A Lei da Saúde Animal (LSA) estabeleceu regras de prevenção e controlo de determinadas doenças que são transmissíveis aos animais ou aos seres humanos. Com esse propósito instituiu uma lista de doenças transmissíveis (doenças listadas) e regras para a sua priorização e categorização, pois as doenças requerem tipos diferentes de medidas de gestão, tendo em conta a potencial gravidade do seu impacto na saúde pública ou animal, na economia, na sociedade ou no ambiente. As doenças de categoria A, de acordo com o Regulamento (UE) n.º 2020/687 são as doenças listadas que não ocorrem normalmente na União e que exigem a adoção imediata de medidas de erradicação assim que forem detetadas. A febre aftosa (FA), a doença nodular contagiosa (DNC) e a febre do vale do rift (FVR) são doenças estão categorizadas como “A” na LSA que afetam os bovinos e que não estão presentes em Portugal. No entanto, estas doenças estão presentes em países que fazem fronteira com a União Europeia (UE) e cuja situação epidemiológica mundial tem vindo a agravar-se nos últimos anos, levando a que o risco de introdução em território nacional tenha vindo gradualmente a aumentar.
Neste primeiro artigo, abordamos aspetos sobre o vírus, característica e vias de transmissão, a situação mundial, a prevenção e as medidas de controlo e erradicação da doença da Febre Aftosa (FA).
Febre Aftosa (FA)
A febre aftosa é uma doença muito contagiosa provocada por um vírus que afeta os bovinos, ovinos, caprinos, suínos e outros animais biungulados (javalis, cervídeos, muflões, antílopes, búfalos, entre outros). A FA é caraterizada pela formação de vesículas dolorosas e erosões dentro da boca, focinho, tetos e patas. Este vírus não é considerado um risco para saúde humana, não existe tratamento para esta doença e a vacinação está proibida em toda a UE. Apenas é permitida a vacinação de emergência contra a febre aftosa em caso de surto.
A FA é uma doença de notificação obrigatória para a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), para a União Europeia e a nível nacional.
A FA pode evoluir para uma epidemia devido à alta contagiosidade do vírus. Esta doença origina graves perdas económicas devido às lesões que produz nos animais, que conduzem a perdas diretas de produção, por exemplo, através de taxas de crescimento reduzidas e quedas na produção de leite e também pela aplicação de medidas de emergência para controlar esta doença (occisão dos animais, restrição da movimentação, restrições ao repovoamento e vacinação). Surge como o principal entrave à comercialização internacional de animais vivos, carcaças e dos seus produtos.
1. Agente Causal
A FA é causa por um vírus do género Aphtovirus. Existem sete serotipos distintos: O, A, C, SAT-1, SAT-2, SAT-3 (SAT: Southern African Territories) e Ásia-1. A infeção ou a vacinação com qualquer um dos serotipos não confere imunidade contra os outros serotipos, ou seja, as vacinas devem ser adequadas aos serotipos circulantes.
O vírus da febre aftosa (VFA) é extremamente resistente no meio ambiente e sobrevive bem em material orgânico como fezes, sangue e carne e em condições de alta humidade e de diminuta incidência solar.
No entanto o VFA pode ser inativado por temperaturas superiores a 50ºC e pH inferior a 6,0 e superior 9,0. Pode ainda ser inativado pelos seguintes compostos hidróxido de sódio (2%); carbonato de sódio (4%); ácido cítrico (0,2%); ácido acético (2%); hipoclorito de sódio (3%). A lista de desinfetantes eficazes contra do VFA e aprovados pela DGAV encontra-se disponível no portal da DGAV: Febre Aftosa – DGAV.
2. Caraterísticas da doença e vias de transmissão
Os hospedeiros sensíveis da FA são todos os animais biungulados, incluindo todos os ruminantes e suínos domésticos, bem como todos os ruminantes e suínos selvagens. A doença é geralmente mais grave nos bovinos e suínos.
