Introdução geral e a questão hídrica no Mediterrâneo

A água, como recurso cada vez mais escasso, obriga a medidas urgentes para corrigir ineficiências e desperdício, diminuir a poluição e aumentar a poupança (FCG, 2020). Na bacia do Mediterrâneo, a pressão sobre os meios hídricos tem vindo a aumentar devido à diminuição marcada de pluviosidade, temperaturas do ar mais altas que promovem a evapotranspiração e aumentos sazonais do consumo devido ao aumento das necessidades de rega na agricultura e à expansão da atividade turística. A água é um factor crucial para a produção de vinho. De facto o uso de água é relevante quer na vinha quer na adega e em países do Mediterrâneo onde este recurso é particularmente escasso, torna-se ainda mais importante poupar e reciclar.

Promover a circularidade na agri-indústria moderna e na indústria do vinho é um tópico actual e que requer mais investigação (Costa et al., 2022; Latessa et al., 2023). A gestão da água nas adegas apresenta ainda limitações por falta de sensorização adequada, falta de métricas, baixo custo do recurso água, ou por vezes devido a alguma falta de percepção/formação de gestores e colaboradores. Este contexto empresarial pode favorecer uma gestão ineficiente da água e das águas residuais produzidas, as quais pela sua elevada carga orgânica, baixo pH e presença de detergentes dissolvidos são uma potencial fonte de poluição de solos e recursos hídricos (Oliveira e Duarte, 2016; Costa et al., 2020; Latessa et al., 2023). Além disso, a apresentação de um selo de sustentabilidade para os vinhos portugueses é já um requisito para acesso a alguns mercados externos e obriga a repensar objetivos e a otimizar práticas, na vinha e na adega (IVV, 2023). Outra característica do setor nacional vitivinícola é o facto de assentar maioritariamente em agentes económicos de pequena dimensão (ACIBEV-NOVA, 2023), o que poderá condicionar a boa gestão de água e de águas residuais nas adegas e dificultar a aplicação de programas de sustentabilidade e a certificação do setor.

Uso de água para limpeza de paletes, baldes da vindima, e de equipamentos vários numa microadega na região de Lisboa

Tratamento e reciclagem de águas residuais vinícolas

As adegas têm características específicas e variadas (ex. tecnologia, capacidade instalada), o que torna difícil uniformizar a gestão da água. A produção de um litro de vinho pode gerar entre 0,3 a 14 L de água residual, dependendo do tipo produzido (branco ou tinto), do grau de implementação de boas práticas na adega e das características da adega (Duarte et al., 1984; Costa et al., 2020; Latessa et al., 2023). De referir que, 60 a 80% do fluxo de água residual é produzido durante a vindima e a primeira trasfega o que gera um pico de produção de águas residuais que é dificil de gerir. Por outro lado, há ainda que adaptar os sistemas de tratamento implementados para permitir que a água residual tratada cumpra os requisitos de qualidade para a sua reutilização e valorização como fonte alternativa de água, promovendo a circularidade.

Métricas, indicadores e estratégias alternativas para gerir água na adega: o caso de uma microadega na região de Lisboa

A quantificação do uso de água e da geração de águas residuais numa adega tem especificidades em termos das métricas e das práticas adotadas pelos agentes económicos. Importa, por isso, colmatar a falta de um planeamento estratégico para se monitorizar in situ e desenvolver indicadores específicos de desempenho, que permitam comparar agentes (benchmarking) e assim promover a inovação e o aumento de eficiência no uso de recursos.

Para conhecer melhor a realidade vitivinícola e sensibilizar o setor para as questões da gestão eficiente da água na adega, desenvolveu-se no âmbito do projeto Clones4ClimateChange do LEAF, Instituto Superior de Agronomia, um estudo colaborativo com um produtor-engarrafador da região de Lisboa (Ramilo Wines), ao longo de três campanhas (2021 a 2023). O estudo focou-se na vinificação das uvas da casta portuguesa V. vinifera cv Arinto casta branca com alta acidez natural que favorece a frescura dos vinhos e produzida na região de Lisboa em sequeiro.

O trabalho desenvolvido permitiu calcular indicadores específicos, simples, para avaliar a gestão da água na microadega estudadas tais como: 1) consumo de água (ICA), Lágua/Lvinho; 2) geração de águas residuais (IGAR), Lágua residual/Lvinho e 3) teor de matéria orgânica das águas residuais (MOAR), calculado com base na carência química (CQO) e bioquímica em oxigénio (CBO5 ) e expressa em gMOAR/Lvinho. Para tal, e muito importante em termos práticos, foi definido um plano de monitorização em conjunto com a empresa, o que permitiu individualizar os consumos de água e a geração de águas residuais por operação unitária (ex. lavagens de contentores, desengaçador, prensa, bombas, cubas, mangueiras, pavimento, etc). Durante o período da vindima e 1ª transfega, monitorizou-se o uso da água, usando as leituras do contador no início e final das lavagens de equipamentos /materiais associados a cada operação unitária. Verificou-se que cerca de 50% do consumo total de água foi devido à limpeza e higienização da prensa e respetivas tubagens. O consumo de água foi inferior ao reportado na literatura para a produção de vinhos brancos. Todavia, houve ao longo dos três anos de vindimas uma variação inter anual de procedimentos de vinificação, o que dificulta o estabelecimento de métricas na gestão da água e águas residuais. Tal procedimento deverá ser mais comum nas microadegas do que em adegas de maior dimensão, mas deverá ter-se em consideração este aspeto como uma das realidades do setor (…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de março 2024

Autoria: R. Fragoso¹,², M. Glória Esquível¹,², J. Mata³, N. Ramilo², E. Duarte¹,², J. Miguel Costa¹,²

¹ LEAF, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, Portugal

² Laboratório Associado TERRA, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal

³ Ramilo Wines, Alqueidão, Portugal