A evolução higiossanitária do leite tem sido, como esperado, paralela à melhoria da saúde do úbere dos rebanhos leiteiros. Na história da melhoria contínua da qualidade dos produtos lácteos, graças aos esforços dos agricultores, técnicos e veterinários, fizeram-se grandes progressos a nível da conservação e qualidade organolética do leite, na ausência de transmissão de doenças e nas mastites. Portanto, o leite e seus derivados são atualmente um dos alimentos com maior garantia de segurança para o consumidor.

Nesta história evolutiva, o controlo da mastite foi e será, entre todos, o principal desafio para todos os envolvidos na cadeia produtiva.

Não podíamos falar de mastites sem olhar para o passado. O passado a que nos referimos não está assim tão distante: nos anos oitenta incentivava-se a instalação de tanques de frio na origem, e pouco antes as primeiras máquinas de ordenha mecânica tinham chegado às explorações. A ausência de conhecimento específico sobre a relação entre o equipamento de ordenha, a qualidade do leite e a saúde do úbere fez com que, nesses primeiros anos, as recomendações dos técnicos de campo fossem baseadas exclusivamente na higiene, entendida como desinfeção durante a ordenha. A incidência de mastite causada por microrganismos contagiosos durante este período é muito alta, quase tanto quanto a frustração de agricultores e veterinários pela falta de sucesso nos tratamentos contra essas bactérias. Paradoxalmente, os preços do leite na origem, os baixos preços das matérias-primas e a sensação de sucesso no tratamento e cura de microrganismos ambientais com cocktails de antibióticos, geraram um clima de conformismo e otimismo.

Em 1992, a publicação da Diretiva 92/46/CEE (depois devidamente adaptada nos países membros), que estabelecia as condições sanitárias aplicáveis à produção e comercialização do leite, e o pagamento pela qualidade aplicado posteriormente pelas indústrias, levou à criação e divulgação de programas de qualidade do leite e de saúde do úbere, que foram um ponto-chave para melhorar a saúde do úbere do rebanho.

A partir desse momento, o setor modernizou-se a grande velocidade: a era da digitalização não deixou de lado a agricultura, a pecuária e a veterinária, e as exigências sobre a qualidade do leite contribuíram muito para isso. Equipamentos de ordenha cada vez mais sofisticados, especialização de técnicos e produtores, maior qualidade/ conservação das forragens produzidas nas explorações, melhoramento genético e maior capacidade no diagnóstico de doenças e análise dos dados gerados na exploração, são algumas das grandes mudanças que a nossa indústria vivenciou num período relativamente curto.

Estes períodos a que nos referimos, o início tímido de tentar melhorar a saúde do úbere das vacas leiteiras e o período atual, onde o foco é no maneio e gestão (nutrição, reprodução, vaca em transição…), têm uma coisa em comum: continuamos a usar a “estratégia do bombeiro”, ou seja, apesar de falarmos em prevenção, continuamos a “apagar incêndios”, tratando repetidamente os animais e acudindo a emergências. Tudo isto se traduz em saldo negativo para a exploração, devido a leite descartado, refugos de animais crónicos, mortes de animais e despesas com medicamentos.

É óbvio que temos de tratar os animais doentes, caso contrário incorreremos num atentado grave contra o bem-estar dos mesmos. Também é óbvio que, apesar de a estratégia de “bombeiro” continuar a ser utilizada, foram feitos grandes progressos ao longo destes anos, tais como, a diminuição da contagem de células somáticas (parâmetro relacionado diretamente com a saúde do úbere), e a redução da incidência de mastites causadas por agentes contagiosos reduziu, que como mencionamos no início, foram o grande cavalo de batalha no início. No entanto, existe a necessidade uma mudança de paradigma, do tratamento para a prevenção.

Manter as vacas saudáveis no nosso sistema produtivo, cada vez mais intensivo e profissional, no atual contexto de redução da utilização de antimicrobianos, implica um maneio e gestão exigentes, compreender melhor o que acontece aos animais e porque é que, apesar desta constante evolução, os animais continuam a adoecer.

Um dos maiores desafios em termos de saúde do úbere é o período seco. Até agora a secagem era vista como um período de oportunidade para curar vacas que sofreram mastite durante a lactação, ou como um período sem ordenha, onde se poderiam aplicar medidas preventivas em massa, não se diferenciando animais sãos de doentes, e sem risco de resíduos para o leite produzido. No entanto, devemos pensar na secagem como um objetivo, que é, as vacas devem chegar o mais saudáveis possível a este período, porque é o ponto de partida para a lactação que se vai iniciar, e não o objetivo de uma lactação que termina.

Portanto, o objetivo atual dos técnicos e produtores, contrariamente ao passado, deve ser melhorar o estatuto imunitário dos rebanhos durante a lactação, para ajudar as vacas numa fase em que as suas defesas estarão comprometidas, e onde o uso de antibióticos não trará qualquer vantagem. Através da antecipação (continuar a trabalhar em estratégias de prevenção para reduzir o stress e manter o equilíbrio) e da otimização da resistência (imunidade), chegar-se-á ao período seco com vacas mais saudáveis e poderemos prescindir de ferramentas como os antimicrobianos que, para além de não cumprirem as normas em vigor, vão aumentar as despesas das nossas explorações.

O equilíbrio a que nos referimos é a regulação estável das respostas do animal: a função do sistema imunitário é manter este equilíbrio e lutar contra o seu principal inimigo, o stress (…).

→ Leia o artigo completo na Revista Voz do Campo: edição de maio 2024

Autoria: Deolinda Silva, Serviços Técnicos Ruminantes – HIPRA Portugal

António Souto, Serviços Técnicos Ruminantes – HIPRA Espanha

Marga Penelas, Global Product Manager HIPRA