Silves afirmou-se claramente Capital da Laranja na 8ª Edição Mostra Silves Capital da Laranja, concretizando um grande evento regional dedicado à valorização da citricultura, vinho, agricultura, produtos regionais, doçaria, artesanato e gastronomia, que decorreu na Fissul nos dias 16, 17 e 18 de fevereiro.

O evento, contou com várias dezenas de expositores e com a presença de mais de 15 000 visitantes, que para Rosa Palma, presidente da Câmara Municipal de Silves, se traduz na “confirmação, mais uma vez, num evento de grande impacto e importância estratégica no desenvolvimento económico e notoriedade do concelho”.

Do programa fez parte mais de 100 atividades e apontamentos de animação ao longo de três dias e integrada também na 8ª Mostra Silves Capital da Laranja, a Conferência XXI teve lugar num espaço renovado – na sala de colóquios da Fissul – onde a problemática que se vive na região em relação à falta de água e a gestão de recursos hídricos foi o ponto fulcral de debate que reuniu todas as entidades responsáveis pela matéria, com os agricultores e citricultores, promovendo o diálogo e a procura de soluções concertadas para a solução do perigo que a falta de água representa para este setor.

Rosa Palma, na sessão de abertura da Conferência XXI, realçou o papel importante do debate para “dar voz aos agricultores e a este setor de atividade de especial importância para o concelho e que se encontrem caminhos que permitam a sustentabilidade do setor”. José Apolinário, presidente da CCDR Algarve, na sua intervenção, destacou o empenho e a cooperação do município ao organizar este debate, porque ele acontece num momento crucial e critico para o futuro desta atividade e deixa também uma palavra de reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelos dirigentes associativos, “porque têm um papel muito importante nos grandes desafios que estão pela frente”. O mesmo reforça ainda que “este é um setor com grande impacto económico do ponto de vista do uso sustentável do território e tem de ser valorizado. É preciso encontrar soluções para garantir água para a manutenção da atividade agrícola e manter o seu futuro, com uma posição de concertação entre todos os setores”.

O presidente da Região de Turismo do Algarve, André Gomes, realça também a importância deste encontro singular não apenas por destacar aquilo que é a riqueza da citricultura em Silves e na região, mas também por abordar questões cruciais que afetam diretamente o setor agrícola, em especial a gestão dos recursos hídricos. “O turismo do Algarve compreende plenamente a relevância da laranja algarvia como um dos cartões de visita da região, daí o produto estar presente nas várias ações que desenvolvemos a nível nacional e internacional. Para além de um produto de excelência, é um património genuíno intrinsecamente ligado à identidade da região do Algarve”. Sobre a realidade de escassez de água na região refletida nas medidas determinadas pelo Governo, com um corte de 15% no setor do turismo, André Gomes partilhou alguns pontos que destacam que o setor tem dado para a redução dos consumos de água: “o setor já efetuou um corte de 40% do consumo de água nos últimos 12 meses, particularmente ao nível dos campos de golfe.

Medidas de eficiência hídrica com torneiras e autoclismos eficientes, redução das áreas de rega e minimização dos consumos de água, já estão também em prática (…) bem como investir na reconversão de áreas verdes dos empreendimentos turísticos, reduzindo ou eliminando o relvado ou substituindo espécies de elevado consumo de água por outras. Para além disso, temos também um programa juntamente com o Turismo de Portugal, denominado Algarve Competências de Futuro, com o objetivo de preparar os empresários para os novos desafios do setor com formações dedicadas à gestão sustentável dos recursos de eficiência hídrica (…) vamos implementar muito em breve um selo de eficiência hídrica nos empreendimentos turísticos, renovável periodicamente, com 60 medidas a implementar durante o ano e a Campanha Água é Vida que já está no terreno, que envolverá ações especificas a diversos públicos”.


Já Pedro Coelho, diretor da APA – ARH Algarve, deixou claro a importância de implementar medidas no contexto de todos os setores. “Toda esta gestão é um desafio nos momentos, em que vivemos, de escassez e baixa disponibilidade de água. Vivemos num clima mediterrâneo, sempre tivemos secas, mas nos últimos anos a precipitação tem vindo a reduzir-se com alguma expressão (…) e temos de adaptar as nossas atividades económicas, pois temos menos de 55 hectómetros armazenados nas albufeiras face à data homóloga (…). Por isso, desenhamos medidas estruturais e de contingência num conjunto de esforços entre todos os setores utilizadores. Tanto no setor urbano como no agrícola é também importante medir mais para se verificar onde estão as perdas para se poder atuar”.

