Já muita coisa foi dita e analisada ao longo da semana, desde logo pelos comentadores de serviço, sobre o novo Governo e a sua constituição: que não vai durar até à discussão do próximo orçamento de Estado, vai viver em permanente instabilidade, que criou elevadas expectativas com as promessas na campanha eleitoral, que beneficia de uma conjuntura de “cofres cheios” e, no caso da Agricultura, na lista divulgada na página da Presidência da República, passou do último para o penúltimo lugar na hierarquia dos Ministérios. Antes da Cultura.

Jaime Piçarra – Secretário-Geral da IACA

Vamos ter de aguardar e esperar que, mais do que ser atento às perceções da sociedade, a adaptação à realidade, a resolução dos problemas das pessoas e das empresas sejam as marcas deste novo ciclo que agora começa. De resto, o Primeiro-Ministro já tratou de baixar as expetativas, com a certeza de que não vai ter qualquer estado de graça, nem os habituais 100 dias para “mostrar serviço”, até porque em breve estaremos na campanha para as eleições europeias. Tal como as eleições presidenciais norte-americanas – aqui o referimos por diversas vezes – são absolutamente fundamentais para consolidar o papel da União Europeia neste alinhamento geoestratégico bipolar em que vivemos, com os atuais conflitos (Ucrânia e Médio-Oriente) sem fim à vista, numa escalada que potencia mais incerteza e instabilidade.

Olhando para a constituição do Governo, o que ela indicia são escolhas claramente políticas, de combate, que se conjugam com competências e experiência em Bruxelas em pastas que serão da maior relevância na coesão da estrutura governativa e na capacidade de diálogo.

Com as devidas reservas, que só o tempo poderá confirmar, assumir o crescimento económico, a redução dos impostos, ou o combate às alterações climáticas, com uma transição energética que tenha em conta o compromisso com os cidadãos e com a competitividade das empresas, é um indicador de uma nova cultura política, de ambição, com diálogo e respeito pela democracia e pela diversidade do novo alinhamento político na Assembleia da República.

Na Agricultura, é de saudar a escolha do Ministro José Manuel Fernandes que tem uma larga experiência em Bruxelas, capacidade de trabalho e de diálogo, conhecimento dos dossiês agrícolas e com posições não só sensatas como próximas daquelas que temos defendido – na linha do eurodeputado Álvaro Amaro, que substituiu – em matérias tão importantes como a Lei do Restauro da Natureza, a utilização sustentável dos pesticidas, o bem-estar animal, ou mais recentemente, a (absoluta) necessidade da simplificação da PAC, que gera custos desnecessários e incompreensíveis, provocando abandono da atividade e comprometendo a segurança alimentar na União Europeia.

Para a sua equipa, pelas nomeações confirmadas, desde o Chefe de Gabinete, David Gouveia – que também é um profundo conhecedor de Bruxelas e da realidade da agricultura nacional – aos adjuntos, não falta competência, capacidade de diálogo e de aposta na resolução dos problemas. Aparentemente, pelo que já é público, nas Secretarias de Estado, os novos titulares seguem a linha de coerência e de diálogo com os diferentes atores, sendo de saudar o regresso das florestas à tutela. Faltará ainda reverter o processo de transferência das funções das Direções Regionais de Agricultura para as CCDR, bem como o regresso da tutela dos animais de companhia à DGAV, de onde nunca deveria ter saído.

Pela negativa, em nossa opinião, a ausência da Secretaria de Estado da Alimentação.

Como sabemos, no passado tivemos esta pasta interligada com a investigação agroalimentar e que significou, tal como no anterior governo, o reconhecimento daquela que é a principal indústria transformadora, não só pela sua dimensão económica e social, mas igualmente pela sua dinâmica de internacionalização. Até se compreende o sinal para os agricultores face à desqualificação recente da atividade, mas é bom não esquecer que a PAC hoje vai muito além da componente agrária, implica olhar para a cadeia alimentar como um todo, sem esquecer o território e o mundo rural, nas suas multifuncionalidades.

Tal como a PAC pós-2020, a PAC pós-2027, que hoje discutimos em Bruxelas, nos diferentes fóruns ou no Diálogo Estratégico, é o futuro da Alimentação.

Mais do que não ter a Alimentação na sua designação, o que verdadeiramente importa é que o Ministério da Agricultura tenha bem presente o Setor agroalimentar na sua estratégia de definição de políticas, sob pena de comprometer o futuro da nossa atividade e a segurança do abastecimento. Pelo que conhecemos do nomeado Secretário de Estado, João Moura, esta será uma área relevante do Ministério.

Mas o caderno de encargos é muito extenso, vai exigir um diálogo permanente com outros Ministérios, desde logo com o Ambiente e Energia nas questões da água, dos licenciamentos, da gestão dos efluentes, dos resíduos, das energias renováveis e dos biocombustíveis. Também vai exigir interlocutores competentes para  a simplificação das ajudas e para o equilíbrio entre ambiente e agricultura que deve privilegiar a produção de alimentos. O diálogo deve, ainda, ser próximo com as Infraestruturas, de forma a resolvermos a questão da SILOPOR e o funcionamento das operações portuárias. Evidentemente, deverão estar sempre na lista de destinatários da Agricultura as áreas da Economia, Coesão, Educação e Ciência, Negócios Estrangeiros e, obviamente, as Finanças.

Para o nosso setor importa conhecer o posicionamento do Ministério em dossiês que aqui temos falado como a desflorestação ou as novas técnicas genómicas, evitando eventuais disrupções que poderão conduzir a restrições no abastecimento e aumento de custos. Vejam-se os agravamentos nos preços do café ou do cacau no mercado mundial: atingiram níveis históricos e ainda nem foi implementada a EURD. Esperamos que Portugal continue a manter as posições que foram assumidas, por exemplo, no último Conselho Agrícola.

Numa altura em que se discute também em Bruxelas a Estratégia de Autonomia Aberta, ou o plano europeu da proteína, que aliás vai ser objeto de uma reunião informal no próximo dia 9 de abril, veremos qual será o posicionamento de Portugal. Outras questões em aberto respeitam a eventuais alterações no PEPAC e a metodologia de implementação dos ecoregimes, que também aqui temos criticado.

Qual a posição sobre a PARCA? Estará o Governo disponível para rever a Estratégia “Do Prado ao Prato”? Estará disponível para incitar a revisão de algumas das propostas sobre o bem-estar animal? Quererá requalificar a Administração Pública? Que posições estará disposto a assumir em Bruxelas para, finalmente, exigirmos as mesmas regras (ou equivalentes) às importações de produtos provenientes de países terceiros?

Assistimos esta semana à celebração dos 75 anos da NATO e nunca como hoje esta aliança foi tão importante. Não só ao nível de defesa, mas igualmente na soberania alimentar, nas infraestruturas críticas que têm de ser acauteladas. Nos stocks estratégicos. Porque as ameaças nunca foram tantas e tão imprevisíveis, com um foco crescente no Indo-pacifico. Também aqui a Agricultura ganha uma dimensão política relevante. A projetar o futuro.

De facto, são enormes os desafios, mas estamos certos de que com um permanente diálogo, aberto e transparente com os diferentes setores, é possível atingir o objetivo a que (todos) nos propomos: o de afirmar a Agricultura, o Agroalimentar e o Mundo Rural como estratégicos para Portugal.

Podem contar com a IACA e com a Indústria da Alimentação Animal.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA