procura de alimentos de 59% a 98%. Apesar do compromisso da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de erradicar a fome até 2030, desafios como as alterações climáticas, os conflitos e as doenças levaram a um declínio da segurança alimentar desde 2015.

As doenças, incluindo os agentes patogénicos das plantas, representam uma ameaça substancial para a agricultura mundial. Podem ser responsáveis por cerca de 40% das perdas anuais de colheitas, infligindo um custo económico impressionante de > 200 mil milhões de euros por ano. Esta perda não é apenas uma preocupação financeira, mas representa também um desperdício substancial dos recursos finitos do planeta. A luta contra estas doenças é, por conseguinte, fundamental para a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis.

As doenças das plantas são causadas por vários agentes patogénicos, incluindo parasitas, oomicetas, nemátodos, vírus, fungos e bactérias. Entre estas, são conhecidas mais de 200 espécies de bactérias patogénicas para plantas, sendo as mais predominantes, pertencentes a géneros como Pseudomonas, Ralstonia, Agrobacterium, Xanthomonas, Erwinia, Xylella, Pectobacterium e Dickeya. As infeções bacterianas nas principais culturas alimentares, como o arroz, a batata, o tomate, a couve, a banana, a azeitona e os citrinos, são um problema significativo, contribuindo para perdas de rendimento de 5-10%. Tradicionalmente, estas culturas têm sido protegidas com recurso a agentes químicos. No entanto, muitas bactérias fitopatogénicas (i.e. que provoca doenças em plantas) desenvolvem resistência a estes produtos químicos, incluindo: produtos à base de cobre, peróxido de hidrogénio e antibióticos como a estreptomicina. Consequentemente, as estratégias de gestão das doenças centram-se na prevenção.

Além disso, existe uma pressão pública e governamental crescente para limitar ou substituir os pesticidas químicos devido aos seus impactos ambientais e na saúde. Esta mudança é evidente em ações legislativas como a Diretiva 2009/128/CE da UE, que apela a métodos de controlo de doenças mais sustentáveis.

O desafio de aumentar a produção mundial de alimentos é formidável. Para satisfazer o plano projetado, a oferta mundial de alimentos poderá ter de crescer até 70%. Para tal, será necessária uma redução significativa das perdas de colheitas devido a doenças, que atualmente representam pelo menos 10% da produção alimentar mundial.

Neste contexto, a necessidade de soluções inovadoras e sustentáveis para combater os agentes patogénicos bacterianos das plantas é mais urgente do que nunca. É aqui que os bacteriófagos, os predadores microscópicos de bactérias da própria natureza, estão a ganhar um interesse renovado como potenciais agentes de biocontrolo na agricultura. A próxima secção deste artigo irá aprofundar o papel promissor dos bacteriófagos neste contexto.

Bacteriófagos, uma alternativa para o biocontrolo

Bacteriófagos são as entidades biológicas mais abundantes na Terra. Os bacteriófagos são vírus que apenas infetam bactérias (predadores naturais), e por isso são inofensivos aos humanos. Eles reconhecem e infetam o hospedeiro bacteriano para se reproduzir. Não só são as entidades biológicas mais predominantes no planeta, como também as mais diversas, podendo serem encontrados bacteriófagos de diferentes morfologias.

A descoberta dos bacteriófagos no início do século XX por Frederick Twort e Felix d’Herelle marcou o início de uma era em que foram utilizados principalmente como agentes antibacterianos na medicina humana. Esta utilização inicial estendeu-se à agricultura, com experiências do início do século XX que utilizaram filtrados de bacteriófagos para inibir Xanthomonas em couves e ensaios de campo subsequentes que mostraram reduções na doença de Stewart no milho. No entanto, à medida que os antibacterianos químicos se tornaram facilmente disponíveis e tinham uma gama mais vasta de aplicabilidade, eram mais simples de utilizar e mais fiáveis na altura, o interesse pelo biocontrolo com bacteriófagos diminuiu. Apesar de ter sido ofuscado pelos antibacterianos químicos em meados do século XX, a crescente resistência a estes agentes antibacterianos e a mudança para uma agricultura sustentável reacenderam o interesse pelos bacteriófagos.

Nos últimos anos, tem havido um ressurgimento do interesse no biocontrolo com bacteriófagos, impulsionado pela necessidade de práticas agrícolas sustentáveis e pelos avanços na biotecnologia

As estratégias modernas de biocontrolo agrícola estão cada vez mais centradas na exploração das propriedades únicas dos bacteriófagos. A eficácia dos bacteriófagos na agricultura depende em grande medida da sua capacidade de eliminar especificamente as bactérias patogénicas. Esta especificidade é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que permite uma ação orientada contra os agentes patogénicos sem prejudicar os micróbios benéficos ou o ambiente, também requer uma compreensão abrangente da dinâmica bacteriófago-hospedeiro para gerir eficazmente as populações de agentes patogénicos (…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de março 2024

Autoria: Gabriel Abreu¹*, Edgar Garcia¹*, Diana Mortinho², Ana Soares², Luís Carvalho², Hugo Oliveira¹

¹Centro de Engenharia Biológica, Universidade do Minho, Braga

²AsfertGlobal Lda., Santarém

* Esses autores contribuíram igualmente para este trabalho