De referir que, a Conferência em si, dividida em dois painéis, teve a participação de José Paulo Monteiro (professor auxiliar da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve, Centro de Ciências e Tecnologias da Água), Laura Tarrafa (dirigente da CNA – Confederação Nacional da Agricultura), Nuno Canada (presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária – INIAV), Filipe Martinho (Frutas Martinho), Pedro Cabrita (Pedro Cabrita – Produção de Citrinos), Pedro Valadas Monteiro (vice presidente da CCDR Algarve), Luísa Conduto (vice presidente da Câmara Municipal de Silves) e ainda Amílcar Duarte (professor auxiliar da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UAlg, Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento).

Partilhamos alguns testemunhos de empresas e dirigentes participantes na Mostra Silves Capital da Laranja

  • Aquagri

Desde 1998, a Aquagri é uma empresa especializada em serviços e equipamentos de gestão de água de rega, atividade na qual integra tecnologias de monitorização baseadas na internet e software de análise de dados para gestão de rega. Os serviços de consultoria da Aquagri são apoiados por um conjunto de equipamentos específicos para gestão de rega, tais como sondas de monitorização do teor de água e salinidade do solo e estações meteorológicas automáticas que fornecem, em simultâneo, informação sobre as condições meteorológicas e sobre a probabilidade de ocorrência de doenças. Com uma grande carteira de clientes a empresa tem experiência na gestão de rega nas culturas da vinha, olival, citrinos, pequenos frutos, frutos secos, tomate, milho, e entre outras.

Durante a Mostra Silves Capital da Laranja, a Aquagri esteve mais uma vez presente com um stand e falámos com Pedro Correia, um dos sócios-gerentes da Aquagri, que critica o modo como está apresentada a seca na região do Algarve. “Isto é, apresentam medidas globais iguais para o Algarve inteiro sem se distinguirem diferentes realidades. Na Bravura está em catástrofe total há dois anos, por falta de água no perímetro e por falta de chuva (…) nesse sentido, devia haver medidas muito especificas para o Barlavento e outras medidas no Centro e Sotavento, com restrições faseadas e balanceadas no tempo em função das realidades respetivas”, sintetiza Pedro Correia.

Questionado para se pronunciar sobre onde é possível obter ainda mais eficiência, Pedro Correia não tem dúvidas ao afirmar que a maioria dos agricultores estão bem implementados e procuram os pontos de rentabilidade da exploração. “Onde se pode procurar ainda mais a eficiência, neste momento, é nos sistemas de distribuição dos perímetros de rega que são antigos (…) e também nas redes de distribuição de água doméstica, que são também redes antigas. Veja-se o exemplo de Silves que ao melhorar a eficiência das redes de distribuição doméstica passou de perdas 60% para 40%, nos últimos dez anos. Tal como, a Associação de Regantes de Silves, Lagoa e Portimão que já está a reabilitar os seus grandes blocos de rega onde as perdas passam de 50% para quase zero”, conclui.


  • Frutas Mourinho

“Na desunião será este o nosso fim. De certeza será a nossa fome. Se isto continuar assim, o que é que a humanidade come”?, podia ler-se no stand da Futas Mourinho, durante a 8ª Mostra Silves Capital da Laranja, onde ao mesmo tempo as caixas, que deveriam estar cheias de laranjas, se encontravam vazias. Joaquim Mourinho, responsável pela empresa, é um agricultor em protesto contra os cortes de água e o mesmo avança à nossa reportagem que “com este stand queremos transmitir uma mensagem de alerta. Se nada for feito, na campanha de 2004/2005, com os cortes de água que estão impostos, vamos ter fruta com calibres inferiores e sem sabor. Já em 2005/2006, sem produção. Tem de haver medidas para reter a água quando chove (…) tem de haver união entre todos” e o mesmo vai mais longe ao afirmar que “é inconcebível termos de encarar uma ineficácia das entidades responsáveis que nada fazem. Há 30 anos a esta parte, nada foi feito e recordo que a última barragem construída foi a de Odelouca e daí paramos com captações de represas e a água escorre para o mar. Falam, falam, falam, mas não fazem nada”.