A FA também foi relatada em pelo menos 70 espécies selvagens, nomeadamente incluindo o búfalo africano (Syncerus caffer), bisonte (Bison spp.), alce (Alces alces), camurças (Rupicapra rupicapra), PECUÁRIA 47 ABR 2024 | girafa (Giraffa camelopardalis), gnu (Connochaetes gnou), antílope cervicapra (Antilopa cervicapra), cudo-maior (Tragelaphus strepsicornis), impala (Aepyceros melampus), suínos selvagens como o facocero-do-deserto (Phacochoerus aethiopicus) e o javali (Sus scrofa) e diversas espécies de veados, antílopes. Os búfalos africanos são importantes hospedeiros de manutenção do VFA em África. Os humanos podem albergar o vírus no trato respiratório durante mais de 24 horas, sem nunca desenvolver a doença clínica. A febre aftosa não é considerada uma zoonose.
O período de incubação da FA, que representa o tempo desde a infeção, quando o vírus entra no animal, até ao surgimento dos sinais clínicos pode variar de 1 a 14 dias.
Após a infeção do animal o VFA pode ser encontrado em todas as secreções e excreções, incluindo ar expirado, saliva, leite, urina, fezes e sêmen, bem como no fluido de vesículas associadas à febre aftosa e no líquido amniótico, abortos e fetos. Este vírus pode ser transmitido antes do surgimento dos sinais clínicos. No pico da doença, o vírus pode circular pelo sangue e estar presente em todos os tecidos.
O vírus pode entrar no animal por inalação ou ingestão, e através de abrasões na pele e membranas mucosas. A suscetibilidade a cada via de entrada pode diferir entre espécies. Nos bovinos a principal via de infeção é a respiratória. Apresentam sintomatologia grave e são considerados os animais indicadores da doença. Podem ficar portadores, se recuperarem da doença, durante 3 a 5 anos.
Também nos ovinos e caprinos a principal via de infeção é a respiratória. No entanto são considerados hospedeiros de manutenção, pois podem silenciar a doença, por apresentarem sinais por vezes muito discretos. Podem ficar portadores durante 9 meses. No caso dos suínos e javalis a principal via de infeção é a oral. Os suínos são hospedeiros amplificadores porque excretam uma elevada quantidade de vírus pelo ar exalado, mas não ficam portadores. A FA pode ser transmitida por vias diretas, ou seja, por contacto direto animal a animal ou por vias indiretas, como sejam:
– Alimentação com alimentos ou forragens ou pastagens contaminadas;
– Fomites através de vestuário, calçado, veículos equipamento e material contaminados;
– Iatrogénica pela utilização de equipamento médico veterinário, como agulhas, equipamento cirúrgico ou outro contaminado e que entre em contacto com animais:
– A propagação de aerossóis de animais infetados, em especial de suínos, pelo vento e sob certas as condições climáticas (velocidade do vento lenta e de constante orientação, humidade relativa elevada, luz solar fraca e ausência de chuva intensa). A transmissão pelo vento a longas distâncias nunca foi observada em África, no Oriente Médio, na Ásia ou na América Latina. Esta via não é tão comum quanto a propagação por contato direto com animais ou por fomites. Os sinais da FA nos animais afetados são os seguintes:
– Febre Alta (40.ºC – 42.ºC) seguida um dia depois do surgimento das vesículas
– Anorexia e apatia. Os animais deixam de se alimentar e têm depressão
– Vesículas na língua, no focinho, na boca, nos tetos e no espaço interdigital e banda coronária das patas
– Salivação profusa devido a vesículas na cavidade bocal
– Redução da produção de leite
– Claudicação devido a lesões podais
– Relutância em levantar-se (posição de cão sentado) nos suínos
– Descolamento dos cascos
– Aborto nas fêmeas gestantes
– Morte súbita dos bezerros por miocárdio (…).
→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de março 2024
Autoria: Patrícia Clemente – Direção Geral de Alimentação e Veterinária Direção de Serviços de Proteção Animal, Divisão de Epidemiologia e Saúde Animal