No entanto, é com orgulho que Joaquim Mourinho tem ouvido alguns representantes das organizações de produtores dizer que se produz mais citrinos com os 15000 hectares que perfazem a cultura na região, do que quando a área rondava os 17000 hectares. “Antigamente gastava-se o dobro da água que se gasta agora, com os hectares que temos, porque transformamos a agricultura com regas localizadas, rega gota-a-gota, com sondas, (…) consegue-se fazer laranjas com muito menos custos de produção e pôr no mercado o fruto com qualidade”, explica.

O Algarve também conhecido pelo turismo, é para o produtor um setor importante “porque se não houver turismo a nossa produção não é reconhecida. Os turistas ao consumirem a Laranja do Algarve, é também um cartaz que levam para os seus países”, enaltece Joaquim Mourinho.

Recorde-se que a Frutas Mourinho, sedeada no concelho de Silves, opera no setor há mais de 45 anos.


  • Messinagro

A Messinagro, empresa algarvia, que comercializa uma série de produtos e serviços para a agricultura, como adubos e fertilizantes, fitofarmacêuticos, passando pelas sementes, marcou presença na Mostra da Laranja Capital de Silves.

De ano para ano, a empresa tem apostado em novos produtos de modo que os agricultores tenham disponíveis as melhores soluções, ferramentas e alternativas para que consigam obter mais rendimentos e eficiência. Quem o diz, é Mário Santana, balconista e responsável de armazém dos fitofármacos da Messinagro, durante a Mostra da Laranja Capital de Silves. “O setor tem evoluído bastante, quer em termos de produtos, passando pelos sistemas de rega (…) para além disso, os agricultores vão tendo mais responsabilidade sobre a aplicação dos produtos e estão mais preocupados com a sustentabilidade, com o ambiente, e segurança dos consumidores, procurando cada vez mais produtos biológicos e resíduo zero”, considera Mário Santana.

Sobre a questão da água, tema que preocupa bastante a Messinagro, há vários anos que tem apostado em trazer novas soluções, produtos, equipamentos, para garantir a eficiência do agricultor.


  • Lara – Laranja do Algarve

A Lara-Laranja do Algarve, SA é uma empresa sedeada no concelho de Silves que se dedica à transformação e comercialização de sumo 100% naturais de citrinos. A empresa que iniciou a sua atividade em 1996 e transforma anualmente cerca de 25.000 toneladas de citrinos, também esteve presente com um stand na última edição da Mostra Silves Capital da Laranja.

Nas palavras de Betty Silva, responsável de Qualidade e Segurança Alimentar na empresa, o sumo é obtido a partir de frutas sãs, recém-colhidas e previamente selecionadas, 100% natural, pasteurizado e arrefecido de imediato, “o que permite conservar assim as suas características originais”. O produto é embalado em bag in box e também é comercializado em granel, tanto para o mercado interno como para exportação.

Para além dos sumos, despertou bastante curiosidade aos visitantes da Mostra, os subprodutos que produzem, como o melaço e os óleos essenciais, resultantes do aproveitamento da casca da laranja.

De referir que, a empresa pertence à maior produtora mundial de sumos de laranja, a Sucocítrico Cutrale.

Para mais informações solicitar através do email: grupolara@mail.telepac.pt


  • Associação de Regantes, Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão

A Associação de Regantes, Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão, é responsável por 2600 hectares no perímetro de rega que corresponde a cerca de 1800 agricultores. Durante a Mostra Silves Capital da Laranja, conversámos com João Garcia, presidente da Associação, que se mostra muito preocupado com toda a situação que se vive atualmente na região. Porquê? Questiona o presidente, afirmando ao mesmo tempo porque “as reservas que temos na nossa albufeira não são suficientes para garantir a sobrevivência das nossas culturas, principalmente, a cultura dos citrinos que representa cerca de 95% da ocupação do nosso território”. O mesmo argumenta ainda que, o concelho de Silves representa 50% da produção nacional de laranja do Algarve, “portanto a nossa preocupação é salvaguardar este nosso património que é a laranja de Silves”.

Sobre as medidas que foram apresentadas pelo Governo, este perímetro de rega vai ter um corte de 40% em relação ao volume de água disponibilizado no ano anterior, da Barragem do Funcho para o Arade. João Garcia, explica que “na Albufeira do Arade só têm água quando a Barragem do Funcho disponibiliza essa água para o Arade (…). No ano passado disponibilizou cerca de 5 milhões de metros cúbicos de água, e este ano de acordo com o corte de 40%, estamos a falar de cerca de 3 milhões, juntamente com os 2 milhões que temos disponíveis, não conseguimos garantir a sobrevivência das culturas instaladas neste perímetro de rega. A situação é grave”, lamenta.

Na Associação de Regantes, desde 2021, implementaram aos agricultores um plano de contingência com vários níveis. João Garcia afirma que “nos últimos 2 anos conseguimos ter água para garantir o nível 1 do plano de contingência, com restrições, principalmente para culturas não permanentes e para outras culturas. Hoje já estamos no nível 4, o nível máximo do plano de contingência.  Portanto apelamos ao Governo, neste caso à APA, que consiga garantir-nos água para garantir rega de sobrevivência. Que sejam revistas as medidas, os cortes, para garantirmos água aos agricultores. Em causa poderá, estar também o futuro, o desaparecimento da atividade dos agricultores”.

Para João Garcia, a Associação de Regantes tem feito o seu caminho e no perímetro de rega tem investido na reabilitação das condutas. “Atualmente, já temos mais de metade do perímetro de rega com condutas fechadas, com contadores, sem fugas (…) portanto conseguimos reduzir as nossas perdas de água a 15%. Temos como objetivo principal reduzir as perdas de água. Aliás, desde novembro temos uma equipa a trabalhar nos canais, a reparar e a substituir velas que estão danificadas (…) mas não é suficiente”, conclui o dirigente associativo.


  • Pedro Valadas Monteiro, vice-presidente da CCDR Algarve

O dirigente, avançou à nossa reportagem, que este evento é extremamente importante, “porque estamos a falar da principal cultura do Algarve – os citrinos- e estamos a falar do concelho que é responsável por uma maioritária parte dessa mesma produção tanto a nível regional como nacional”. Para além disso, é um evento que associa a laranja, a todo um outro conjunto de atividades, nomeadamente, ao tema da questão da água (…) a sua ligação à gastronomia, à transformação, ao território e ao turismo. “Acima de tudo estamos a chamar a atenção para o setor primário, numa altura em que o setor enfrenta desafios muito significativos com a falta de água e temos que de uma vez por todas começar a construir soluções que garantam ao Algarve água, não só à citricultura, mas a todas outras produções hortofrutícolas”, frisa.

Trabalhar cada vez mais em soluções de resiliência ao nível da gestão hídrica, que passam pela concretização das obras do Plano Regional de Eficiência Hídrica, é uma das prioridades. Para além disso, diz Pedro Monteiro “é importante também começarmos a pensar em outras alternativas, porque muito provavelmente temos que equacionar a possibilidade de construir mais barragens, nomeadamente, a Barragem da Foupana que até já existe o financiamento para a associação de regantes poder elaborar o estudo prévio e a transferência de água de outras regiões do país, principalmente do Alqueva”. O mesmo responsável vai mais longe ao afirmar que “precisamos da agricultura para garantir que o investimento que está feito no Algarve não se vai perder e mostrar que o Algarve continua a ser e tem condições para ser uma região atrativa para novos investimentos, assim temos de tratar primeiro daquilo que é o desafio da água para podermos também trabalhar no Algarve sustentável”.

Atualmente, as soluções passam em mitigar a gestão diária das explorações, com a reabilitação de furos que possam funcionar também um pouco em resiliência ao próprio sistema de barragens, a construção de pequenas charcas, reservatórios e até a possibilidade de soluções que se prendam com a instalação de dessalinizadoras móveis onde seja possível. “É importante que todos os utilizadores de água tenham consciência de que vamos viver assim até a conclusão das obras do Plano Regional de Eficiência Hídrica (…) quanto mais água pouparmos, mais recursos garantimos para todos os utilizadores”.  Ao terminar, Pedro Valadas Monteiro, reforça que  “é  necessário garantir que conseguimos atravessar o ano de 2024 com água e ter água ainda em 2025, porque não sabemos como vai ser o comportamento da precipitação (…) a partir daí, paulatinamente, as obras que estão previstas no Plano Regional de Eficiência Hídrica irão sendo executadas, e quando forem concluídas provavelmente teremos um input adicional ao sistema de cerca de 70 hectómetros cúbicos entre poupança de água, novas origens de água, o combate às perdas, a dessalinizadora e o Pomarão”.

→ Mais desenvolvimento na Revista Voz do Campo: edição de março 2024